
Após mais de dois anos, o Ministério Público do Rio (MP-RJ) concluiu a investigação sobre o esquema de ‘rachadinha’ montado no gabinete do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), no período em que foi deputado estadual no Rio.
O senador e o ex-assessor Fabrício Queiroz serão denunciados pelos crimes de peculato, lavagem de dinheiro e organização criminosa. Flávio será apontado como líder da organização criminosa, e Queiroz, como o operador do esquema de corrupção que funcionava no antigo gabinete na Assembleia Legislativa (Alerj). A denúncia, com cerca de 300 páginas, já está pronta e seria entregue ao Tribunal de Justiça do Rio (TJ-RJ) ainda na segunda-feira (28).
De acordo com informações do jornal O Globo, durante a transmissão da denúncia para o Tribunal de Justiça pelo sistema de protocolo digital, o sistema eletrônico falhou, provavelmente pelo volume dos autos apresentados. Até o fim da noite, o MP-RJ ainda fazia tentativas de enviar o material.
R$ 2,7 milhões em dinheiro vivo
A partir dos dados das quebras de sigilo bancário e fiscal, os promotores vão apontar que o senador usou, pelo menos, R$ 2,7 milhões em dinheiro vivo do esquema. Os valores somam os três métodos pelo qual o filho do presidente Jair Bolsonaro “lavou” o dinheiro em espécie.
Em junho, Queiroz foi preso na casa do advogado Frederick Wassef, em Atibaia, no interior de São Paulo. Wassef era advogado de Flávio na investigação até aquele momento. Ele foi trazido ao Rio para cumprir a prisão em Bangu, mas um habeas corpus concedido pelo ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), permitiu que cumprisse prisão domiciliar em seu apartamento na Taquara, na Zona Oeste do Rio, junto com a esposa, Márcia Aguiar.
A investigação
A investigação do MP-RJ teve início em julho de 2018, depois que um relatório do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) identificou a movimentação atípica de R$ 1,2 milhão na conta de Queiroz. Além disso, foi apontado no documento que oito assessores de Flávio faziam repasses para Queiroz, além de estar assinalada a participação de integrantes da família do ex-assessor. Foram identificadas transferências e depósitos de Márcia, Nathália e Evelyn Queiroz, mulher e filhas do subtenente.
Quando o MP-RJ avançou nas investigações, após a quebra de sigilo bancário e fiscal de 106 pessoas e empresas em abril de 2019, verificou provas de um esquema no qual assessores eram nomeados e tinham que devolver a maior parte de seus salários para Fabrício Queiroz. Muitos, inclusive, não atuavam efetivamente e eram “funcionários fantasmas”. O dinheiro era repassado por transferências, depósitos, mas também em espécie.
Depois, segundo a investigação, o dinheiro era lavado e voltava para Flávio por meio de transações imobiliárias, na loja de chocolates e também no pagamento de despesas pessoais com dinheiro vivo, o que oculta a origem.
3 grupos atuavam no esquema
São 23 os ex-assessores citados em relatórios do Grupo de Atuação Especializada no Combate à Corrupção (Gaecc) do MP-RJ. Eles são divididos em três grupos. O primeiro, composto por 13 ex-funcionários, é o núcleo ligado a Queiroz, formado por seus familiares, além de vizinhos e amigos indicados por ele para o gabinete. Esses 13 ex-assessores depositaram, ao longo dos 11 anos, R$ 2,06 milhões na conta bancária de Queiroz, o que equivale a 69% do valor em dinheiro vivo. Além disso, esse grupo sacou R$ 2,9 milhões em espécie ao longo desse período.
No segundo grupo, constam ainda Danielle Nóbrega e Raimunda Veras Magalhães, ex-mulher e mãe de Adriano Nóbrega, ex-capitão do Bope e líder de uma milícia de Rio das Pedras, que foi morto em fevereiro. Elas repassaram juntas para Queiroz um total de R$ 200 mil. Já as pizzarias de Raimunda ainda repassaram outros R$ 200 mil para Queiroz.
O terceiro grupo descrito pelo MP contém dez ex-assessores residentes em Resende, a cidade onde membros da família Bolsonaro viveram, no Sul fluminense. Nove deles têm parentesco com Ana Cristina Siqueira Valle, ex-mulher e mãe do filho mais novo do presidente Jair Bolsonaro. Dos dez ex-funcionários do núcleo de Resende, seis sacaram em espécie mais de 90% dos salários recebidos, e outros três acima de 70%. Foi um total de R$ 4 milhões.
