Ao assistir o documentário da Netflix “AmarElo – É tudo pra ontem“, que explora trajetória do rapper Emicida durante a produção do projeto de estúdio AmarElo e, ao mesmo tempo, a história da cultura negra brasileira nos últimos 100 anos, o psicólogo Rômulo Mafra Cruz se emocionou, chorou e teve um lampejo: “eu preciso fazer com que outras pessoas vejam isto”. Decidido, ele planejou promover uma sessão para os internos da Unidade Prisional de Ressocialização (UPR) de Balsas, onde trabalha como psicólogo há cinco anos.
“O que mais me impulsionou é que finalmente a gente tem oportunidade de conseguir mostrar em uma obra audiovisual a nossa história. Não é possível contar a história do Brasil sem contar a nossa história, a história do negro. E poucas vezes nossa história foi contada de forma tão afetuosa. A gente sempre fala da nossa história com muita dor, com muita raiva, muita revolta, e o filme conseguiu passar a nossa história como se fosse um abraço”, disse Rômulo.
E assim o fez. Pediu permissão para o diretor da unidade, encontrou um tempinho para explicar a uma colega de trabalho que o nome do rapper era “Emicida” e não “Homicida”, como ela tinha entendido, e também arrumou um projetor, uma sala pequena e um público interessado.
O momento resultou em uma foto divulgada nas redes sociais em que três homens aparecem vestindo uma camiseta laranja com a palavra “interno” escrita nas costas. Prestavam atenção à projeção da obra em uma parede branca. A imagem rodou pelas redes sociais. O próprio Emicida a repostou dizendo: “Obrigado irmãos, essa me emocionou.“
Unidade prisional de Balsas. Cidade de Balsas, no Maranhão.
— emicida (@emicida) December 8, 2020
Obrigado irmãos, essa me emocionou.
? pic.twitter.com/HSi7N5iQEs
Foi Rômulo quem a tirou. Estava lá nos fundos da sala dividindo atenção entre o documentário que estava assistindo pela terceira vez em menos de 24 horas e a reação daqueles homens e mulheres privados de liberdade.
Mas o momento precisou ser interrompido logo nos minutos iniciais quando duas internas pediram para que pausassem a sessão. Tinham um pedido a fazer. Foi bem quando um menino tinha acabado de aparecer em cena andando no interior do Theatro Municipal, localizado no centro de São Paulo, onde boa parte do filme se passa. “Exu matou um pássaro ontem com uma pedra que só jogou hoje”, narrava Emicida. E foi assim que aquelas mulheres ouviram pela primeira vez este ditado iorubá.
“Aí elas me falaram: ‘me dá um papel e uma caneta?'”, conta o psicólogo. Acharam tão interessante a citação que queriam anotá-la para não esquecer. O mesmo pedido foi repetido por outros internos e internas que lá estavam. Por causa da pandemia, fizeram sessões separadas, cada uma com 15 pessoas. Com papel e caneta em mãos, passaram os 89 minutos do filme anotando nomes, citações, palavras? Tudo que também fazia o coração bater diferente.
Uma das palavras mais anotadas e que chamou mais a atenção foi “interseccionalidade”, como rememora Rômulo. “Queriam entender o que era isso. Marcou muito porque temos uma interna que é uma mulher transexual. Ela ficou muito emocionada, falava que nunca tinha visto alguém falar sobre ser LGBTQIA+ daquele jeito”, diz ao lembrar das cenas em que as cantoras Pabllo Vittar e Majur aparecem no documentário para cantar a faixa “AmarElo” no show que ocorreu no Theatro Municipal dia 27 de novembro do ano passado.
A exibição faz parte do projeto que eles vêm desenvolvendo por lá, o Visualizando Esperança, criado por profissionais da psicologia da unidade. A iniciativa tem o intuito de passar produções audiovisuais para os internos poderem debater e produzir conteúdos como resenhas de filmes.
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