O governo da República Popular da China modificou novamente a sua política de natalidade para evitar um iminente colapso econômico. Agora, o país permitirá que cada casal possa ter até três filhos. O anúncio feito pelo governo nesta segunda (31), no mesmo dia em que anunciou que enviará tripulantes à nova estação espacial chinesa, substitui o limite de dois filhos por casal, ainda vigente no país.
A decisão foi tomada poucas semanas após a divulgação dos resultados do último censo, que apontou expressiva queda da taxa de natalidade no país mais populoso do mundo, e anunciada pela agência estatal de comunicação da China, Xinhua, ao relatar as conclusões de uma reunião do gabinete político do Partido Comunista Chinês comandada pelo líder Xi Jinping.
Pesquisadores apontam que as medidas demográficas talvez não consigam cumprir os objetivos do governo, e apontam tecnologia como solução para economia chinesa.
Preocupação da China com economia
A mudança na política governamental responde à queda, pelo 4º ano consecutivo, do número de nascimentos no país. Mesmo com 12 milhões de novos bebês em 2020, o número é 18% menor do que o registrado em 2019, e insuficiente para contrapor o crescimento na população de idosos, diminuindo o número de jovens em idade ativa para manter a economia crescendo através do trabalho.
Segundo o pesquisador e doutor em demografia José Eustáquio Diniz Alves, é bastante provável que a população chinesa comece a reduzir a partir de 2022 ou de 2023. Até o fim do século, a China deve perder 400 milhões de pessoas, quase duas vezes a população do Brasil.
“Esta é uma tendência quase irreversível, considerando a taxa de fecundidade atual em 1,3 filho, bem abaixo dos 2,1 necessários para o que chamamos de reposição demográfica, ou seja, o índice considerado mínimo para manter a população estável”, explica José Eustáquio.
Histórico de medidas
Antes da famosa Política do Filho Único, a China enfrentou sérios problemas em relação ao crescimento acelerado da população. Segundo José Eustáquio, na China as famílias cresceram muito apesar da tendência mundial de queda, especialmente após a desastrosa política imposta pelo líder comunista Mao Tsé-Tung para ultrapassar a economia britânica, que terminou com mais de 40 milhões de pessoas mortas de fome.
As famílias que perderam crianças para a fome quiseram então “repor” os filhos falecidos, o que aumentou muito a população, segundo o pesquisador. Em seguida, a Revolução Cultural (1966-1976) teria desestruturado totalmente o setor de saúde, o que praticamente cessou o acesso a métodos contraceptivos e contribuiu para que a taxa de fecundidade chinesa chegasse a seis filhos em média.
Após um aumento recorde na população ainda em idade escolar, incapaz de atingir índices de produtividade que gerassem crescimento econômico, a China adotou uma campanha de propaganda para incentivar a redução no número de filhos, com distância maior de idade entre as gestações e melhor qualidade e chegou a reduzir significativamente os novos nascimentos: de 5,7, a taxa de fecundidade caiu para 2,7. Mas a chegada de Deng Xiaoping à liderança nacional radicalizou a política.
China e a Política do Filho Único
Ao argumentar que o contínuo crescimento populacional colocava em xeque sua política de quatro modernizações (indústria, agricultura, defesa e ciência e tecnologia), Deng lançou em 1979 a Política do Filho Único, uma das causas centrais para os problemas demográficos enfrentados pela China hoje.
A política proíbiu por 36 anos que casais chineses tivessem mais de um filho, com a cobrança de multas milionárias – até o ano passado, quem tinha um terceiro filho precisava pagar uma multa de 130 mil yuans, R$ 106,5 mil – e com o veto ao acesso das crianças aos serviços públicos chineses, o que levou o país a enfrentar milhares de casos de infanticídios, principalmente sobre bebês do sexo feminino, e o surgimento de um amplo sistema de tráfico de crianças rejeitadas.
A Política do Filho Único foi abolida oficialmente em 2015, o que permitiu que os casais tenham duas crianças, número que agora será ampliado para três, segundo o divulgado pelo governo chinês.
Mulheres suscetíveis às políticas do governo
Como observado, essa não é a primeira vez que a política de natalidade da China é modificada para atender os interesses econômicos do governo. De forma controversa, ao longo dos anos os governos do país asiático têm utilizado o incentivo ou a proibição aos chineses de ter filhos para atender as demandas do país, conforme a pirâmide demográfica entra em desequilíbrio em relação ao padrão desejado pelo governo para manutenção do país enquanto potência mundial.
Segundo Leta Hong Fincher, jornalista e autora de dois livros sobre o movimento feminista e o impacto de políticas demográficas para mulheres chinesas, existe um longo histórico na China comunista no uso de mulheres como ferramentas reprodutivas que atendam às demandas demográficas impostas pelo governo: quando é preciso diminuir os nascimentos, há abortos forçados e, quando é preciso aumentar, há campanhas inteiras dedicadas a constranger quem prefere não ser mãe e continuar solteira. Leta é professora adjunta da Universidade de Columbia.
Tecnologia pode mudar cenário na China
José Eustáquio Alves tem outra teoria. O pesquisador acredita que as inovações tecnológicas podem auxiliar o governo chinês na solução para a redução populacional e que, no curto prazo, os chineses podem até ganhar em índices de produtividade se voltarem o investimento em tecnologia para o trabalho e para suprir essa nova necessidade da economia.
“A essa altura, só há duas soluções. A primeira é a abertura à imigração, algo que o governo chinês indica não estar disposto a ceder. O outro é investir em qualificação e tecnologia. Talvez a gente descubra em algumas décadas que essa queda não só não prejudicou o crescimento econômico como pode ter até um efeito positivo para o ambiente.”
José Eustáquio Alves
Com informações de Folha de S. Paulo