
O ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), criticou neste domingo (11) a decisão do presidente do tribunal, ministro Luiz Fux, que suspendeu a soltura do traficante André Oliveira Macedo – o André do Rap. A libertação havia sido determinada por Marco Aurélio na última sexta-feira (9) e barrada no dia seguinte pelo novo presidente da Corte.
Em entrevista à GloboNews, Marco Aurélio disse que Fux está “se arvorando a ser um censor” dos demais ministros da Corte, e que todos os ministros devem ter o mesmo papel no STF.
Relator do habeas corpus que levou à liberdade de André Macedo, Marco Aurélio disse que estuda levar a análise do caso ao plenário. Não há data para que isso aconteça, mas pedidos assim costumam ter preferência na pauta das sessões. Na entrevista, Marco Aurélio disse ainda que Fux deve agir como um “coordenador de iguais”. Para o ministro, acima de cada magistrado está apenas a decisão coletiva, e não o presidente da Corte.
André do Rap é um dos chefes do Primeiro Comando da Capital (PCC), facção criminosa que atua dentro e fora dos presídios de São Paulo. Ele foi preso em setembro de 2019, em uma operação feita pela Polícia Civil de São Paulo em um condomínio de luxo em Angra dos Reis, no litoral do Rio de Janeiro.
O traficante é investigado por ter função de chefia dentro do PCC e gerenciar o envio de grandes remessas de cocaína à Europa. Depois da decisão liminar do ministro do STF, André do Rap foi solto e, neste momento, a localização dele é desconhecida.
Cronologia
Marco Aurélio havia concedido um habeas corpus ao traficante na sexta-feira (9), afirmando que ele estava preso há muito tempo provisoriamente.
A legislação processual brasileira mudou em 2020 com o pacote anticrime. O texto determina que prisões preventivas sejam revistas a cada 90 dias para verificar se há necessidade de manutenção da detenção – o que, segundo Marco Aurélio, não ocorreu no caso de André do Rap.
Na noite do sábado (10), porém, Fux atendeu um pedido da Procuradoria Geral da República (PGR) e suspendeu a decisão liminar (provisória) do ministro Marco Aurélio Mello, restaurando a prisão do traficante.
Fux determinou que André do Rap fosse imediatamente preso novamente, e que hovesse a comunicação urgente da 5ª Vara Federal da Subseção Judiciária de Santos, do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3) e da Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo.
Pacote anticrime
A versão original do pacote anticrime, iniciativa do então ministro da Justiça Sergio Moro e de juristas comandados pelo ministro do STF Alexandre de Moraes, não previa essa revisão das prisões preventivas. O trecho foi adicionado durante a tramitação no Congresso.
“O artigo que foi invocado para soltura da liderança do PCC não estava no texto original do projeto de lei anticrime e eu, como MJSP [ministro da Justiça], me opus a sua inserção por temer solturas automáticas de presos perigosos por mero decurso de tempo”, afirmou Sergio Moro em nota neste domingo.
A emenda, que é de autoria do deputado Lafayette de Andrada (Republicanos-MG), foi acrescentada no grupo de trabalho que analisou o pacote anticrime do Moro e o pacote de medidas de Moraes. A aprovação ocorreu na reunião do dia 30 de outubro de 2019. Posteriormente, Lafayette foi relator do pacote anticrime no Plenário da Câmara.
Em conversa com a GloboNews, o próprio deputado disse discordar da soltura de André do Rap . “A periculosidade é um dos casos que justifica a manutenção da prisão preventiva. Não vejo razão para soltá-lo”, declarou Andrada.
Em parecer assinado pela área jurídica do Ministério da Justiça, em dezembro de 2019, a pasta pediu o veto do parágrafo único do artigo 316 também do Código de Processo Penal.
Em dezembro do ano passado, o presidente Bolsonaro sancionou o conjunto de medidas de combate ao crime, duas semanas depois de o Congresso ter provado o chamado pacote anticrime, e vetou 25 itens do texto, mas manteve as mudanças introduzidas pelo artigo 316.
Tensão e ‘blocos’ no STF
O embate entre os ministros em torno da soltura de André do Rap, levou especialistas nos trâmites do Supremo Tribunal Federal a vislumbrarem a formação de uma espécie de bloco interno na Corte para tentar controlar o poder do novo presidente.
A expectativa é de que Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski e o próprio Marco Aurélio atuem em contraponto ao papel de “juiz de revisão das decisões dos colegas” que Fux adotou desde sua pose no comando do STF.
Para além das discussões em torno do mérito ou não da soltura, a leitura na comunidade jurídica é de que a decisão de Luiz Fux expôs Marco Aurélio ao escrutínio das redes sociais e da opinião pública.
Com informações do G1 e Estadão