Secretarias estaduais de Saúde têm defendido que o Ministério da Saúde use as 3 milhões de doses de cloroquina doadas pelo governo dos Estados Unidos e por empresas farmacêuticas para trata outras doenças cujo tratamento é previsto em bula, e não para a Covid-19. A intenção foi revelada em uma reportagem publicada pelo jornal Folha de S. Paulo, nesta sexta-feira (31).
A tentativa ocorre em meio à discussão sobre a destinação dos medicamentos, que vieram em caixas com cem comprimidos. Pelo volume, haveria necessidade de fracionar doses para uso em pacientes com o novo coronavírus, o que geraria custo extra aos estados. Ao mesmo tempo, novos estudos têm apontado a ineficácia no uso da cloroquina para tratar a Covid-19.
“O ministério [da Saúde] tem esse estoque e quer abastecer os estados. A gente vai receber, mas não para Covid-19. Vamos receber para as outras doenças”, disse Carlos Lula, presidente do Conass, conselho que reúne secretários estaduais de saúde.”Como esses comprimidos vieram em frascos de cem, teríamos de contratar farmácia de manipulação para fracionar e não vamos fazer isso”, afirmou o gestor.
Em nota assinada pelos diretores do conselho, o grupo diz que “a sugestão, em resposta ao ministério, é que fique facultada às secretarias de saúde a opção de utilização da substância para portadores de doenças cujo medicamento está devidamente indicado em bula”. “Para essas indicações, por se tratar de pacientes crônicos, a dispensação não necessita de fracionamento”, diz.
Cloroquina para malária, lúpus e artrite
A hidroxicloroquina e a cloroquina são indicadas para tratamento de doenças como malária, artrite e lúpus.
Alvo de defesa do ministério, a pressão para uso também para a Covid tem gerado incômodo em parte do grupo de gestores estaduais – nos últimos meses, alguns deles chega a fazer notas técnicas em que não indicam o uso do remédio para a doença, embora afirmem que a decisão pela prescrição cabe ao médico.
“Respeitamos o direito do médico de prescrever, mas já há entendimento de que a cloroquina não tem resultado”, disse o presidente do Conass.
Saúde sem definição
Questionado sobre a proposta dos gestores de que a hidroxicloroquina doada pelos EUA seja destinada para uso em pacientes nos casos previstos em bula, o Ministério da Saúde não respondeu.
Nos últimos dias, no entanto, a pasta tem informado que pretende organizar o fracionamento do remédio por meio de laboratórios oficiais, mas não informou se esse trabalho já começou a ser feito e qual a previsão de entrega.
Recentemente, a pasta chegou a discutir a possibilidade de fracionamento com apoio de Farmanguinhos e da Fundação Ezequiel Dias (Funed). A Fundação confirmou que foi consultada pelo ministério sobre a possibilidade de fracionar doses, mas disse que não foi orientada até o momento a fazer o procedimento. A Farmanguinhos afirmou estar apta a fornecer embalagens, mas que não recebeu nova orientação até o momento.
Para Lula, mesmo com a possibilidade de fracionamento pelo ministério, gestores devem manter a proposta para que o remédio seja distribuído a estados que quiserem fazer uso para os casos previstos em bula, já que o fracionamento poderia gerar custos à União. Ele calcula que, com isso, o estoque para essas doenças dure até um ano.
Doação dos EUA
A doação de 2 milhões de comprimidos de hidroxicloroquina dos EUA foi anunciada pelos governos americano e brasileiro no fim de maio. O restante foi doado por empresas farmacêuticas.
Na declaração de anúncio da doação dos EUA, os governos afirmavam que o medicamento seria usado “como profilático para ajudar a defender enfermeiros, médicos e profissionais de saúde do Brasil contra o vírus” e também no tratamento de infectados pelo vírus. O uso profilático, porém, não é recomendado.
4,8 milhões de comprimidos
O material está “sob guarda” no almoxarifado da pasta e no laboratório do Exército. Além desse montante, o ministério soma ainda 472 mil comprimidos de cloroquina em estoque – o que, na prática, indicaria ao menos 3,5 milhões desses medicamentos.
O ministério, porém, negou que a quantidade recebida dos EUA e de farmacêuticas possa ser contabilizada como estoque. O argumento é que o remédio não foi adquirido pela pasta, mas doado.
Ainda de acordo com a pasta, foram distribuídos até agora 4,8 milhões de comprimidos de cloroquina para a Covid-19 a estados e municípios.
Nos últimos meses, a pressão do presidente Jair Bolsonaro para ampliar a oferta do remédio no SUS (Sistema Único de Saúde), mesmo sem comprovação científica, foi um dos fatores que levaram a queda dos ex-ministros da Saúde Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich.
Com informações da Folha de S.Paulo