
Em um país onde as armas e a violência são fomentadas pelo presidente, mais um assassinato causado por um militar aconteceu na madrugada deste domingo (7). O campeão mundial de jiu-jitsu, Leandro Lo, 33 anos, foi baleado na cabeça durante um show, em São Paulo. Segundo o advogado do atleta, Ivã Siqueira Júnior, ele teve morte cerebral confirmada.
Leandro Lo assistia a um show de pagode, em Indianópolis, zona sul da capital paulista, quando se envolveu em uma discussão. De acordo com o portal g1, ele acabou imobilizando o homem com quem se desentendia. Ao afastar-se, o agressor sacou uma arma e atirou contra o atleta.
O suspeito de atirar é o policial militar Henrique Otávio Oliveira Velozo, que teve a prisão decretada no fim da tarde deste domingo. Ele se entregou à Corregedoria no início da noite, foi preso e será encaminhado ao Presídio Romão Gomes.
Militares matam civis com frequência no Brasil
Crimes como esse são cometidos com frequência no Brasil. Recentemente, tivemos o assassinato do guarda municipal Marcelo Arruda em sua festa de 50 anos de idade após levar três tiros disparados por Jorge José da Rocha Guaranho, da Polícia Penal Federal (PPH).
Em maio desse ano, o bombeiro militar Paulo César de Souza Albuquerque atirou em um atendente do McDonald’s na Taquara, na Zona Oeste do Rio de Janeiro. Segundo testemunhas, a briga foi por causa de um cupom de desconto. Segundo colegas de Mateus, o bombeiro fez um pedido no drive-thru, mas só no fim do atendimento disse que tinha direito à redução no preço. Mateus explicou que a informação precisava ser dada no início do pedido.
O policial federal Ronaldo Massuia atirou contra clientes da loja de conveniências de um posto de gasolina de Curitiba, no Paraná, no dia 1º de maio de 2022. Os disparos mataram o fotógrafo André Fritoli e feriram outras três pessoas.
O doutor em Direito e especialista em Ciências Criminais, Fernando Alves, comenta que fatos como esses são o reflexo de uma força militar forjada na ditadura e da falta de investimento nas Forças Armadas e nas Forças de Segurança Pública.
Alves fala com conhecimento de causa, pois é delegado da Polícia Civil do Rio Grande do Norte. Ele comenta que desde a redemocratização do país e a promulgação da Constituição Federal de 1988, houve pouquíssimas iniciativas para a reformulação da Segurança Pública. As que ocorreram foram tímidas e ineficazes. O resultado, aponta o especialista, são militares completamente despreparados.
“30 anos depois, os militares ainda são moldados nas heranças ditatoriais que desrespeitam os direitos humanos. É necessário a promoção de políticas públicas voltadas para a Segurança, para que as Forças Armadas e as Forças de Segurança Pública possam, efetivamente, proteger a vida das pessoas, e não, tirar a vida”, destacou Fernando Alves.
Civis circulam armados em locais não autorizados
Além de não promover políticas públicas para maior capacitação na segurança e coibir crimes cometidos por militares, o governo do presidente Jair Bolsonaro (PL) incentiva a violência e o ódio através de sua política armamentista.
Caçadores, atiradores e colecionadores —conhecidos pela sigla CAC— estão aproveitando decretos publicados por Bolsonaro para andarem armados em trajetos não permitidos. Boletins de ocorrência da Polícia Rodoviária Federal (PRF) registram flagrantes até em estados onde o portador da arma não vive, além de casos de pessoas com armas e drogas ou bebida.
Graças às flexibilizações de Bolsonaro, os integrantes desse grupo podem carregar armamentos no trajeto entre a casa e o local de prática, como clubes de tiro ou área de caça. Especialistas afirmam que, na prática, essa flexibilização se converteu em uma autorização para o porte informal de armas.
Em abordagem na BR-163, em Santarém (PA), um CAC estava transportando a arma havia 30 dias. Ele viajava para Colíder (MT), cidade a mais de mil quilômetros de onde foi parado. A abordagem foi feita em junho. Com o CAC, foram encontradas uma pistola e anfetamina em quantidade para consumo. O homem admitiu não estar indo a nenhum clube de tiro e declarou aos agentes ter residência em Santa Catarina e Rondônia. Ele foi preso e autuado por porte ilegal de armas e droga.
Em outro caso, na BR-116 em Barra do Turvo (SP), a polícia encontrou uma pistola no veículo. O homem argumentou ser CAC e mostrou a documentação para justificar estar com arma. Na abordagem, ele assumiu que a utilizava para sua proteção em deslocamentos de trabalho, e não para a prática de tiro esportivo. Acabou enquadrado em porte ilegal.
Na manhã de 16 de julho, um CAC estava parado em seu veículo em frente a uma loja de soldas, na BR-364 em Ji-Paraná (RO). De acordo com o boletim, ele exibia sinais de forte nervosismo, com a mão tremendo. Agentes da PRF pediram os documentos do carro, que estavam ao lado de um revólver. O motorista apresentou o certificado de CAC e admitiu não estar indo a um clube de tiro. Ele foi autuado por porte ilegal.
