Por Domingos Leonelli – O Presidente Lula, por vezes, confunde seu adorável jeito popular de falar com a complexidade dos fenômenos. Em certas ocasiões, ele reconhece os equívocos, pedindo desculpas de forma sincera e clara, como foi o caso das referências à saúde mental dos brasileiros. Em outras situações, ele corrige o sentido contextualizando melhor suas falas, como ocorreu com a guerra da Rússia x Ucrânia.
No entanto, há casos em que seus pronunciamentos parecem refletir equívocos de convicção. A determinação feita na última reunião ministerial, na qual os ministros foram proibidos de ter novas ideias, dá a impressão de que o governo não pretende inovar em nada. Ao unirmos essa proibição ao fato de que o governo está utilizando seu estoque do passado ao reforçar programas como o Bolsa Família, o Mais Médicos, a Farmácia Popular, o Minha Casa Minha Vida e a retomada do PAC, pode-se interpretar que o governo Lula 3 será apenas uma repetição dos governos anteriores.
Entretanto, objetivamente, não será assim. A sociedade brasileira mudou em todos os aspectos, tanto na política quanto na economia, cultura e sociedade em si. Embora enfrentemos problemas sociais seculares que persistem até hoje, a maneira de abordá-los certamente não será a mesma de vinte anos atrás. Por exemplo, a política atual não contava com a existência de uma ultra-direita organizada, subversiva, armada e com forte apoio popular. O Congresso Nacional reflete a aliança dessa ultra-direita com o fisiologismo movido por interesses financeiros. A economia, tanto no cenário nacional quanto no internacional, passou por imensas mudanças no âmbito do capital e do trabalho. E na sociedade, os problemas de saúde, educação e segurança pública tornaram-se cada vez mais complexos em suas proporções e formas.
Mais do que nunca, precisamos de novas ideias. A criatividade, além de ser essencial na nova economia mundial e brasileira, tornou-se uma necessidade primordial para governos e partidos. Nesse sentido, confio muito na habilidade criativa do próprio Lula em buscar aberturas para o centro, dividir o território inimigo e atrair setores econômicos e sociais. Alguns avanços em relação aos seus governos passados já foram feitos com sucesso político, como o enfrentamento ao capital financeiro no que diz respeito aos juros. O governo fez uma grande concessão ao mercado financeiro com o Arcabouço Fiscal, mas ao mesmo tempo está corajosamente confrontando o Banco Central. Também na política externa, retomamos a liderança na América do Sul e marcamos uma saudável distância dos ditames norte-americanos.
Contudo, após esgotar o estoque do passado, que foi bem-vindo e acertado, repito, precisamos de novas bandeiras criativas para o presente e o futuro. Ideias com forte apelo popular, especialmente para a juventude. O SUS precisa de um fortalecimento urgente após sua fase áurea durante a pandemia. A revolução criativa na educação precisa ocorrer. O impacto da economia criativa na Amazônia deve ser sentido sem derrubar árvores nem contaminar rios, transformando nosso patrimônio ambiental e biodiversidade em produção sustentável nas cadeias globais de valor. Isso garantirá emprego e renda para os 28 milhões de amazônidas e orgulho para todos os brasileiros.
Devemos criar bandeiras centrais fortes com apelo à soberania nacional, como a de um Brasil potência criativa e sustentável. Uma fala presidencial nunca se restringe ao ambiente em que é pronunciada, pois representa uma mensagem para toda a sociedade. Assim, proibir os ministros de terem novas ideias pode passar para a sociedade a ideia de que se quer inibir o maior potencial do nosso povo, que é a criatividade.
Assim como a rebelião da juventude francesa de 1968 decretou e Caetano musicou genialmente: “Eu digo não, eu digo não, É proibido proibir, é proibido proibir”…