
Descaso, abandono e vendas do patrimônio da cultura nacional. O anúncio da venda do Palácio Capanema, no Rio de Janeiro, no “feirão de imóveis” anunciado pelo governo federal para o fim de agosto, é mais um absurdo dos inúmeros realizados diuturnamente por Jair Bolsonaro (sem partido).
A União investiu R$ 100 milhões, nos últimos sete anos, restaurar o Palácio, considerado um marco na arquitetura moderna e um patrimônio da cultura nacional. Arquitetos, artistas e ex-ministros da Cultura condenaram em uníssono mais essa ação neoliberal do atual governo. As informações são de Bernardo Mello Franco, do jornal O Globo.
A sede do antigo Ministério da Educação e Saúde nasceu do traço do franco-suíço Le Corbusier, que visitou o país em 1936. O croqui reunia os principais elementos de sua arquitetura: construção sobre pilotis, terraço-jardim, janelas em fita.
O projeto foi desenvolvido por uma equipe liderada por Oscar Niemeyer. Os azulejos de Candido Portinari, as esculturas de Bruno Giorgi e os jardins de Burle Marx transformariam o edifício num museu a céu aberto, inaugurado por Getúlio Vargas em 1945.
Hoje o edifício de 16 andares abriga uma biblioteca pública, uma sala de espetáculos, parte do acervo da Biblioteca Nacional e as superintendências de órgãos culturais.
‘É como se Roma vendesse o Coliseu’
“Quando me disseram que o palácio seria vendido, pensei que fosse piada. É como se Roma resolvesse vender o Coliseu”, compara o arquiteto e antropólogo Lauro Cavalcanti, diretor da Casa Roberto Marinho.
A notícia do leilão, publicada pelo Valor Econômico, também provocou calafrios no poeta Armando Freitas Filho. O autor de “3×4” bateu ponto no Capanema por mais de duas décadas. Dividiu seus elevadores com Carlos Drummond de Andrade, Lucio Costa e Ferreira Gullar.
“É mais um crime dessa gente que tomou conta do Brasil. Minha vontade é responder com palavrões. Talvez eles só entendam assim”, desabafa o poeta.
O Ministério da Economia incluiu o Capanema numa lista de 2.263 imóveis a serem vendidos no Rio. “Vamos convidar incorporadoras, fundos imobiliários e investidores em geral”, animou-se o secretário especial de Desestatização, Diego Mac Cord.
“Este governo é incapaz de compreender a importância histórica e arquitetônica de um edifício. No universo deles, tudo é dinheiro e mercadoria”
Juca Ferreira
Juca Ferreira foi ministro da Cultura nos governos Lula e Dilma.
‘Governo demolidor da cultura’
“Só um governo demolidor da cultura poderia ter uma ideia assim”, concorda Marcelo Calero, que comandou o ministério na gestão Temer. O deputado estuda medidas judiciais para barrar o negócio. Um decreto-lei de 1937, ano em que o palácio foi erguido, impede a alienação de imóveis tombados que pertençam à União.
Para Lauro Cavalcanti, o leilão do Capanema agravaria o esvaziamento do Rio, iniciado com a transferência da capital para Brasília.
“O prédio é uma atração turística internacional. Não se trata de nostalgia, e sim de valorizar o que a cidade tem de melhor”
Lauro Cavalcanti
Ele define a possível venda como uma “estupidez cultural”, que ilustra “o descalabro que estamos vivendo no Brasil”.
No dia em que tomou posse, Jair Bolsonaro extinguiu o Ministério da Cultura. Foi o ato inaugural de uma série de boicotes ao setor. O governo perseguiu artistas, asfixiou a produção de filmes e abandonou órgãos como a Cinemateca Brasileira. Vender o Capanema num “feirão de imóveis” seria o símbolo final do desmonte.
Em Brasília, mais desmonte
Em Brasília, a Rodoferroviária também entrou na liquidação do apagamento para além das chegadas e partidas.
Planejada por Lúcio Costa inicialmente em 1956 como estação ferroviária da Estrada de Ferro Goiás no lugar do antigo Aeroporto de Vera Cruz, acabou por ser inaugurada em 1976. Devido a baixa utilização por passageiros, foi reinaugurada em 1981 como rodoviária interestadual, quando ganhou o nome de Rodoferroviária de Brasília.
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A obra de Oscar Niemeyer, possui peças artísticas como as paredes com azulejos e o estonteante teto do segundo pavimento, formado por milhares de folhas de metal cuja volumetria cria jogos de luz e sombra, ambos criados por Athos Bulcão. O prédio infelizmente não foi tombado há tempo, embora tenham ocorrido tentativas anteriores em outros tempos de Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).
Com informações do O Globo, G1 e Acha Brasília