Pelo menos 155 milhões de pessoas enfrentaram a fome e níveis alarmantes de insegurança alimentar em 2020. As múltiplas causas são conflitos, eventos climáticos extremos e choques econômicos ligados em parte à Covid-19. A crise sanitária revelou a crise do sistema alimentar global e a necessidade de sistemas mais justos, sustentáveis e resilientes para alimentar de forma nutritiva e consistente 8,5 bilhões de pessoas até 2030.
Os dados sobre a fome do mundo são de um novo relatório, lançado por agências da Organização das Nações Unidas (ONU) e parceiros, na última quarta-feira (5). Segundo a Rede Global Contra a Crises Alimentares (GNAFC) , que organiza o Relatório Global sobre Crises Alimentares 2021, os níveis de fome já não eram tão ruins nos últimos cinco anos nos 55 países analisados. No entanto, 20 milhões de pessoas a mais passaram fome no ano passado do que em 2019.
O documento destaca que os países da África permaneceram “desproporcionalmente afetados”. Os conflitos foram a principal causa da fome, levando quase 100 milhões de pessoas à insegurança alimentar aguda. Em seguida, vieram os choques econômicos, responsáveis por 40 milhões de pessoas nessa situação, e os eventos extremos climáticos, que empurraram 16 milhões à fome.
“É necessária uma transformação radical dos nossos sistemas agroalimentares para alcançar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável”, afirmaram os membros fundadores da Rede Global, juntamente com a Agência de Desenvolvimento internacional dos Estados Unidos (USAID), em um comunicado.
Em março de 2021, o chefe da ONU, Guterres, estabeleceu uma força-tarefa de prevenção da fome, liderada pelo chefe de alívio de emergências da ONU, Mark Lowcock, junto com a FAO e o WFP e com o apoio do Escritório das Nações Unidas de Coordenação de Assuntos Humanitários (OCHA) e outras agências da ONU, assim como ONGs parceiras. A força-tarefa visa trazer atenção coordenada de alto nível para a prevenção da fome e mobilizar apoio para os países mais afetados.
Fome não é somente na África
Outras partes do mundo não foram poupados, países como Iêmen, Afeganistão, Síria e Haiti fazendo parte das 10 piores crises alimentares do ano passado.
Os autores do relatório, como a ONU, a União Europeia, agências governamentais e não governamentais também observaram que 39 países e territórios passaram por crises alimentares nos últimos cinco anos.
Nesses países e territórios, a população afetada por altos níveis de insegurança alimentar aguda (IPC 3 ou pior) aumentou de 94 para 147 milhões de pessoas, entre 2016 e 2020, disse a rede global.
Nos 55 países e territórios em crise alimentar contemplados pelo relatório, mais de 75 milhões de crianças menores de cinco anos sofriam de atrofiamento e pelo menos 15 milhões apresentavam sinais de desgaste em 2020.
Embora o conflito continue a ser o principal fator das crises alimentares em 2021, a Covid-19 e suas medidas de contenção relacionadas e os extremos climáticos continuarão a exacerbar a insegurança alimentar aguda em economias frágeis.
Fome no Brasil
Uma pesquisa da Fundação Getúlio Vargas (FGV) aponta que, durante a pandemia de Covid-19, a população que vive abaixo da linha da pobreza no Brasil triplicou. O número, que era de 9,5 milhões de pessoas em agosto de 2020, passou para mais de 27 milhões em fevereiro de 2021.
A Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar( Rede Penssan) , divulgou o “Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19” que mostrou que 19,1 milhões de brasileiros, o equivalente à população da Grande São Paulo, não têm o que comer.
Em um país onde o auxilio emergencial que não garante nem um terço da cesta básica, mostra que em 2020 o governo deu o auxílio a quase 68 milhões de brasileiros, mas em 2021 o público é de 45,6 milhões. Mesmo com parcelas de R$150 famílias sofreram com perdas de renda, onde houve um corte superior a 22 milhões de pessoas (o equivalente a um terço do total) nesse período.
Hortas urbanas
A criação de hortas urbanas pode auxiliar no combate à fome na cidade de São Paulo. É o que indica o projeto ‘São Paulo Composta, Cultiva’. Liderado pelo Instituto Polis, que articula em prol de avanços na gestão dos resíduos orgânicos na cidade e de estímulos ao desenvolvimento da agroecologia.
A proposta do projeto São Paulo Composta, Cultiva sugere a criação de hortas orgânicas a fim de amenizar o cenário de fome da cidade. A meta considera o enorme potencial de produção agrícola da Região Metropolitana de São Paulo (RMSP), capaz de abastecer 20 milhões de pessoas com hortaliças, conforme recente estudo realizado pelo Instituto Escolhas.
O gestor ambiental e pesquisador do projeto São Paulo Composta, André Ruoppolo Biazoti explica que, as hortas que estão sendo propostas devem estar incorporadas ao Programa de Agricultura Urbana e Periurbana de São Paulo (PROAURP), que existe desde 2004, mas se encontra fragilizado.
Para a iniciativa, hortas possibilitam o encurtamento do sistema alimentar, aproximando os produtores dos consumidores e evitando intermediários, o que supriria a ausência de alimento fresco em algumas regiões da cidade e oferece uma oportunidade de geração de renda para a população.
“Em locais conhecidos como desertos alimentares não é possível encontrar alimentos frescos de qualidade, apenas industrializados. Nessas regiões, as hortas poderiam garantir o abastecimento alimentar para as famílias e ainda poderiam incentivar a geração de renda por meio da comercialização de hortaliças.”
André Ruoppolo Biazoti
Com informações da ONU e Ciclovivo