Em meio ao atual aumento no preço dos alimentos, o consumo de produtos mais baratos, mas de baixo valor nutricional, também tende a crescer. Exemplo disso é a perspectiva da ampliação do faturamento que a venda de macarrão instantâneo no Brasil deve impulsionar na indústria de massas alimentícias para esse ano: entre 5% e 10%, segundo a Associação Brasileira das Indústrias de Biscoitos, Massas Alimentícias e Pães e Bolos Industrializados (Abimapi). Nesse cenário, organizações e institutos, como o Armazém do Campo e o Instituto Baru, se destacam pela comercialização de produtos de qualidade a um preço justo.
No Instituto Baru, situação no município de São Paulo, por exemplo, o preço de frutas, verduras e legumes não aumenta há pelo menos dois anos, desde que a organização abriu as portas. No setor de armazém, que envolve a comercialização de produtos como grãos, laticínios e padaria, houve um aumento, mas não tão significativo, como informa Pedro Zolli, um dos membros do Baru.
Segundo Zolli, o Instituto consegue promover um preço acessível a alimentos saudáveis ao tirar “a gordura que todos os outros estabelecimentos colocam em cima” da comida ofertada pelos produtores. “A gordura a que eu me refiro diz respeito à quantidade de atravessadores, por cada pessoa que um alimento passa que coloca uma margem e um lucro desenfreado”, afirma.
“O objetivo é simplesmente lucro. Quanto mais essa visão imperar, mais essa gordura vai existir e menos importância ao ser humano, à terra ou ao que importa vai ser colocado à mesa.”
Esta também é a explicação de Ramos Figueiredo, um dos membros do Armazém do Campo do Recife (PE), ligado ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST): a ausência de atravessadores. “Não é uma loja de atravessadores, não é uma loja que compra produtos e que colocam a margem de lucro grande em cima, na perspectiva de gerar capital”, afirma.
Um exemplo é a comercialização da água de coco. Um litro do produto, que utiliza de três a cinco cocos em média, pode ser encontrado em supermercados entre uma média de R$ 7 a R$ 10. No entanto, “o coco sai da roça a menos de 20 centavos e chega na mesa da pessoa por quase 10 reais”, explica Figueiredo. “Diferente do comércio normal pautado pelo capital em que os preços estão subindo, o Armazém, pelo menos aqui em Recife, tem se garantido com a mesma margem de venda e de preço nos últimos três meses sem nenhuma alteração.”
O aumento no preço dos alimentos em dados
Em um ano, o “prato feito” subiu praticamente o triplo da inflação, segundo um levantamento feito por Matheus Peçanha, pesquisador e economista do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV IBRE): 22,57% no acumulado de 12 meses diante de 8,75% do Índice de Preços ao Consumidor (IPC) no mesmo período. Em julho do ano passado, o índice do acumulado de 12 meses em cima do prato feito bateu 12,21% e em relação à inflação, 8,35%, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Nesta conta, Peçanha considerou 10 itens. Entre os que tiveram uma alta no preço, estão arroz (37,5%), tomate (37,24%), carne bovina (32,69%), frango inteiro (22,73%), feijão preto (18,46%), ovos (13,5%) e alface (9,74%). Do total, apenas o preço de três itens diminuiu: cebola (-39,82%), batata inglesa (-19,33%) e feijão carioca (-5,44%).
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No município de São Paulo, onde está situado o Instituto Baru, uma das cidades com o maior custo de vida do país, o valor da cesta básica – composto por 39 produtos que balizam o gasto do brasileiro entre alimentos e itens de higiene e limpeza doméstica – chegou a R$ 1.064,79, em julho deste ano, uma diferença de apenas R$ 35 em relação ao salário mínimo, hoje de R$ 1.100. A diferença é insuficiente até mesmo para comprar um quilo de carne vermelha dependendo da região da capital paulista. O valor da cesta básica também representou um aumento de 22,18% em 12 meses.
Na média brasileira, a proporção entre o valor da cesta básica e do salário mínimo foi de 58% em julho deste ano. Isso significa que a cesta custou mais do que a metade do salário mínimo. Em dezembro do ano passado, a proporção foi de 60%, o maior percentual desde julho de 2008. Os dados de São Paulo e do Brasil são do Núcleo de Inteligência e Pesquisas do Procon-SP em convênio com o Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese).
