
Um editorial publicado na noite da última terça-feira (31) pelo jornal britânico The Guardian teceu críticas contundentes ao comportamento do presidente Jair Bolsonaro diante da crise provocada pela chegada do coronavírus ao país.
Com o título “The Guardian view on Jair Bolsonaro: a danger to Brazilians” ou “A visão do Guardian sobre Jair Bolsonaro: um perigo para os brasileiros”, o texto cita que, enquanto muitos brasileiros encontram-se isolados em suas casas e até traficantes fechavam entradas de favelas para conter a transmissão pelo vírus, um homem, contrariando as rígidas quarentenas definidas por governadores dos estados e de seu próprio ministério da Saúde, desrespeitando as restrições de isolamento social após ter ido a mercado local no último domingo (29).
Vídeos seus, que feriam as orientações de isolamento social e que recomendavam o uso de remédios ainda não comprovados contra a doença foram deletados pelo Facebook e Twitter. E aponta que apenas um homem, normalmente, não causaria tanto mal. O jornal afirma que este cidadão, infelizmente, é o presidente da República.
Ataques
Definindo a ascensão de Bolsonaro à presidência como “assustadora”, o Guardian afirma que o mandatário chegou ao poder, no ano passado, fazendo ataques aos direitos humanos, às minorias, artes e à destruição da Amazônia, e que sua atuação tem sido “vergonhosa”.
Referindo-se aos demais países que enfrentam a pandemia, o jornal indica que, em resposta ao coronavírus, muitos governos terão que responder por seus erros e complacência quando a pandemia finalmente acabar, mas que o desempenho do presidente brasileiro deverá ser um caso à parte.
Gripezinha
Fazendo referências às repetidas vezes em que o presidente minimizou a gravidade do coronavírus, o britânico aponta que Bolsonaro chegou a afirmar que o coronavírus não passava de uma “gripezinha” ou “resfriadinho” e ainda chegou a tratar como um mentira criada pela imprensa. Quando finalmente reconheceu o potencial do vírus, ele disse às pessoas para “encararem isso como homens, não crianças. Todos nós vamos morrer um dia” e pediu que o país “voltasse ao normal “, “como se isso fosse possível”.
Ainda tecendo críticas ao passeio do último domingo (29), disse que Jair Bolsonaro foi “duplamente irresponsável”. Em razão das mensagens que o mandatário enviou à população, mas também pelo contato que presidente manteve com pessoas infectadas pela Covid-19 nas últimas semanas.
O Editorial chega a citar o fato da Fox News ter noticiado que Jair Bolsonaro havia testado positivo para o coronavírus, confirmação que havia sido dada pelo próprio filho do presidente, mas que este veio a negar o resultado mais tarde.
Governadores
Recordando a troca de farpas entre Bolsonaro e João Dória (PSDB), o artigo cita que o governador de São Paulo, “o estado mais populoso e economicamente poderoso do Brasil”, recomendou que a população não seguisse as orientações do presidente e que o próprio ministro da Saúde de Bolsonaro alertou, publicamente, que teria que contradizê-lo, mas parece ter recuado, ao ser ameaçado de perder o cargo.
O texto alerta ainda para o fato do Brasil ser um país com 210 milhões de pessoas e afirma que o imprudente passeio de Bolsonaro poderia ter representado centenas ou milhares de mortes. E foi mais longe, apontando o risco potencial imposto aos povos indígenas, “pelos quais o desprezo de Bolsonaro é bem conhecido e particularmente grave.
Em alerta, o jornal diz que, “por mais errático que Bolsonaro seja”, sua atual postura se deve a cálculos políticos.
Em análise, o Guardian aposta que, atacando as restrições agora, enquanto a economia ainda avançava, Bolsonaro poderia culpar as terríveis decisões tomadas por outros e que alguns observadores também suspeitam que o presidente vê a pandemia como uma maneira de agitar sua base, que sempre prosperou diante de confrontos e do caos.
Isolamento
O Guardian lembra, ainda, que o presidente já acusou os governadores de serem “exterminadores de empregos”, mas afirma que até os ex-aliados estão “finalmente” se recusando a agir. “Ronaldo Caiado, governador de direita de Goiás, cortou relações com o presidente na semana passada, descrevendo seu comportamento como ‘terrível’”. O governador de Santa Catarina, onde o bolsonarismo tem grande força, declarou-se “perplexo” diante da postura do presidente, citou o texto.
Por fim, o editorial aponta que “há relatos de ruptura inclusive nas forças armadas” e que Bolsonaro pode não acreditar no isolamento físico, mas está se sendo muito bem-sucedido na tarefa de se isolar politicamente.