Funcionários fantasmas
O MP-RJ também aponta que alguns esses funcionários não davam expediente, de fato, no gabinete de Flávio ou atuavam como assessores. Nos autos, os promotores citaram reportagem do Globo, de junho do ano passado, que apontou quatro dessas pessoas que constaram como funcionários, mas nunca exerceram os cargos de fato na Alerj.
Francisco Siqueira Diniz, cursava faculdade em tempo integral em Barra Mansa, e jamais teve crachá da Alerj. Também é apontada a situação de Andrea Siqueira Valle, fisiculturista, que constou como assessora de Flávio por dez anos. Os aposentados José Procópio Valle e Maria José Siqueira Silva, que sempre moraram em Resende, também foram apontados.
Ao todo, os promotores apontam nos autos, seis grupos da organização criminosa. Além dos assessores, outros três grupos mencionam os envolvidos na lavagem de dinheiro: o núcleo com Alexandre Santini, sócio de Flávio na loja de chocolates, outro com Glenn Dillard e sua empresa Linear Enterprises Consultoria Imobiliária e um último com o policial militar Diego Ambrósio e sua empresa de vigilância, Santa Clara Serviços.
Doações para a mãe e para a esposa
Ainda na segunda, o Globo também divulgou que o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) declarou à Receita Federal, em 2011, que realizou “doações em espécie” de R$ 67 mil para sua esposa, a dentista Fernanda Bolsonaro.
Não é a primeira vez que o nome de Fernanda aparece nas investigações. Promotores do Ministério Público do Rio de Janeiro (MP-RJ), que conduzem as investigações, apontaram uma movimentação de R$ 25 mil por parte do ex-assessor Fabrício Queiroz, que atualmente cumpre prisão domiciliar.
O valor teria sido depositado antes de Fernanda começar a pagar as despesas do apartamento do casal. Em conjunto com outro depósito realizado por uma fonte desconhecida, a movimentação bancária na conta da dentista, em quatro dias, foi de um crédito de 111,7 mil reais. Em depoimento, Flávio negou que Queiroz tenha depositado o dinheiro.
Na sexta-feira 25, o jornal também revelou que Flávio informou à Receita Federal ter realizado, em 2010, “doações em espécie” para a mãe dele, Rogéria Nantes Bolsonaro, no valor de 733 mil reais. Em valores corrigidos pela inflação, a doação equivale a 1.229.427 reais.
A trajetória de Flávio
Eleito senador com mais de 4 milhões de votos, Flávio Bolsonaro é o primogênito dos irmãos Bolsonaro. Em 2002, aos 21 anos, foi o deputado estadual mais novo eleito da história do Rio, com 31.293 votos. Na ocasião, ele era filiado ao PP e declarou apenas um carro Gol 1.0 como patrimônio à Justiça Eleitoral. Foi o segundo filho do presidente a entrar para a política. Carlos foi eleito vereador do Rio dois anos antes
Reeleito em 2006, declarou um Peugeot 307 ano 2003, no valor de R$ 35 mil, e um apartamento em Botafogo avaliado em R$ 350 mil. Na eleição de 2010, Flávio declarou escritórios, um veículo mais caro e ações, além do mesmo apartamento em Botafogo. Na de 2014, o apartamento em Laranjeiras, além de um carro no valor de R$ 105 mil
Em 2010, recebeu 58.322 votos, e em 2014, 160.359. Nos 16 anos de mandato na Alerj, Flávio aprovou 12 projetos de lei. Nos quatros mandatos, passou pelo PP, PTB, PFL (atual DEM), PSC e PSL.Em 2016, ele se candidatou à Prefeitura do Rio pelo PSC.
O deputado Flávio Bolsonaro se casou com a dentista Fernanda Bolsonaro em 2010, com quem teve duas filhas. Ele também diz ser dono de uma franquia da Kopenhagen no shopping Via Parque, na Barra da Tijuca. Ao justificar seu padrão de vida e seus bens, Flávio chegou a dizer que ganhava na empresa muito mais do que como deputado. Na inauguração da loja, em 2015, compareceram Bolsonaro e o deputado Wagner Montes, que faleceu em 2019.
Como toda a família, Flávio sempre teve grande atuação nas redes sociais. Em uma transmissão ao vivo após o pai sofrer ataque com faca em Juiz de Fora, em setembro, ele chegou a chorar e enxugar as lágrimas em uma bandeira do Brasil. Flávio acompanhou de perto a campanha do pai em 2018, principalmente após o ataque com faca.
Na carona da popularidade do patriarca, Flávio foi eleito senador pelo PSL com 4.380.418 votos em 2018. Ele fez campanha acompanhado do então assessor, Fabrício Queiroz.
Com informações do jornal O Globo