Alimentos como commodity
Para além da inflação, o aumento no preço do alimento pode ser explicado pelo modelo de produção e consumo estabelecido no Brasil. Segundo Adriana Charoux, coordenadora da campanha “Agroecologia contra a Fome”, do Greenpeace Brasil, a alta dos preços está diretamente relacionada ao agronegócio. “Que “privilegia muito mais a exportação, a concentração de riqueza e o lucro nas mãos de poucos à custa de um encarecimento brutal dos alimentos e de um aumento exponencial da fome da população brasileira”.
Um estudo divulgado pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), vinculada ao Ministério da Agricultura, ainda em junho deste ano, mostrou que o Brasil já é o quarto maior produtor de grãos do mundo, atrás somente da China, dos Estados Unidos e da Índia, e o segundo maior exportador dos produtos, sendo responsável por 19% do mercado internacional.
Isso significa que, com o agronegócio brasileiro com vistas extensivamente ao mercado global, a precificação dos alimentos se dá essencialmente em dólar, ainda que seja comercializado no país. Mais uma consequência: com a exportação de uma grande quantidade de alimentos, explicitada pelo boom das commodities que deve durar ainda pelo menos mais dois anos, há o desabastecimento do mercado doméstico, o que também força o aumento no preço.
“Se pensarmos que a soja é estabelecida pela Bolsa de Chicago e outras bolsas, esse processo de especulação brutal reforça essa ideia que comida é mercadoria. (…) Esse cenário só tende a piorar, porque com o boom da produção de commodities no mercado global, que mais do que nunca estão muito valorizadas, o Brasil continua apostando no agronegócio como o grande caminho para segurar as pontas”, afirma Charoux.
Agroecologia como caminho ao desenvolvimento
Para Charoux, ao vestir a camisa da agroecologia, está na hora dos brasileiros saírem do supermercado. “Ao comprar tudo no supermercado acaba fortalecendo essa lógica perversa de encarecimento brutal dos alimentos que aumentam a fome e a insegurança alimentar. Canal de comercialização é tudo. Tudo depende de onde você compra esse alimento. Se você compra diretamente do produtor, você de verdade consegue acessar alimentos saudáveis, muito mais nutritivos e muito mais adequados do ponto de vista ambiental”.
Por trás das organizações como o Armazém do Campo e o Instituto Baru, estão os produtores que plantam com base na agroecologia, que, diferente das produções em larga escala de uma única cultura, como a soja, do agronegócio, visa a produção de quantidades suficientes para suprir o mercado doméstico, respeitando a sazonalidade dos alimentos, bem como o limite de produção da terra.
“A gente se pauta naquilo que são os valores da agroecologia. Então aquilo que está na prateleira não é necessariamente aquilo que naquele momento o consumidor quer consumir, mas é muitas vezes é aquilo que a natureza dá como possibilidade. Isso faz com que o preço tenha um diferencial. Se você está colhendo no tempo correto, tem mais colheita, tem possibilidade de entrar no comércio com um preço acessível, mesmo sem ter assistência técnica, subsídio, nenhum apoio governamental”, afirma Figueiredo.
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Um dos fatores que ilustram o que Figueiredo chama de “nenhum apoio governamental” é o desmonte do orçamento para programas de incentivo à agricultura familiar e segurança alimentar e nutricional. Dados do Portal da Transparência, mantido pela Controladoria Geral da União (CGU), no ano passado, por exemplo, foram destinados R$ 168,2 milhões ao Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), dos quais apenas R$ 27,16 milhões foram efetivamente executados: um corte de 35% no orçamento e 71% ao que foi executado em relação a 2019, respectivamente, em meio à pandemia.
O programa estabelecia que a União comprasse alimentos de agricultores familiares e distribua, por exemplo, em escolas públicas. No dia 9 de agosto deste ano, o governo Bolsonaro publicou a Medida Provisória 1.061, que extingue o PAA e cria o Programa Alimenta Brasil. Em nota a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag) criticou a extinção do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e afirmou que o governo apresentou uma MP que não tem clara a fonte de recursos nem a estimativa orçamentária e financeira, um argumento utilizado por ele, inclusive, para vetar quase todos os projetos aprovados pelo Congresso Nacional; e o segundo ponto é que não tem nenhum parâmetro claro sobre questões centrais como a linha de base para a definição de situação de pobreza e extrema pobreza, além dos valores para os demais programas, como o Auxílio de Inclusão Produtiva.
Com informações do Brasil de Fato