A guerra declarada entre o ministro da Economia, Paulo Guedes, e do Desenvolvimento Social, Rogério Marinho, em torno da forma de financiamento do programa Renda Cidadã esquentou a temperatura política em Brasília e evidenciou um racha no governo Jair Bolsonaro.
A divisão entre as alas fiscalista – representada por Guedes e o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto — e a desenvolvimentista —, liderada por Marinho, ministros militares e líderes do Centrão – gira em torno do teto de gastos, a regra que impede o crescimento das despesas acima da inflação.
Nessa disputa, Marinho é o “inaugurador” de obra e próximo ao presidente Bolsonaro. Guedes é taxado como “cortador” de despesas, incluindo benefícios, e defensor do teto.
Divergências
A ala desenvolvimentista, como mostrou o Estadão, quer colocar de pé o Renda Cidadã excluindo o programa do limite do teto de gastos, mesmo que temporariamente. A iniciativa abriria espaço para investimentos públicos, já que as despesas com o Bolsa Família também poderiam ficar de fora do teto.
Com os efeitos da pandemia ainda esperados para 2021, o argumento desse grupo é que será preciso continuar com medidas de estímulo para auxiliar a população mais vulnerável e os investimentos públicos, garantindo a retomada econômica.
Na sexta-feira, depois que Marinho, em conversa com investidores do mercado, disse que o programa seria feito de qualquer jeito, Guedes reagiu e cobrou da ala política “coragem” para fazer o ajuste.
Para os fiscalistas do governo, a mudança do teto vai trazer instabilidade e colocar o País em uma trajetória explosiva de dívida pública, com recessão e fuga de investidores.
Expectativa
A expectativa agora é de mais ajustes de alta nas taxas de juros cobradas pelos investidores com as incertezas em torno do Renda Cidadã, ao longo da próxima semana. Marinho e lideranças do governo no Congresso têm estreitado as conversas com o mercado financeiro, mas sem conseguir acalmar o nervosismo em torno do risco fiscal.
Na avaliação do ex-secretário adjunto de Política Econômica e atual diretor de Estratégias Públicas do Grupo MAG, Arnaldo Lima, o ideal é que Guedes e Marinho possam convergir na agenda de reformas, o que traria mais calma para o mercado financeiro.
Ele lembra que Marinho foi um dos principais responsáveis pela aprovação da modernização trabalhista e previdenciária. “Chegou a hora da política econômica voltar a se sobrepor à economia política e tanto Guedes quanto Marinho são cruciais para esse reposicionamento estratégico”, diz.
Comparação
A briga entre Guedes e Marinho já é comparada ao episódio do envio do primeiro orçamento com déficit pelo governo Dilma Rousseff.
Em 2015, a disputa dos dois principais ministros de Dilma, Joaquim Levy, na Fazenda, e Nelson Barbosa, no Planejamento, em torno do envio ao Congresso do projeto de Orçamento de 2016 com a previsão de déficit de R$ 30,5 bilhões (foi a primeira vez que isso aconteceu) dividiu o governo entre as alas fiscalista e desenvolvimentista. O Brasil perdeu o grau de investimento, o selo de bom pagador, pela agência Standard & Poor’s dias depois.
A divergência de rumo da política econômica acabou levando mais tarde à troca de comando da equipe econômica. Levy aceitou enviar o orçamento com déficit, mas deixou o ministério da Fazenda poucos meses depois, em dezembro do mesmo ano, após uma sequência de derrotas para Barbosa e os ministros palacianos na tentativa de garantir um ajuste fiscal mais rápido a partir de 2016.
Barbosa defendia um ajuste gradual para não comprometer o crescimento e os investimentos.
Com informações do Estadão