Com Plinio Teodoro
A primeira segunda-feira do ano já começou agitada pela história da antológica facada tomada pelo presidente Jair Bolsonaro (PL). O mandatário foi novamente internado na madrugada de hoje (3) no hospital Vila Nova Star, na zona sul de São Paulo, com obstrução intestinal, segundo boletim médico.
Porém, enquanto as chuvas castigavam a Bahia, Bolsonaro parecia muito bem até então. As férias em Santa Catarina, com passeios de jet sky e manobras de Hot Weels no Beto Carrero World, não mostravam a fragilidade de sua saúde, enquanto desprezava a população baiana que, até o presente momento, registrou 25 mortes e 151 cidades em situação de emergência.
No almoço de domingo, primeiro dia do ano eleitoral de 2022, Bolsonaro afirma ter “passado mal”. Negacionista em engolir a realidade revelada pelo Datafolha, de que a reprovação a seu governo chegou ao pior nível, rejeitado por 53% dos brasileiros, o presidente regurgitou a própria arrogância.
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O resgate do “coitadismo”, como vítima do “comunista Adélio Bispo”, já vinha sendo preparado desde antes do natal. No fim de novembro, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região autorizou a investida contra Zanone Manuel de Oliveira Júnior, um dos advogados de Adélio Bispo, e o delegado Rodrigo Morais Fernandes reabriu o caso.
Nesta segunda-feira, 3 de janeiro, primeiro dia útil do ano – ainda em férias – Bolsonaro voou às pressas em um avião da Força Aérea Brasileira para São Paulo.
Teria mandado outra aeronave para as Bahamas para buscar Antônio Luiz Macedo, o mesmo médico que o operou da facada e que o acompanha desde então com fidelidade quase religiosa.
Poucas horas depois, Bolsonaro publicou em suas redes sociais a já conhecida imagem na maca do hospital, com sonda nasogástrica e cara abatida. Bem distante da euforia demonstrada nas férias no litoral paulista e catarinense.
Diferentemente do que publicou no Twitter, no Facebook o presidente fez questão de dizer que a internação e os sintomas são “consequência da facada (06/09/18) e 4 grandes cirurgias”.
Marcelo Queiroga, médico que comanda o Ministério da Saúde, já havia feito a mesma ilação. Ao mesmo tempo, Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ), o comandante da milícia virtual sinalizou com o “apito de cachorro” na publicação do pai no Twitter – que omitia o caso Adélio.
“A turma do ódio do bem ou ódio permitido invade mais uma publicação! Crer que a facada de antigo filiado do PSOL foi um fato isolado não é inocência”, escreveu ele, que comanda perfis fora do país, como se estivesse falando da própria trupe.
No Instagram, Michelle Bolsonaro, em meio às especulações à candidatura no Senado, ecoou a ladainha aos seus moldes “religiosos”.
“Agradeço as orações e as mensagens de carinho, recebidas pela internação do Jair decorrente do atentado que sofreu em 2018. Sequela que levaremos para o resto de nossas vidas. Mas Deus é bom e tem o controle de todas as coisas”, escreveu em um storie.
A narrativa neste momento – às 11h14, oito horas após Bolsonaro chegar ao hospital ainda sem diagnóstico fechado – se propaga nos grupos bolsonarista como água morro abaixo.
Até mesmo os aliados mais próximos sabem que Bolsonaro e seu clã têm dificuldades em separar o que é fato do que é fake. Sabem também que, deputado por quase 30 anos e vivendo a vida toda no aparato público, Bolsonaro sabe como ninguém fazer politicalha, desde os tempos de tenente do Exército.
Dita bem mais que 15 vezes, como prega a cartilha nazista, a narrativa conspiratória sobre Adélio já é tida como realidade para o clã e pela horda mais radical.
Incitá-la no início do ano eleitoral, quando Bolsonaro não tem (até o momento) desculpas para fugir de um debate cara a cara com Lula (PT) parece uma estratégia interessante pensando-se como gabinete do ódio.
É uma especulação. Mas, resgatar Adélio em meio ao derretimento da popularidade e causar comoção nas redes, fomentando o discurso de ódio contra a esquerda, parece além de bastante factível, uma das poucas saídas para Bolsonaro ganhar sobrevida e chegar, de fato, ao segundo turno das eleições.
Debate sem perguntas sobre família
Em novembro, Bolsonaro declarou que tem a intenção de participar dos debates eleitorais, mas com uma condição: não ser questionado sobre família e amigos. Segundo o presidente, esse tipo de pergunta “não vai levar a lugar nenhum”.
— É para falar do meu mandato. Até a minha vida particular, fique à vontade. Mas que não entrem em coisas de família, de amigos, porque vai ser algo que não vai levar a lugar nenhum — disse o presidente em entrevista ao programa “Agora com Lacombe”, da RedeTV!, na noite dessa quinta-feira.
A restrição é uma maneira de o chefe do executivo evitar questionamentos sobre as investigações que envolvem seus filhos e aliados. O senador Flávio Bolsonaro (Patriota) e o vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos) são suspeitos de fazerem parte de um esquema de desvio de salário de funcionários de seus antigos gabinetes legislativos, conhecido como “rachadinha”. Já Renan Bolsonaro, o Zero Quatro, é alvo de um inquérito da Polícia Federal que apura suspeita de tráfico de influência. Todos os filhos negam qualquer irregularidade.
— Eu pretendo participar de debates. Não pude da última (vez, em 2018) porque estava convalescendo ainda (por conta da facada). Da minha parte não vai ter guerra, eu tenho 4 anos de mandato para mostrar o que fiz agora, eu não posso aceitar provocação, coisas pessoais, porque daí você foge da finalidade de um bom debate.
Na campanha eleitoral de 2018, Bolsonaro também afirmou que participaria dos debates, mas não compareceu a nenhum após a facada.
Cirurgias após a facada
O cirurgião Antônio Luiz Macedo operou Bolsonaro após a facada que levou no abdome, em setembro de 2018, na cidade de Juiz de Fora (MG), durante um ato de rua de sua campanha presidencial.
Desde então, o presidente esteve internado em hospitais em algumas ocasiões para realizar cirurgias e exames.
6 de setembro de 2018 – Santa Casa de Misericórdia de Juiz de Fora (MG): O candidato Jair Bolsonaro se submete a uma operação de urgência após ser atacado por uma facada de Adélio Bispo em ato de campanha;
12 de setembro de 2018 – Hospital Albert Einstein, em São Paulo: Bolsonaro passa por nova cirurgia de emergência em razão de uma complicação causada pela aderência das paredes do intestino;
28 de janeiro de 2019 – Hospital Albert Einstein, São Paulo: já na Presidência da República, Bolsonaro se submete a uma nova cirurgia para retirada da bolsa de colostomia;
8 de setembro de 2019 – Hospital Vila Nova Star, São Paulo: nova cirurgia para correção de uma hérnia incisional na região da área atingida pela facada;
25 de setembro de 2020 – Hospital Vila Nova Star, São Paulo: retirada de cálculo na bexiga;
14 de julho de 2021 – Hospital Vila Nova Star, São Paulo: Bolsonaro ficou quatro dias internado no hospital Vila Nova Star para tratamento de uma obstrução intestinal.
Com informações do Uol