Na BR-153 em Araguaína (TO), um CAC foi abordado para fazer o teste do bafômetro. Quando desceu do carro, os policiais identificaram uma pistola na cintura dele. A documentação que lhe permitia transitar com a arma entre sua casa e o clube de tiro estava vencida. Ele foi encaminhado pela PRF para a delegacia da Polícia Civil por porte ilegal de armamento.
Outra ocorrência se deu em Jataí (GO). Segundo o registro, o atirador se recusou a soprar o bafômetro após assumir que tinha ingerido bebida alcoólica. Na abordagem, filmada por policiais, ele disse ter tomado uma dose na fazenda. O motorista havia sido parado por dirigir em alta velocidade e ultrapassar em local proibido. Ele confirmou estar com arma e munição no carro.
Os agentes registraram apenas uma infração administrativa, justificando orientação da Polícia Civil de Jataí segundo a qual o encaminhamento do envolvido para autoridades policiais só deveria ocorrer se o CAC estivesse “visivelmente embriagado”.
Até abril, havia 605 mil CACs com registro ativo. No ano passado, a PRF anotou 1.426 ocorrências por porte ilegal de armas contra 980 em 2018, antes do governo Bolsonaro. O aumento foi de 45% em três anos.
PSB na luta contra as armas
Em 2021, o Partido Socialista Brasileiro (PSB) entrou com uma ação na Suprema Corte para derrubar a resolução do governo federal que zerou o imposto sobre exportação de armamentos e munições para a América do Sul e a América Central. O partido argumenta que a medida pode facilitar o tráfico de armas.
As ações do PSB contestam os decretos assinados por Bolsonaro em 2019 e 2021 que tornaram muito mais fácil a aquisição de armas de fogo no Brasil, uma das principais bandeiras do atual governo. Os casos já estavam sendo analisados, mas Moraes tinha pedido vistas e o julgamento dos méritos havia sido paralisado desde então.
Na ocasião, o presidente do partido, Carlos Siqueira, disse que os “decretos que flexibilizam ainda mais o acesso a armas agridem a independência entre os poderes, pois ultrapassam a competência do Executivo, ao desfigurarem as previsões do Estatuto do Desarmamento”. “O presidente pode muito, mas muito menos que a Lei”, afirmou.
“O imposto sobre exportação de armas e munições foi criado há 20 anos a partir de estudos técnico-científicos que identificaram o efeito bumerangue. Ou seja, o armamento exportado volta ao Brasil, inclusive armas de venda proibida em nosso território”, explicou o advogado Rafael Carneiro, que representa o PSB.
Para o partido, a revogação do imposto é inconstitucional por violar direitos fundamentais, como o direito à vida e à segurança, na medida em que pode aumentar a circulação de armas ilegais no País. Outro argumento usado pelo PSB é que a tributação foi excluída de súbito e sem justificativa.
O PSB também defende que a medida faz parte de um movimento mais amplo do presidente Jair Bolsonaro para facilitar o acesso a armas pela população civil à margem dos principais constitucionais.
“A verdade é que o Executivo Federal tem atuado em sentido diametralmente oposto aos dados e ao cenário fático apresentado, dando continuidade e intensificando o projeto declarado de armar a população, incompatível com os preceitos mais caros da nossa Constituição Federal”, escreve o partido.
Duas outras tentativas recentes do governo para flexibilizar o porte de armas e ampliar o acesso a armamentos e munições, por meio de decretos, foram suspensas liminarmente pelo STF. A Corte ainda não finalizou os julgamentos em plenário.
“A assessoria jurídica do Governo precisa entender que reduzir a capacidade estatal de controle da segurança pública e estimular de forma injustificada a aquisição de armas de fogo viola a nossa Constituição Federal”, afirma o advogado Rafael Carneiro.
Campanha “Desarme: PSB contra as armas!“
O PSB lançou a campanha “Desarme: PSB contra as armas!“, em abril de 2021. O PSB acredita que é necessário pacificar a sociedade e concentrar todos os esforços das lideranças políticas em uma unidade nacional para a imunização dos brasileiros, a grande prioridade.
Para o PSB, os decretos são inconstitucionais porque ferem os direitos fundamentais à vida e à segurança. O partido defende ainda que, embora pretendam disciplinar o Estatuto do Desarmamento, os decretos ferem suas diretrizes e permitem à população civil adquirir “verdadeiros arsenais” de armas, munições e acessórios.
O PSB argumenta que os decretos violam ainda o princípio da separação dos Poderes e o regime democrático, uma vez que o Planalto teria assumido a função do Legislativo ao decidir sobre política pública envolvendo porte e posse de armas de fogo.
Com a ausência de fiscalização rígida pelo Comando do Exército, também viabilizada por decretos anteriores editados por Bolsonaro, a mortalidade do Brasil por armas de fogo, que já é a maior do mundo, aumentará.
O pedido do PSB já havia sido pautado em junho de 2019, mas não foi a julgamento após o governo revogar os textos. Posteriormente, no entanto, o governo publicou novos decretos com conteúdo semelhante. Em resposta à ação do PSB no STF, governo diz que venda legal de armas em “nada impacta nas mortes violentas”.
Com informações da Folha e g1