por redação G1 em 03/01/2019.
O grande desafio do urbanismo contemporâneo é sugerir novas configurações e usos dos espaços públicos, melhorando a experiência cotidiana da população.
Hoje, 50% das pessoas vivem nas cidades e a estimativa é que 80% da população mundial esteja vivendo nos centros urbanos, a maior parte, nas metrópoles, até 2050. Isso significa em torno de sete bilhões de pessoas dividindo condomínios, ruas, praças, centros comerciais e outros espaços urbanos. Possivelmente, se não houver uma mudança na forma de ocupação e exploração das cidades, a vida nesses ambientes ficará insustentável e suscetível a crises energéticas, hídricas e de combustíveis fósseis. Segundo projeção do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), em 2050, 60% da população brasileira será adulta (terá em torno de 30 anos), e isso significa que a demanda por moradias aumentará substancialmente.
Absorver o crescimento populacional, provocando o menor impacto ambiental possível, e criar moradias, espaços privados e públicos que permitam e incentivem o convívio humano e as relações interpessoais é o grande desafio do Urbanismo Sustentável. Joan Clos, ex-diretor da ONU-Habitat (Programa das Nações Unidas para os Assentamentos Humanos) relata no site da instituição que “os espaços públicos adequados melhoram a coesão da comunidade e promovem a saúde, a felicidade e o bem-estar para todos os cidadãos, bem como incentiva o investimento, o desenvolvimento econômico e a sustentabilidade do meio ambiente.”.
Espaços pensados para beneficiar as pessoas sem impactar o meio ambiente
Os ideais do Urbanismo Sustentável surgiram da urgência de minimizar os impactos ambientais causado pela superpopulação e o crescimento desenfreado das cidades. Referência mundial em Urbanismo Sustentável, o arquiteto e urbanista dinamarquês, Jan Gehl, é entusiasta dos espaços people friendly, ou seja, lugares pensados pelas pessoas e para as pessoas. Em The Human Scale (A Escalada Humana), de Andreas Møl Dalsgaard (2012, Movieclips Indie), documentário sobre a obra de Gehl, o arquiteto defende que o maior desafio atualmente é tornar cidades habitáveis, saudáveis, seguras e sustentáveis.
Trailer oficial de The Human Scale.
Gehl cunhou o termo “arquitetura barata para gasolina”, hoje utilizado por diversos urbanistas sustentáveis em todo o mundo. Nesse novo urbanismo, voltado para as pessoas e para o ambiente, a primeira regra é acabar com a arquitetura barata para gasolina, impulsionada pela acessibilidade do combustível fóssil: com a facilidade de se deslocar de carro para os grandes centros, as periferias cresceram desordenadamente. Além de isolar os indivíduos e torná-los mais sedentários, essa dependência dos automóveis é uma das razões da poluição atmosférica.
Outros pontos determinantes do Urbanismo Sustentável são:
- Pautar o desenho urbano pela vida pública, propondo que as pessoas caminhem mais, saiam dos espaços privados e passem mais tempo em espaços públicos;
- Diversificar o uso dos espaços é uma forma de incentivar a ocupação, que, por sua vez, torna esses espaços mais seguros, já que a simples presença das pessoas desencoraja a criminalidade;
- Criar espaços que permitam experiências multissensoriais. Para isso, é preciso adequar as construções às pessoas, evitando as megaobras que desconsideram a escala humana e desestimulam o contato e a experiência;
- Valorizar o transporte público e o transporte compartilhado, oferecendo alternativas baratas e eficientes, como aluguel de bicicleta para quem precisa se deslocar dentro desse perímetro e evitando a circulação de automóveis nos centros;
- Fortalecer a economia e a identidade local, incentivando a criação e o acesso a pequenos comércios, e criando locais próprios para a realização de eventos artísticos e culturais;
- Cuidado e manutenção de áreas verdes, que ajudam a humanizar as cidades, permitindo a realização de atividades ao ar livre, diminuindo o estresse e contribuindo para o bem-estar da população.
Urbanismo sustentável já é uma realidade: veja atitudes people friendly que mudam o dia a dia ao redor do mundo
Projeto Frida, Quito (Equador)
O Projeto Frida foi criado para conscientizar sobre a importância da redução do uso de carros. Atualmente, apenas 26% dos moradores de Quito utilizam automóvel particular regularmente. Para repensar o uso dos espaços pelas pessoas, os participantes do Frida reutilizam madeira para construir “carros” com bancos dispostos como se fossem uma pequena praça, e colocam esses “carros” em vagas antes usadas como estacionamento. A ideia é devolver às pessoas os espaços ocupados pelos carros.
Projeto Kopfkino, Istambul (Turquia)
Com a proposta de ampliar a experiência interpessoal e o modo como as pessoas percebem as construções e os espaço, o Projeto Kopfkino projeta rostos aleatórios em fachadas de prédios, construções históricas, pontes, viadutos e túneis, convidando as pessoas a tirarem os olhos de celulares e tablets e olharem ao redor.

Urbanismo tático em escola, Chengdu (China)
Trata-se de uma ação pontual de urbanismo voltado para a população que serve de referência mundial quando o assunto é espaço pensado para aumentar o bem-estar das pessoas. Em 2008, um terremoto destruiu a Escola Primária de Hualin, em Chengdu. Para que as crianças não perdessem as aulas nem fossem obrigadas a estudar em um ambiente hostil, 120 voluntários chineses e japoneses construíram salas de aula com papel reutilizável e projetaram imagens de sala de aula nesse papel, criando ambientes virtuais que favoreciam a permanência das crianças.
Revitalização de Mission Bay, São Francisco (Estados Unidos)
A revitalização urbana de Mission Bay, em São Francisco, na Califórnia, teve início em 1998 e, em 20 anos, fez com que o bairro se tornasse referência em urbanismo nos EUA, além de um importante centro nacional de biotecnologia. O projeto para transformar a área, anteriormente violenta e degradada, contempla 6 mil condomínios (dos quais 1700, são de moradias com preços acessíveis). Uma nova escola pública, postos de bombeiros e policiais, a primeira filial da Biblioteca Pública de São Francisco, mais de 20 mil m² de espaço público aberto, um hotel, meio milhão de m² de área para comércio local e mais de seis milhões m² de espaço comercial e de biotecnologia.
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Projeto de revitalização de Mission Bay, Califórnia, é exemplo de espaços públicos voltados para o uso da população — Foto: World Architecture/Divulgação.