Francia Márquez Mina é um nome a se conhecer e acompanhar. Ela pode vir a ser a primeira mulher negra na presidência da Colômbia. Sua pré-candidatura, anunciada em julho, já rompe muitas barreiras: ela é a primeira mulher negra a aspirar o cargo no país.
Advogada e ativista ambiental, Francia Marquez liderou um importante movimento para impedir a exploração de uma empresa de mineração em sua comunidade, La Toma. Foi nesse contexto que conheceu Angela Davis, ativista negra e feminista norte-americana. Desde então, em 2010, o reconhecimento internacional de Francia foi, merecidamente, crescente.
Ao receber o prêmio máximo de reconhecimento aos defensores da natureza, o Goldman Environmental Prize, em 2018, ela discursou em homenagem aos saberes ancestrais da sua comunidade.
“Na nossa comunidade, aprendemos que a dignididade não tem preço. A amar e valorizar o território como espaço de vida, e a lutar por ele, inclusive pondo em risco nossa própria vida”, disse, com a voz entrecortada, ainda pouco acostumada aos holofotes.
Agora, em fase de coleta de assinaturas para a candidatura para a eleição presidencial de 2022, Francia eleva sua voz, que é a voz de muitos, em um país marcado pela violência contra a população negra e o assassinato de defensores dos direitos humanos.
Segundo o grupo internacional Global Witness, só em 2019 foram assassinados 64 ativistas ambientais na Colômbia, tornando o país o lugar mais perigoso do mundo para os defensores do meio ambiente.
Seu movimento político na candidatura leva o nome “Soy Porque Somos”, da filosofia ubuntu que remete ao reconhecimento mútuo, também utilizado por Marielle Franco e muitas outras mulheres negras em suas lutas: “eu sou porque nós somos”.
Encontro de gigantes
Referência para movimentos de mulheres negras em todo o mundo, Angela Davis tem apoiado a candidatura de Francia Márquez à presidência da Colômbia. “Me dá muito orgulho e entusiasmo, não só pela Francia, mas pelo povo negro colombiano, pelos indígenas, pelos pobres, pelas mulhers negras na Colômbia, na América Latina e em todo o mundo”, proferiu, com um sorriso, em uma conferência virtual no último dia 7.
A ocasião foi um encontro online entre Angela Davis e Francia Márquez, onde levantaram temas como a violência em territórios racializados, a crise climática e a questão da representatividade em espaços de poder.
“Nossa luta não é apenas para desmantelar especificamente a institucionalização da violência do Estado”, ressaltou Angela Davis, ao criticar o sistema carcerário que vitimiza as populações negras no mundo.
“Mais do que isso, nossa perspectiva é reconhecer que não podemos focar apenas nas prisões e nas estruturas policiais, mas ver um cenário maior, fazer-nos perguntas maiores. Talvez uma dessas perguntas seja: como nossa sociedade deve ser para que não dependamos da violência do Estado?”, questionou.
Em mais de dois meses de greve nacional neste ano, a Colômbia contabilizou mais de 40 assassinatos nas repressões dos protestos em Cali, cidade com a segunda maior população afrodescendente no país.
Nesse sentido, Francia relembrou um protesto em uma prisão na Colômbia, em março deste ano, em que os presos reivindicavam melhores condições sanitárias no contexto da pandemia: o resultado foram 23 mortos e mais de 83 feridos pelas mãos do Estado.
“Há alguns anos, em outra conferência, um funcionário do Estado contava com muita alegria que haviam construído a maior prisão da América Latina aqui na Colômbia”, contou Francia. “Na época, eu estava batalhando para pagar minha universidade. Me parecia incrível que se estivesse celebrando a maior prisão da região, sem nunca termos ouvido algo semelhante sobre uma universidade”, destacou, para concluir em seguida: “O sistema carcerário na Colômbia é uma continuação da escravidão.”
Quando a mulher negra se levanta
Sempre retomando os saberes ancestrais, a pauta ambiental não é, para Francia, um tema à parte, mas parte do todo. “Somos vítimas da necropolítica, e os territórios racializados são os que mais sofrem a crise ambiental. Os ricos estão buscando outros planetas, mas é desse aqui que temos que cuidar”, pontuou.
Angela Davis destacou que “a esperança é uma disciplina”, apontando para o que Francia está fazendo na Colômbia. “Quando mulheres negras se levantam, o mundo se levanta com elas”, disse, ressalvando, depois, que não é suficiente que uma pessoa seja negra para que isso signifique avanços para a população.
“Algumas pessoas estão muito emocionadas com a Kamala Harris na vice-presidência dos Estados Unidos”, pontuou Davis. “Mas temos que ver as políticas e perguntar-nos se, por exemplo, Barack Obama, durante o tempo em que esteve na presidência, representou da maneira mais efetiva as pessoas pobres, negras, transgêneras. Temos que fazer a mesma pergunta sobre a Kamala Harris. A mudança não acontece pelo simples fato de alguém ser parte de um grupo oprimido”, concluiu.
Em concordância, Francia completou, sobre sua candidatura: “Para mim, ocupar um cargo no Estado não é a finalidade; a finalidade é dignificar a vida, é viver em lugares mais justos e dignos para todos. Chegar à presidência da Colômbia é um meio”, afirmou.
O potente encontro foi celebrado pelas ativistas em uma militância em conjunto e como exemplo de solidariedade internacional. Com Angela nos Estados Unidos e Francia na Colômbia, ambas concordaram que, em tempos de pandemia, fica cada vez mais evidente que as respostas às perguntas mais complexas e profundas sobre os problemas das nossas sociedades, aprofundados com a covid-19, emergem da coletividade.
Com informações do Brasil de Fato