
O Brasil chegou a uma das taxas mais baixas de vacinação contra doenças graves dos últimos 20 anos, em 2020. Apesar de hoje o país ter 73,6% da população com esquema de vacinação completo para a covid-19, registrou média de cobertura contra as demais doenças de 60,8% da população. Quem fica mais exposto a essas enfermidades são crianças e adolescentes.
Em 2015, o país atingiu sua melhor marca: 95,1% das pessoas estavam imunizadas dentro do público-alvo de cada vacina do Programa Nacional de Imunizações (PNI).
A partir de 2018, no entanto, o percentual começou a registrar queda. Mas foi a partir da pandemia que a baixa proteção contra outras doenças passou a ser fator real de preocupação de especialistas.
Os dados foram levantados pela pesquisadora de políticas públicas Marina Bozzetto, da Universidade de São Paulo (USP), a pedido do O Globo. Ela usou como base os próprios dados do Ministério da Saúde.
O sarampo voltou a circular no país e a poliomielite, a paralisia infantil, considerada erradicada do país há 27 anos, tem ligado sinal de alerta por conta da queda na cobertura vacinal.
Justamente as doenças que as pessoas têm deixado de se proteger.
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Vacinação contra doenças graves em queda
De acordo com o levantamento, os três imunizantes que tiveram menor cobertura em 2021 foram as vacinas de paralisia infantil, com 52,% de cobertura, a segunda dose de tríplice viral, que protege contra sarampo, caxumba e rubéola, caiu para 50,1%, e a tetra viral, que além das enfermidades da tríplice viral, também protege contra varicela, ou catapora, com 5,7%.
Para se ter uma ideia, em 2012, a cobertura contra a pólio chegou a 96,2%.
No caso da BCG, contra a tuberculose, somente 44% dos municípios atingiram níveis considerados adequados de proteção, em 2020.
“Temos níveis preocupantes para todas as vacinas do calendário. Já havia uma queda antes da pandemia, que agora se acentuou”, afirmou ao O Globo o pediatra Renato Kfouri, da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm).
Para o infectologista Julio Croda, pesquisador da Fiocruz e professor da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS), é preciso resgatar essas pessoas.
“Já fomos modelo para o mundo, e veja, até o sarampo retornou. É muito importante intensificar a comunicação e resgatar as pessoas que não foram vacinadas”, afirma.
Diferenças na vacinação entre os municípios
O levantamento mostrou ainda que a variação nos níveis de imunização entre os municípios é imensa.
Enquanto a média de cobertura no país ficou em 60,8%, nos 10 municípios com menor taxa a média de imunização completa da população ficou em apenas 7,5%.
E o problema ocorre em todas o país, como em Rio Bonito, Trajano de Moraes e Belford Roxo, no Rio de Janeiro; Crisólita, em Minas Gerais; Murici dos Portelas, no Piauí; Curuá, no Pará; Jucuruçu, na Bahia; Capão da Canoa, Taquara e Santiago, no Rio Grande do Sul.
O presidente do Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems), Wilames Freire, avalia que a pandemia foi um dos principais fatores.
“O primeiro foi a pandemia, que afastou a população de buscar as vacinas de rotina nos postos de saúde. Depois, os municípios ficaram focados em vacinar contra a Covid e não se voltaram às demais vacinas do calendário. E ainda temos muitos municípios que até conseguiram vacinar contra outras doenças, mas não conseguiram inserir os dados no sistema de saúde por falta de recursos humanos para isso ou de inoperância do próprio sistema”, afirma.
O problema das fake news
Somado a isso, fakes news e campanhas de desinformação, que não raro partem do próprio governo federal, tem atrapalhado a proteção da população.
“É uma luta que precisamos travar. As pessoas estão sendo bombardeadas com fake news sobre vacinas nos grupos da família, do trabalho, da escola, o que gera insegurança”, afirma Maicon Lemos, secretário de saúde do munícipio de Canoas (RS) e 1º vice-presidente da Região Sul do Conasems.
Ele lembra que o fim do isolamento social e da obrigatoriedade de uso de máscaras combinado à baixa cobertura vacinal em várias cidades pode levar também ao ressurgimento de doenças.
“Se o Brasil perder o controle, veremos muitas doenças preveníveis por vacinas ressurgirem em 2023. A única forma de combater é fazer campanha com a informação correta, o que não tem sido feito”, ressaltou ao jornal.