
Proposta que regulamenta a educação domiciliar, o chamado homeschooling no Brasil, tramita na Câmara dos Deputados e pode ser aprovado até o fim do mês de maio.
O projeto, que é um substitutivo do PL 2401/2019 e promessa de campanha de Jair Bolsonaro (sem partido), foi elaborado pelo Ministério da Educação (MEC) em conjunto com o Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos (MDH). A relatora da matéria é Luiza Canziani (PTB-PR), considerada moderada nas relações com governo e educadores.
A deputada apresentou parecer com diversas mudanças, que devem ser incorporadas ou rejeitadas pela Câmara, Senado e pelo Executivo. O projeto e o parecer serão votados em plenário em regime de urgência.
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O que é homeschooling?
Termo em inglês para educação domiciliar (em tradução livre escolarização em casa), é uma modalidade de ensino em que famílias escolhem ensinar seus filhos fora da escola, ou seja, em suas casas. Há casos em que os responsáveis oferecem os conteúdos às crianças ou contratam professores particulares.
O conceito é muito diferente da metodologia adotada atualmente de atividades não presenciais, por força da pandemia da Covid-19, que se trata de uma adaptação da educação convencional para o atual momento, ligada diretamente às escolas.
O que prevê o projeto
A educação domiciliar no Brasil, se regulamentada no formato proposto pela relatora do projeto sem modificações, funcionará sob uma série de regras que devem ser cumpridas pelas famílias. No projeto sem as modificações, por exemplo, as crianças que seguem esse modelo não precisam ter vínculo com a escola, mas, no texto da deputada, os responsáveis terão de matriculá-las.
Os conteúdos oferecidos deverão ser alinhados à Base Nacional Comum (BNCC) e o texto da relatoria sugere que as famílias podem perder o direito da educação domiciliar caso descumpram as regras ou o estudante seja reprovado em dois anos consecutivos ou três não consecutivos.
A proposta tem ainda uma série de determinações que devem ser cumpridas pelas famílias junto às escolas, como o compartilhamento dos materiais, avaliação, eventos, entre outros. Conforme as alterações da relatora, o papel da escola e se elas poderão cobrar as famílias serão regulamentadas pelo Conselho Nacional de Educação (CNE).
Educação domiciliar é controversa
O projeto substitutivo sem as mudanças da relatora sugere regras mais rígidas que a proposta anterior, mas que ainda são consideradas insuficientes por especialistas. Alunos que estudam em casa seriam submetidos a avaliações trimestrais e os pais teriam que “assegurar a convivência comunitária” das crianças, mas não fica claro como isso seria fiscalizado.
O projeto, que substitui inciativa anterior também do governo Bolsonaro, diz que o homeschooling deve ter “como base os conteúdos curriculares mínimos referentes ao ano escolar”, mas se for votado sem incorporar as mudanças da relatoria, não prevê alinhamento obrigatório com a BNCC.
Ainda na avaliação de especialistas de educação, a priorização do tema na agenda do Congresso é um erro do governo federal, que negligencia outras agendas que atendem uma quantidade muito maior de alunos e são urgentes, como a regulamentação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) e a Lei do Piso, que está desatualizada.
Segundo Lucas HoogerBrugge, gerente de Estratégia Política no Todos Pela Educação, outras pautas de maior relevância para a recuperação da educação pós pandemia deveriam ser priorizadas ao invés da proposta de campanha de Bolsonaro. “Há um projeto de lei para coordenar a volta às aulas, outro para expandir a conectividade dos alunos e também há a respeito de políticas docentes, que precisam ser discutidas”, completa o especialista.
Segundo estimativa da Associação Nacional de Ensino Domiciliar (Aned), a modalidade tem quase 18 mil alunos no país — apenas 0,04% do total de estudantes brasileiros no ensino regular.
Visão socialista sobre o tema
O deputado estadual Paulo Dutra (PSB – PE), em artigo publicado no site do Partido Socialista Brasileiro (PSB) em 2019, afirma que as instituições de ensino e os espaços pedagógicos precisam ser valorizados pelo poder público. Segundo o socialista, eles “não podem, sob circunstância alguma, serem negados ou terem suas responsabilidades repassadas a outras esferas”. Para Dutra, a vivência dos conteúdos, a interação estudante-estudante e professor-estudante são fundamentais no processo de aprendizado.
“Lutar pela escola é batalhar pelo futuro de nossas crianças. Assim, a defesa da educação básica só será alcançada por meio da união de todos os educadores e trabalhadores da educação para uma luta democrática contra a aprovação do referido PL. Somente em conjunto será possível garantir a manutenção dos direitos da nossa juventude a uma educação verdadeiramente transformadora.”
Paulo Dutra
A tese defendida pelo deputado alinha-se com a ideia de que as condições de ensino e os investimentos nas escolas não irão crescer se o país não compreender a importância da convivência escolar e da qualificação desses espaços como forma de atender melhor a imensa maioria de estudantes brasileiros, que não estão enquadrados nos requisitos previstos para o homeschooling.
Municípios e estados podem regulamentar o homeschooling?
A cidade de São Paulo também tem discutido o tema em sua Câmara de Vereadores, onde hoje tramita um projeto de lei que também procura regulamentar o ensino domiciliar. Mas esse debate, segundo especialistas, não compete à esferas municipais e estaduais.
Professora de Teoria do Estado na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), Nina Ranieri, especialista em direito educacional, afirma que o município não tem competência para regulamentar o homeschooling por causa da Constituição Federal.
“Legislar sobre educação é dever do governo federal. Os estados, seguindo artigo 24, e o Distrito Federal têm competência. Então, a Câmara (Federal) vai legislar e os estados podem complementar, mas o município não”, explicou a professora.
A especialista afirma ainda que a modalidade é ilegal no país. “O STF (Supremo Tribunal Federal) não declarou constitucional. Ele disse que a Constituição não veta, mas se não houver uma lei nacional sobre o ensino domiciliar, ele não pode ser oferecido”, disse.
Caso seja o projeto seja aprovado e sancionado, a professora aponta que a lei pode ser anulada, judicializando ainda mais o tema. “Existe na Constituição a obrigação da matrícula, se a criança está matriculada e não comparece, ela é prejudicada”, completa Nina.
Com informações de Uol, PSB 40 e O Globo