
Delegados da Polícia Federal podem perder a autonomia para investigar autoridades com foro especial. O diretor-geral da PF, Paulo Maiurino, enviou documento ao Supremo Tribunal Federal (STF) propondo uma reestruturação interna no órgão. O documento concede superpoderes ao próprio chefe da corporação e não foi visto com bons olhos por delegados.
O diretor da PF entrou com o documento após a corporação iniciar investigações que envolvem o ministro do STF Dias Toffoli e o ministro do meio ambiente Ricardo Salles. Investigadores veem a proposta como uma tentativa de controle das apurações por parte de Maiurino. As informações são da Folha de S. Paulo.
A proposta consta de um memorando produzido pela direção-geral para subsidiar a votação dos ministros no julgamento do recurso da Procuradoria-Geral da República, que pede a anulação do acordo de delação de Sérgio Cabral, ex-governador do Rio de Janeiro. Cabral acusou Dias Toffoli de venda de sentenças quando integrava o Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
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Supervisão ou controle
A medida seria necessária, segundo Maiurino, para “melhor supervisão das investigações”, de modo a evitar “o ajuizamento de medidas” que refletem “tão somente o posicionamento individual de autoridades policiais”. Mas que estão “em dissonância da posição institucional da PF”.
Na prática, na visão de investigadores, a mudança proposta é uma tentativa de controle e pode dar superpoderes ao diretor-geral, já que todas as investigações de autoridades com foro teriam que ter obrigatoriamente uma supervisão da cúpula da PF, segundo o documento. Além disso, pedidos de medidas cautelares, como buscas, quebras de sigilo e prisões, necessitariam de ciência prévia de Maiurino.
Alinhamento com governo
O diretor foi indicado pelo ministro da Justiça e Segurança Pública, Anderson Torres, em abril. Ele substituiu o segundo chefe da corporação no governo de Jair Bolsonaro (sem partido), Rolando Souza. Maiurino é o terceiro chefe da PF em apenas dois anos e três meses de governo.
O diretor atuou em 2020 como secretário de Segurança do STF na gestão Dias Toffoli. Antes, trabalhou no governo de São Paulo como secretário de Esporte, Lazer e Juventude, na gestão de Geraldo Alckmin (PSDB).
Aparelhamento da Polícia Federal
Essa não seria a primeira vez que o governo tentaria, através de suas indicações na PF, intervir em investigações. Em abril de 2020, o ex-ministro da justiça Sérgio Moro já havia denunciado Bolsonaro ao deixar o governo. O ex-juiz declarou que o presidente insistiu, por diversas vezes, em nomear um comandante para a PF que fosse de confiança dele, para que pudesse ter acesso a inquéritos sigilosos.
Em 5 de maio do mesmo ano, o ex-ministro prestou depoimento de quase nove horas, no qual afirmou que Bolsonaro “relatou verbalmente no Palácio do Planalto que precisava de pessoas de sua confiança, para que pudesse interagir, telefonar e obter relatórios de inteligência”.
Reunião comprova tentativa de interferência
Em reunião ministerial divulgada na imprensa, o presidente chegou a admitir o intuito de intervenção nas trocas realizadas em órgãos de polícia. Bolsonaro declarou abertamente que as investigações da PF eram para atingir o chefe do executivo e sua família.
Disse ainda que já havia tentado “trocar gente” da segurança no Rio de Janeiro oficialmente, mas não obteve sucesso. Sobre a polícia federal, ameaçou: “Vai trocar! Se não puder trocar, troca o chefe dele! Não pode trocar o chefe dele? Troca o ministro! E ponto final! Não estamos aqui pra brincadeira.”
Polícia Federal investiga Salles
O ministro do meio ambiente tem sido alvo de uma investigação da PF que apura a exportação ilegal de madeira. Esse fato foi visto por parlamentares brasileiros como a gota d’água para tomar uma atitude mais efetiva contra a política ambiental conduzida por Salles.
A oposição busca assinaturas para a abertura de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do meio ambiente na Câmara. A intervenção do diretor da PF, portanto, poderia afetar as investigações, já que a autonomia dos delegados seria prejudicada.
Com informações de Folha de São Paulo, Carta Capital e Brasil de Fato