A série de webinars “Novos Estudos para decifrar o Brasil contemporâneo”, organizada pelo Instituto Ciência na Rua, apresentou, nesta quinta-feira (18), o debate sobre “COP26: o futuro do planeta e os desafios do Brasil”.
Entre os convidados estavam os professores da Universidade de São Paulo (USP) Celso Lafer, ex-ministro das Relações Exteriores (1992 e 2001-2002), nessa condição, vice-presidente da primeira COP, a Rio 92; e Paulo Artaxo, autor-líder do capítulo 6 do Relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas da ONU (IPCC), documento central, divulgado em agosto, para as discussões em novembro da COP26 em Glasgow.
Também participou do debate como comentarista o jornalista e professor Carlos Eduardo Lins da Silva que dividiu com Mariluce Moura, diretora do Instituto Ciência na Rua, a condução do webinar
O papel da ciência nas discussões climáticas
O ex-ministro Celso Lafer iniciou a discussão falando sobre o papel da ciência e do conhecimento no que se refere aos direitos do Meio Ambiente. Para ele, ambos são fonte para que se apontem os danos e as possíveis soluções para saná-los.
“O conhecimento é uma fonte material fundamental do direito do meio ambiente e é uma expressão do papel da ciência na diplomacia e nas políticas públicas. Isso já vem como uma percepção clara desde da Conferência de Estocolmo, de 1992”, disse.
Segundo ele, foi graças aos frutos do conhecimento que o tema meio ambiente entrou na pauta internacional pela sua dimensão e abrangência e pela porosidade das fronteiras.
“O ponto fundamental foi a criação do IPCC, pela ONU, e a organização meteorológica mundial também foi decisiva para quem em 1992, no Rio, se fizesse a convenção do clima. O texto do documento de Glasgow fala no tema da ciência e da urgência em se tomar atitudes rápidas”, afirmou.
Ainda de acordo com Lafer, a avaliação feita pelo IPCC, no seu relatório que foi examinado em Glasgow, teve papel importante na comprovação do investimento na ciência e tecnologia para traçarmos as dimensões das mudanças climáticas e seus efeitos.
“Meio ambiente e mudança climática não são temas que se circunscrevem às negociações intergovernamentais, elas suscitam e mobilizam a sociedade civil, seus atores, suas organizações não governamentais, experiência que ficou muito clara por conta daquilo que foi a Rio 92 e o Fórum Global”, afirmou.
Presença da sociedade civil
Celso Lafer disse ainda que a presença e o papel da sociedade se tornaram mais complexas e relevantes e Glasgow pode ser mencionado como um exemplo dessa participação. Ele citou um fato, que na sua visão, é bastante novo como a diplomacia subnacional dos governadores, que passaram a atuar de forma mais direta nos assuntos envolvendo o meio ambiente.
“Vimos durante a COP26 a participação muito intensa da sociedade civil, da população indígena e do setor privado. Eu penso que essa participação abrangente da sociedade amainou o isolamento internacional do Brasil e também contribuiu para dar um espaço para uma ação diplomática dos qualificados quadros do Itamaraty”, completou.
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COP26 vai além da questão climática
Paulo Artaxo foi o segundo a falar e salientou que as discussões climáticas envolvem, sobretudo, o debate sobre nosso atual modelo de desenvolvimento socioeconômico.
“Isto ficou muito claro na COP26. A participação das organizações sociais do setor empresarial tomou uma dimensão maior do que das cops anteriores. Que modelo de desenvolvimento nós queremos implantar no país e no planeta?”, questionou.
Ele lembrou que a primeira conferência sobre o assunto, a de Estocolmo, vai fazer 50 anos.
“São 50 anos que a humanidade tenta discutir o caminho de desenvolvimento”, continuou.
Paulo reforçou que, um pouco antes da COP26, a ONU divulgou uma resolução reconhecendo que ter um meio ambiente seguro , limpo e saudável é um direito humano e que as mudanças climáticas já estão afetando todas as regiões da terra.
“As mudanças que estão ocorrendo hoje não tem registros na história climática do planeta. O aquecimento que a gente está observando hoje é provocado pelas emissões antropogênicas, que precisam parar o quanto antes”, disse.
O clima no futuro
Segundo Artaxo, é preciso observar a relação causal entre as atividades humanas e as alterações na temperatura e precipitação.
“Emissões dos gases de efeito estufa estão nas nossas atividades socioeconômicas e estão alterando a composição da atmosfera, que por seu lado altera o balanço de energia que mantém a vida no nosso planeta. Isto causa aquecimento global, que por seu lado causa alteração na chuva, na circulação atmosférica, nos fenômenos climáticos externos, então há uma relação causal direta entre as atividades humanas e os impactos dos sistemas climáticos” explicou.
Mudanças climáticas no Brasil
Durante o webinar, Paulo Artaxo mostrou vários cenários possíveis e um deles mostrava no cenário do clima brasileiro caso a temperatura da terra aumentasse 4ºC. Neste caso, o Brasil teria um aumento de temperatura da ordem de 5 ou 5,5ºC na maior parte do território nacional , mas principalmente no Centro-Oeste e Nordeste brasileiro.
“Esse aquecimento traz impactos socioeconômicos enormes, um deles é na nossa capacidade de produzir alimentos que dependem essencialmente da chuva. O Brasil, num futuro bem próximo, se tornará uma região muito mais seca do que ela é hoje” alertou.
Meio ambiente no jornalismo brasileiro
O professor Carlos Lins avaliou a abordagem do tema meio ambiente pela imprensa internacional e pela brasileira e falou sobre a importância do tom desta cobertura. Na sua opinião, a cobertura da COP26 foi boa e mostrou bem a frustração pela falta de compromissos mais sólidos no que se refere às mudanças no clima.
“É preciso que os veículos de imprensa coloquem o tema meio ambiente em várias editorias e não só nas de economia e ciência. alguns especialistas criticaram a falta de um senso de urgência nas manchetes e a ausência de tom mais firme”, concluiu.
Confira a live na íntegra: