
Coube à senadora Simone Tebet (MDB-MS) conseguir a confirmação de que foi Ricardo Barros (PP-PR), líder do governo na Câmara, o parlamentar citado pelo presidente da República que estaria envolvido na suposta corrupção da compra da Covaxin. A revelação foi feita durante o depoimento mais bombástico da CPI da Pandemia no Senado até agora e que durou quase oito horas.
O colegiado ouviu nesta sexta-feira (25) os depoimentos de Luis Ricardo Fernandes Miranda, servidor do Ministério da Saúde, e de seu irmão, o deputado federal Luis Miranda (DEM-DF). Eles denunciaram possíveis irregularidades na compra da vacina indiana Covaxin pelo governo federal.
A oitiva com os irmãos Miranda deixou claro que não há mais como Jair Bolsonaro (sem partido) se distanciar do que já é considerado um dos maiores escândalos de corrupção da história do país.
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“Ele diz: ‘isso é coisa do fulano. Puta merda, mais uma vez’. E dá um tapa na mesa”, relatou o deputado bolsonarista Luís Miranda. A primeira menção a Barros, que foi ministro da Saúde no governo de Michel Temer, foi feita à tarde. Mas o parlamentar passou o dia relutando em confirmar que o “fulano” citado por Bolsonaro era de fato Ricardo Barros. Dizia não se lembrar. Foi Simone Tebet que conseguiu fazer com que ele confirmasse.
“Eu sei o que vai acontecer comigo. A senhora [Simone Tebet] também sabe que é o Ricardo Barros que o presidente falou”, afirmou Luis Miranda.
Simone Tebet insistiu: “O senhor confirma?”
“Foi o Ricardo Barros, que o presidente falou. Foi o Ricardo Barros”, repetiu Miranda.
“Vocês não sabem pelo que eu vou passar”
“Se Vossa Excelência tiver a coragem de dizer o nome, não se preocupe com Conselho de Ética, porque nenhum deputado vai ter coragem de se insurgir contra Vossa Excelência, contra a opinião pública, contra a massa de brasileiros que quer saber a verdade. Pode falar o nome”, disse Tebet.
“A senhora sabe que se eu fizer isso eu vou ser perseguido. Já disseram que eu vou perder a relatoria da reforma tributária, já perdi todos os espaços, já perdi tudo o que eu tenho, já acabaram com a minha política. O que mais vocês querem que eu faça?”, afirmou Miranda antes de confirmar o nome de Barros.
Ele cedeu em meio às lágrimas. “Eu queria ter dito desde o primeiro momento, mas é que vocês não sabem pelo o que eu vou passar”, afirmou.
Impeachment já
Líder da Minoria na Câmara, Marcelo Freixo (PSB-RJ), cobra a imediata votação dos pedidos de impeachment que se acumulam na Câmara.
Líder da Oposição na Câmara, Alessandro Molon (PSB-RJ), segue na mesma linha.
O deputado Bira do Pindaré (PSB-MA) listou alguns dos crimes que podem ter sido praticados ao pedir da saída de Bolsonaro.
Barros legislou pela Covaxin
Ricardo Barros foi o autor de uma emenda que tinha o objetivo de permitir a compra da vacina indiana Covaxin. A medida provisória aprovada permite que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) conceda “autorização para a importação e distribuição de quaisquer vacinas”, insumos ou medicamentos sem registro na Anvisa desde que aprovadas pela autoridade sanitária em outros países.
A emenda de Barros acrescentou a Central Drugs Standard Control Organization (CDSCO), da Índia, no rol de órgãos habilitados para dar essa autorização, beneficiando diretamente a compra da Covaxin. Barros é investigado por improbidade administrativa, quando era ministro, pelo favorecimento da Global Saúde. A Global é sócia da Precisa Medicamentos, empresa que vendeu a Covaxin ao governo.
Após a confirmação do seu nome por Miranda, Barros negou as acusações.
Servidora liberou documentação suspeita
A servidora Regina Célia Silveira Oliveira, que aparece na mensagem de Barros, foi citada por Luis Ricardo Miranda, irmão do deputado, como a pessoa que deu aval ao avanço da papelada da Covaxin enquanto a área de importação apontava problemas. O vice-presidente da CPI, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), afirma que Regina Célia assumiu o cargo quando Ricardo Barros era ministro da Saúde. E defende a convocação da servidora.
As declarações dos depoentes deixaram diversas lacunas para as próximas sessões. Outros nomes de servidores do Ministério da Saúde serão arrolados na investigação sobre o processo de compra da vacina indiana e devem ser alvo de convocação nas próximas semanas.
O presidente da CPI, senador Omar Aziz (PSD-AM), foi categórico e anunciou o tom das próximas decisões da CPI. Afirmou que o presidente Jair Bolsonaro prevaricou ao não tomar providências depois de ser informado das irregularidades denunciadas pelo deputado.
Escândalo chega aos filhos de Bolsonaro
Mais cedo, Miranda havia dito que levou as suspeitas de corrupção ao filho do presidente, deputado Eduardo Bolsonaro (SPL-SP). E nada foi feito.
“Conversamos no plenário, eu e o deputado Eduardo Bolsonaro, sobre problemas que vinham sendo denunciados pelo meu irmão. Foram entregues duas vezes denúncias relatadas pelo meu irmão ao ministro Onyx [Lorenzoni, secretário-geral da Presidência] e que uma hora poderia estourar no governo e que era importante que ele desse atenção a isso”, afirmou Miranda aos senadores da CPI.
E acrescentou: “E mando o contato para ele [Eduardo Bolsonaro] do meu irmão, e coloco quem é ele, bonitinho, o cargo e tudo, para que ficasse fácil de ele conversar com meu irmão e localizá-lo.”
O relator da CPI, senador Renan Calheiros (MDB-AL), questionou ao irmão do parlamentar, Luís Ricardo Miranda, servidor do Ministério da Saúde, se Eduardo havia entrado em contato com ele para dar encaminhamento ao caso. O servidor disse que isso não aconteceu. Na quarta-feira (23), Eduardo Bolsonaro disse que Miranda “vai ter que provar o que diz” e disse não se lembrar se foi alertado sobre irregularidades. “Meu WhatsApp tem um zilhão grupos”, disse ao O Globo.
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Maior escândalo da República
Para a Oposição, as denúncias de corrupção na compra das vacinas do laboratório indiano Bharat Biotech, já é o maior escândalo da República, como afirma o líder da Minoria, deputado Marcelo Freixo (PSB-RJ).
Pagamento em paraíso fiscal
A suspeita de que o pagamento da vacina poderia ser feito a uma empresa sediada em Singapura, paraíso fiscal, voltou à CPI. A Madison Biotech, que apareceu na invoice (espécie de nota fiscal) recebida por Luís Ricardo, não constava no contrato entre o Ministério da Saúde e a Precisa Medicamentos, representante da Bharat Biotech no Brasil. A empresa indiana alega que a Madison Biotech é associada à Bharat Biotech.
O The Intercept e O Globo estiveram no endereço indicado pela Madison Biotech e relataram que a empresa não funciona no local. Uma funcionária teria dito que no local funciona um escritório de contabilidade que dá suporte para empresas que estão se instalando em Singapura.
A Madison Biotech receberia os U$ 45 milhões (R$ 222 milhões) de adiantamento pelas vacinas. O senador Renan Calheiros (MDB-AL), relator da CPI, estranhou pagamentos de vacinas serem feitos em empresas em paraíso fiscal. “Off shore dificulta a fiscalização”, disse Calheiros, irritando os bolsonaristas. O líder do governo no Senado, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), interrompeu para dizer que isso seria “normal” sim.
Propina da vacina
O servidor Luís Ricardo também disse aos senadores que um colega chamado Rodrigo, teria citado “um rapaz” que estaria cobrando propina na venda da vacina.
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“O ministério estava sem vacina e um colega de trabalho, Rodrigo, servidor, me disse que tinha um rapaz que vendia vacina e que esse rapaz disse que estavam cobrando propina”, afirmou. Os senadores também querem ouvir Rodrigo, que não teve o sobrenome citado pelo servidor, para investigar a denúncia.
Rapidez e cautela
O colunista do Socialismo Criativo, o historiador e youtuber marxista Jones Manoel, defende que é preciso agir rápido e com cautela.
Com informações da Fórum, Metrópoles, G1, O Globo, Ig, The Intercept