O problema da falta global de semicondutores – que tem parado a indústria eletroeletrônicos em todo o mundo, incluindo no Brasil. Embora muitos achassem que a falta de insumos poderia ser resolvida até o fim do ano, o desabastecimento está longe de ter uma solução.
“Ainda não temos visibilidade de quando a produção deve ser normalizada, e nos parece mais provável que a situação se estenda para outras áreas da economia antes que uma solução seja alcançada”, diz um relatório da Kinea Investimentos, gestora de recursos independente que faz parte do grupo Itaú.
Alguns anos para a indústria se reequilibrar
Recentemente, a Intel, uma das maiores fabricantes do produto, admitiu que serão necessários “alguns anos” para a indústria se reequilibrar. “Temos alguns anos até que possamos atender essa demanda crescente”, disse o presidente da empresa, Pat Gelsinger, para o canal de TV americano CBS. Especialistas falam em pelo menos dois anos de escassez.
Com a alta demanda por processadores, que deve continuar subindo com o rápido desenvolvimento tecnológico, e a demora para a construção de novas fábricas, preços de produtos como celulares podem aumentar 15%, segundo a consultoria KPMG. Por outro lado, o problema tem impulsionado o setor no mercado financeiro.
Ações de semicondutores subiram
As ações da maior produtora de chips do mundo, a Taiwan Semiconductor Manufacturing (TSMC), subiram 130% nos últimos 12 meses.
O gestor de ações globais da Kinea, Ruy Alves, conta que, desde o fim de 2020, tem ampliado os investimentos não só nas produtoras de semicondutores como nas companhias que fornecem equipamentos para elas, dado que novas fábricas serão necessárias nos próximos anos.
Para Alves, o gargalo no segmento dos chips mais modernos, usados em celulares e cuja venda tem maior lucratividade, deve durar até 2022. Na Samsung, por exemplo, a chegada de um novo modelo de celular ao mercado atrasou globalmente devido à falta dos semicondutores, segundo noticiou a imprensa coreana.
No caso dos chips menos sofisticados, que são utilizados na fabricação de cafeteiras, por exemplo, a normalização deve levar ainda mais tempo. “Não há previsão. Nessa área, a indústria é muito segmentada e o problema deve ser resolvido depois”, diz Alves.
Por que os chips sumiram?
Apesar de diferentes fatores terem contribuído para a escassez de semicondutores, foi a pandemia que deixou claro que a cadeia de abastecimento global do produto é frágil.
Chips minúsculos que estão em qualquer dispositivo eletrônico hoje – de celulares a aviões -, os semicondutores passaram a ser disputados globalmente quando a quarentena aumentou a demanda por computadores, celulares e videogames. Do lado da oferta, as interrupções do trabalho em fábricas decorrentes da quarentena também geraram essa crise industrial.
Quando a maior seca dos últimos 46 anos atingiu Taiwan no ano passado, a produção nas plantas locais da companhia teve de ser reduzida. Isso porque as fábricas de chips utilizam um grande volume de água.
Além de a oferta ter diminuído por causa da seca e das paralisações provocadas pela pandemia, a demanda também aumentou com a China estocando processadores em larga escala. Pequim não só se precaveu à possível escassez decorrente da quarentena como também optou por expandir os estoques para se prevenir em meio à guerra comercial com os EUA.
Já neste ano, quando ao menos a Covid-19 deu uma trégua na Ásia, uma fábrica de semicondutores pegou fogo no Japão. A planta fornecia chips para a indústria automobilística.
Quando os chips vão voltar?
Analistas afirmam que a disputa política e econômica entre China e EUA ameaça o abastecimento futuro dos semicondutores.
Taiwan diz ser independente da China desde a Revolução Chinesa de 1949. A maioria dos países e organismos internacionais, porém, não reconhece a independência do território, que tem um acordo de proteção militar com os EUA.
Nos últimos meses, a tensão entre Taipei e Pequim se intensificou, com caças chineses invadindo o espaço aéreo do inimigo e a chegada de um porta-aviões americano à região. A revista The Economist afirmou que Taiwan é hoje o lugar mais perigoso da Terra e que uma guerra no país seria uma catástrofe não só em termos humanos, mas também econômicos – tudo por causa dos chips.
Nos EUA, as gigantes de tecnologia, que sofrem com a falta de semicondutores, têm pressionado o governo para liberar financiamento para a construção de fábricas de semicondutores. O programa de US$ 2,3 trilhões de investimentos em infraestrutura do presidente Joe Biden prevê US$ 50 bilhões para a indústria de chips.
O consultor Marcio Kanamaru, sócio da KPMG, afirma que o problema da escassez dos chips pode ser minimizado até o início do ano que vem, mas não resolvido.
“Se tudo for acelerado e fábricas começarem a ser construídas no próximo semestre, serão necessários pelo menos dois anos para a situação começar a se normalizar. Talvez fábricas menores possam ser construídas rapidamente para atender a demandas emergenciais.”
Marcio Kanamaru
Preço nas alturas
A falta de semicondutores em todo o mundo pressiona as empresas brasileiras que montam as placas eletrônicas usadas hoje por praticamente qualquer equipamento eletrônico.
Elas relatam aumento de preços que se aproximam de 280% e atraso de até seis meses na entrega das matérias-primas. Na Standard America, que tem fábrica em Campinas e produz placas utilizadas pelas indústrias automotiva, agrícola, aeronáutica e médica, as linhas de produção tiveram de ser desligadas e religadas diversas vezes entre janeiro e março.
“Teve semana que ficavam paradas um dia, em outra, quatro dias, sempre à espera de componente”, diz o presidente da empresa, Hidalgo Dal Colletto. “Agora, também estamos tendo muito desafio de compra. O mercado está de ponta cabeça’’, afirma.
Segundo Dal Colletto, semicondutores que antes da pandemia custavam R$ 1,80 agora são vendidos a R$ 6,80, uma alta de 278%. Na média, porém, os reajustes ficam em 30%.
Além de mais caros, os componentes também demoram mais para chegar. Segundo Dal Colletto, os atrasos começaram há dez meses e, agora, o que era entregue por distribuidores em dois dias precisa de 180 dias. Quanto mais específico for o chip, maior o prazo de entrega.
Não são apenas eletrônicos
A Volkswagen anunciou nesta segunda-feira (31) a suspensão da produção nas fábricas de São José dos Pinhais (PR) e Taubaté (SP) por falta de insumos. A paralisação deve durar dez dias, segundo a empresa.
A empresa também afirma que desde a virada do ano a escassez global de semicondutores tem causado problemas na indústria automotiva.
Na última sexta-feira (28), sindicato dos trabalhadores de Taubaté (SP) afirmou que a unidade da Volkswagen na cidade suspenderia sua operação, com férias coletivas para os funcionários.
Segundo o sindicato, a fábrica de Taubaté emprega 2.000 trabalhadores. A empresa não diz quantos funcionários trabalham na unidade de São José dos Pinhais, apenas que emprega 13.500 funcionários em suas quatro fábricas no Brasil.
Com informações do Uol e Folha de S.Paulo