Republicanos e democratas repudiaram nessa quinta-feira (24) a insinuação feita pelo presidente americano, Donald Trump, de que poderia não aceitar uma derrota nas eleições de novembro, caso não vencesse a disputa pela presidência travada com Joe Biden. Congressistas das duas vertentes políticas recordaram o líder republicano de que ele “não está na Coreia do Norte”.
A mensagem, em tom de advertência, ocorreu um dia depois de Trump se negar a garantir claramente uma transferência pacífica do poder em caso de derrota.
O FBI rejeitou implicitamente a fala de Trump de que estava sendo preparada uma fraude em massa com o aumento das cédulas eleitorais enviadas pelo correio e alertou para o risco de desinformação sobre o tema.
“Vamos ver o que vai acontecer”
Trump provocou indignação na última quarta, ao sugerir que poderia não respeitar o resultado das eleições ou não considerar as cédulas enviadas pelo correio como legítimas.
“Vamos ver o que vai acontecer”, disse Trump, em resposta ao repórter Brian Karem, que questionou se o presidente estava comprometido a garantir uma transferência pacífica do poder, independentemente do resultado. “Você sabe que venho reclamando em termos muito fortes sobre as cédulas, e elas são um desastre.”
Karem repetiu a pergunta. “Entendo, mas há revoltas nas ruas. O senhor se compromete a garantir que haverá uma transferência pacífica de poder?”
Trump, mais uma vez, recusou-se a responder sim ou não. “Livre-se das cédulas, e você terá uma muito pacífica – bem, não haverá transferência, na verdade. Haverá continuidade. Não há controle sobre as cédulas. Você sabe disso. E você sabe quem sabe isso melhor do que ninguém. Os democratas sabem isso melhor que ninguém.”
Em entrevista a uma rádio, Trump reiterou sua afirmação de que não se pode confiar nas cédulas enviadas pelo correio.
Reações
Pressionada pelos comentários de Trump, a porta-voz da Casa Branca, Kayleigh McEnany, afirmou: “O presidente aceitará o resultado de eleições livres e justas.”
O candidato democrata, Joe Biden, mostrou-se incrédulo ao ouvir as declarações de Trump. “Em que país nós estamos?”, questionou.
Karem, mais tarde, comentou nas redes sociais que as declarações de Trump foram a resposta mais assustadora que ele já recebeu a uma pergunta. “Eu entrevistei assassinos condenados que tinham mais empatia. Trump está apoiando uma guerra civil”, afirmou.
O líder democrata no Senado, Chuck Schumer, criticou o presidente e disse ver a democracia em perigo. “Presidente Trump: o senhor não é um ditador, e os EUA não permitirão que venha a ser”, escreveu no Twitter.
O líder da maioria republicana no Senado, Mitch McConnell, assegurou aos eleitores que o vencedor das eleições de 3 de novembro assumirá o cargo em janeiro, como previsto, e lançou uma advertência. “O vencedor das eleições de 3 de novembro tomará posse em 20 de janeiro. Haverá uma transição ordenada, como a cada quatro anos desde 1792.”
Outros políticos foram mais duros. “Fundamental para a democracia é a transição pacífica do poder. Sem isso, é Belarus”, tuitou o senador republicano Mitt Romney.
Nancy Pelosi, presidente da Câmara dos Representantes e líder democrata no Congresso, disse que é preciso lembrar a Trump em que país ele vive. “Não está na Coreia do Norte, não está na Turquia, não está na Rússia, senhor presidente.”
O senador Bernie Sanders, que Trump considera o expoente da extrema esquerda e quem costuma se referir como ‘antiamericano’, criticou o presidente por ter “pouco respeito” pela Constituição. Em suas redes, ele afirmou que o pleito deste ano será uma disputa entre Trump e a democracia. “O que está dizendo é que, se vencer as eleições, será genial. Mas se perder, foi manipulado. Porque a única forma de perder, é se tiver sido manipulado.”
A União Americana pelas Liberdades Civis também criticou as declarações. “A transferência pacífica de poder é essencial para uma democracia funcional. Essa declaração do presidente dos Estados Unidos deveria perturbar todos os americanos”, afirmou a organização, que tem por missão “defender e preservar os direitos e liberdades individuais garantidas a cada pessoa neste país pela Constituição e leis dos Estados Unidos”.
Voto pelo correio
Durante a campanha, Trump tem feito repetidas acusações que os democratas poderiam manipular as eleições, aproveitando-se de um aumento da votação pelo correio, em razão da pandemia. Funcionários eleitorais temem que não haja um vencedor claro no dia seguinte à votação, já que milhões de cédulas enviadas pelo correio demoram a chegar às seções eleitorais locais.
Trump, que costuma votar pelo correio, tenta diferenciar entre os estados que enviam cédulas eleitorais para todos os eleitores e aqueles que enviam apenas a quem requisitou, como, por exemplo, a Flórida.
Ele defende que o envio indiscriminado levará a uma ampla fraude na eleição, sem apresentar evidências para isso. Os cinco estados que adotam essa prática não costumam registrar fraudes significativas.
As declarações do presidente sobre uma eventual fraude ocorrem no mesmo momento em que ele pretende nomear uma substituta para a juíza liberal Ruth Bader Ginsburg, que morreu na sexta-feira passada. Ele prometeu uma nomeação até este sábado, enquanto os democratas defendem que a indicação só deveria ocorrer após a eleição.
A indicação precisa ser confirmada pelo Senado, onde os republicanos têm maioria. Se a indicação de Trump for confirmada, haverá uma ampla tendência conservadora na corte, que tem nove juízes. Isso poderia também favorecer os republicanos caso a eleição presidencial venha a ser contestada.
Trump diz que eleição “irá parar na Suprema Corte”
Na quarta-feira, Trump ainda disse acreditar que a eleição “irá parar na Suprema Corte”.
O FBI e os serviços de inteligência advertiram que pessoas dentro e fora do país poderiam se aproveitar deste período para divulgar notícias falsas sobre fraude, gerando dúvidas sobre o processo eleitoral. O diretor do FBI, Chris Wray, no entanto, disse hoje em audiência no Senado que não foi observado nenhum esforço coordenado para manipular o resultado das eleições, “seja pelo correio ou de outra forma”.
Republicanos e democratas sabem que a apuração de votos locais e estaduais pode ser impugnada nos tribunais, possivelmente em muitos casos, e que estas disputas podem acabar na Suprema Corte, que decidiu as eleições de novembro de 2000 em favor do candidato republicano, George W. Bush.
Com informações da Deutsche Welle Brasil e AFP