A política de desmonte do Estado brasileiro ganhou reforço com a chegada de Adolfo Sachsida ao Ministério de Minas e Energia. Ele foi colocado no posto como uma tentativa de Jair Bolsonaro (PL) mostrar que está fazendo alguma coisa para conter a constante alta nos preços dos combustíveis.E a primeira providência dele foi anunciar a privatização da Petrobras.
Acontece que não faltam exemplos ao redor do mundo de como a privatização não resolve o problema e vai, provavelmente, agravar o atual cenário.
Enquanto o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), afirma que o assunto está longe das prioridades do Congresso – para incluir a Petrobras no Plano Nacional de Desestatização (PND) é preciso aprovação dos parlamentares -, a Federação Única dos Petroleiros (FUP-CUT) prometeu a “maior greve da história da categoria” caso o governo insista em levar a proposta adiante.
Para o economista Eduardo Moreira, a população está sendo enganada à luz do dia com falsos argumentos utilizados pelo governo Bolsonaro para dizimar as principais estatais do país. Ele afirma que grandes estatais podem estar entre os compradores, o que faz cai por terra o argumento de que “o Estado não sabe tomar conta de nada”, nas palavras do economista.
Ele reforça especialmente o risco que privatizações como a da Petrobras, em setores que “são naturalmente monopólios”, é de que a concentração está atualmente nas mãos do Estado brasileiro, continuará a ser um monopólio – só que nas mãos de outros países ou grandes empresas estrangeiras.
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“O objetivo passa a ser só lucro. Não vai cair o preço. Vai subir o preço e qualidade vai piorar. No mundo inteiro as empresas de energia, água, esgoto, coleta de lixo, todas as que foram privatizadas na década de 1990 e 2000 estão sendo reestatizadas porque o preço aumentou e a qualidade piorou”, enfatiza.
Não é para a população
Sobre as intenções de Bolsonaro privatizar Petrobras, Eletrobras e os Correios, Moreira afirma categórico que têm um único objetivo.
“Tudo no final é pra fazer a mão de obra ficar mais barata e o lucro ficar maior. Se quer cair no papinho de q a gasolina vai ficar mais barata, a conta de luz vai ficar melhor e em qualquer lugar do país vão chegar os Correios, como naqueles filmes dos EUA, acorda! O plano é esse e não é à toa que as empresas são essas. Depois que privatizou, não é fácil reestatizar”, afirma.
Reestatizações pelo mundo
Para especialistas ouvidos pela BBC, os casos de sucesso acontecem quando há regulação forte e estável que atraia investimentos. O contrário do que tem sido feito pelo Brasil com Bolsonaro.
Um dos casos mais emblemáticos é o da Rússia. Após o fim da União Soviética (URSS), em 1991, o então presidente Boris Yeltsin fez amplas privatizações no país. O esforço de privatização durou três anos e, em 1994, dois terços da indústria russa estava nas mãos da iniciativa privada.
A desestatização do setor de gás e petróleo foi regulamentada por um decreto presidencial em 1992. Petroleiras e refinarias foram agrupadas, transformando-se em empresas de capital aberto.
A Gazprom é uma dessas empresas e no início dos anos 2000 foi reestatizada. No ano passado, respondeu sozinha por 68% da produção de gás na Rússia.
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Voltando alguns anos, a venda de estatais russas foi feita por um sistema de vouchers distribuídos à população para que pudessem comprar ações da empresa. Na prática, o que se viu foi a formação do grupo de oligarcas russos. Isso aconteceu porque empresários bem relacionados conseguiram grande quantidade desses vouchers e garantiram o controle ou grande participação societária nessas companhias.
Formação da oligarquia Russa
O que para o economista Marshall Goldman, especialista em economia da URSS, a desestatização das estatais russas apenas transformou o monopólio do Estado em monopólio privado, como afirma em seu livro “The Piratization of Russia: Russian Reform Goes Awry”, citado pela BBC.
“Mas o monopólio privado não funciona de maneira muito diferente”, disse o autor em sua obra.
Não à toa, a oligarquia russa segue com o controle de grande parte da riqueza nacional e ainda controlam setores como energia, mineração, mídia e transportes. Além de, evidentemente, manterem fortes conexões com o governo do país.
O empresário Roman Abramovich, proprietário do Chelsea Football Club, faz parte desse seleto grupo de oligarcas. Ele tem patrimônio estimado em US$ 14,3 bilhões (R$ 73 bilhões) e fez fortuna vendendo ativos após a queda da União Soviética.
A petroleira argentina
A vizinha Argentina passou por processo parecido. Em 1999, durante o governo de Carlos Menen, foi concluída a privatização da maior produtora de petróleo do país, Yacimientos Petrolíferos Fiscales (YPF), que foi reestatizada, em 2012, durante o governo de Christina Kirchner.
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Após uma batalha jurídica travada entre o governo e a Repsol, que controlava a empresa, em meio à crise energética argentina e críticas de países como a Espanha e de organizações como o Fundo Monetário Internacional (FMI), foi fechado acordo de U$ 5 bilhões (R$ 25 bilhões) pela expropriação da empresa.
De acordo com o periódico argentino El Clarin, atualmente, as ações valem 75% menos do que há 10 anos. Se no momento da expropriação o valor da empresa havia caído pela metade (U$ 8 bilhões), atualmente, gira em torno de U$ 3,4 bilhões.