No dia 1º abril de 1970, sob a vigência do Ato Institucional nº 5, dez pesquisadores do Instituto Oswaldo Cruz – embrião da Fiocruz – foram cassados pela ditadura militar e aposentados compulsoriamente
A história do Brasil com a ciência é recente, alguns dizem que começa oficialmente com o CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), criado em 1951 para incentivar nosso progresso na área. Outros dizem que começou com o surgimento das universidades federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e estadual de São Paulo (USP), fundadas em 1920 e 1934. Mas o que temos certeza é que a ciência brasileira teve um grande entrave histórico durante a ditadura militar.
Há 50 anos, no dia 1º abril de 1970, sob a vigência do Ato Institucional nº 5, dez pesquisadores do Instituto Oswaldo Cruz, que depois se tornaria a Fiocruz, foram cassados pela ditadura militar e tiveram seus direitos políticos suspensos, causando perdas incalculáveis para o país.
Conhecido como “Massacre de Manguinhos”, os cientistas, sob a acusação de serem “corruptos”, “subversivos” e “conspiradores”, foram aposentados compulsoriamente e impedidos de trabalhar em qualquer instituição pública do país.
Os “cientistas subversivos”
Ao todo, faziam parte da lista publicada no Diário Oficial os pesquisadores: Sebastião José de Oliveira (1918-2005), Herman Lent (1911-2004), Moacyr Vaz de Andrade (1920-2001), Augusto Perissé (1917-2008), Domingos Arthur Machado Filho (1914-1990), Fernando Braga Ubatuba (1917-2003), Haity Moussatché (1910-1998), Hugo de Souza Lopes (1909-1991), Masao Goto (1919-1986) e Tito Arcoverde de Albuquerque Cavalcanti (1905-1990).
Todos com mais de 30 anos de carreira, reconhecidos internacionalmente por sua produção científica e coordenando equipes de jovens pesquisadores em seus laboratórios.
Mesmo assim, tiveram que retirar seus pertences às pressas e, a partir do dia seguinte, foram proibidos de colocar os pés na instituição. Seus laboratórios foram fechados, suas pesquisas interrompidas e suas equipes, desfeitas.
A perseguição
Antes de serem cassados, entre 1964 e 1966, os cientistas responderam a três inquéritos: civil, militar e administrativo. Quando eram chamados para depor, tinham de responder a perguntas do tipo: “Você é comunista?”, “Faz parte de algum partido político?” ou “Exerce alguma atividade política no IOC?”.
Sem possuir provas concretas e reais, sobre a suposta subversão ou inaptidão profissional dos cientistas cassados, entenderam que a decisão fora tomada por motivações pessoais.
“Como nós tínhamos denunciado desvio de verba da malária, da peste bubônica e da meningite, estávamos muito visados”, afirma Domingos Machado, em entrevista ao documentário O Massacre de Manguinhos.
Nem o filho do fundador da instituição, Walter Oswaldo Cruz, escapou ileso. Por recomendação de Raymundo de Britto (1909-1988), ministro da Saúde do governo Castelo Branco, Rocha Lagoa ordenou que todo e qualquer recurso destinado ao IOC passasse pelo seu crivo.
Sendo acusado de propaganda subversiva e proselitismo político, Oswaldo Cruz deixou de receber os repasses vindos de instituições americanas, como as fundações Ford e Rockefeller, e teve seu laboratório fechado pela direção.
A reintegração
Em 1986, cinco anos depois da sanção da Lei de Anistia, os dez cientistas foram reintegrados à Fiocruz. A cerimônia de reintegração aconteceu no dia 15 de agosto.
Contou com a presença, entre outros, do ator Mário Lago (1911-2002), presidente da Comissão Nacional de Anistia; do deputado federal Ulysses Guimarães (1916-1992), presidente da Câmara; e do antropólogo Darcy Ribeiro (1922-1997), então vice-governador do Rio.
“A dor que me dói, a lágrima que eu choro, é pelas pesquisas que foram interrompidas e nunca mais se farão. É pelos jovens cientistas que teríamos formado e que não se formarão nunca. A Ciência é a última profissão que não se aprende nos livros. É um cientista que cria outro. E vocês, os mais preparados para frutificar novas gerações, foram proibidos de se multiplicar”, discursou Darcy Ribeiro.
Emocionados, lembram da solidariedade e luta que foi necessária para que todos conseguissem ultrapassar uma época tão tenebrosa e truculenta. As marcas deixadas pela ditadura pulsam até hoje naquelas que foram feridos de alguma forma, relembrando como é importante que ela jamais seja esquecida.
“Homenagear a memória dos cientistas cassados e de todos aqueles que sofreram perseguições políticas é uma advertência: não haverá desenvolvimento científico e tecnológico sem memória, liberdade e justiça. Defender a Ciência é defender a democracia”, afirma Hochman.