Andrea Barbosa, ex-mulher de Eduardo Pazuello, ex-ministro da Saúde, procurou a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Pandemia no Senado e se ofereceu para depor. Identificada como Andrea, ela enviou um e-mail indicando questões que poderia tratar em um possível depoimento sobre atos do ex-marido. A CPI avalia se vai chamá-la.
Andrea mora em Manaus (AM). É provável que a decisão seja tomada após conversa prévia com o presidente da CPI, senador Omar Aziz (MDB-AM), e outros integrantes do colegiado. As informações são do colunista Lauro Jardim, do jornal O Globo.
O líder da Minoria na Câmara, Marcelo Freixo (PSB-RJ), afirma que “não vai sobrar nada” do governo.
O líder do PSB na Câmara, Danilo Cabral (PSB-PE), também vê o fim do governo se aproximar.
Foco da CPI e impeachment
As suspeitas relacionadas à compra da vacina viraram o foco da CPI após as revelações de suspeitas de superfaturamento. Na sexta-feira (25), os depoimentos dos irmãos Miranda – deputado bolsonarista Luis Miranda (DEM-DF) e seu irmão, o servidor do Ministério da Saúde, Luis Ricardo Miranda – exaltou ânimos e levou a família Bolsonaro para o centro do escândalo.
Ao Ministério Público Federal (MPF), o servidor relatou ter sofrido pressão atípica para liberar a importação da Covaxin. O que ele confirmou aos senadores da CPI. O MPF também havia identificado indícios de crime.
Neste domingo, Luis Miranda disse que seu irmão teve o acesso ao sistema do Ministério da Saúde bloqueado.
Freixo afirma que “propinoduto” não será escondido.
Mais provas de atuação do governo contra Pfizer
Paralelamente, a CPI tem mais provas de que o governo atuou para dificultar a compra da vacina da Pfizer. Um documento entregue à CPI mostra que o Ministério da Saúde questionou a farmacêutica, em 27 de novembro de 2020, se caso o Brasil fechasse contrato, ela entregaria as vacinas “em todos os pontos de vacinação indicados (atualmente são 38 mil pontos de vacinação, podendo ser ampliados), incluindo áreas remotas (como tribos indígenas com acesso por rios e/ou aeronaves)”.
O que para os senadores é mais uma prova de que o governo atuou deliberadamente para retarda a compra do imunizante. Isso porque quem faz a distribuição de vacinas em todo o país é o Ministério da Saúde. Além disso, não há registro de nenhum documento similar na CPI de que um questionário como o que foi aplicado à Pfizer, com 53 perguntas, tenha sido aplicado à outras empresas.
Governo ignora recomendação jurídica por Covaxin
Por outro lado, o governo Jair Bolsonaro assinou a toque de caixa o contrato de R$ 1,61 bilhão para a compra da vacina indiana Covaxin, sem atender a tempo a um conjunto de dez recomendações feitas pela consultoria jurídica do Ministério da Saúde, formada por integrantes da AGU (Advocacia-Geral da União). A consultoria concluiu um parecer pela viabilidade jurídica do processo de compra, “condicionada ao atendimento das recomendações” descritas no documento.
Faltou o ministério, por exemplo, justificar porque dispensou pesquisa de preços, apresentar porque optou pela contratação de 20 milhões de dores e definir qual o papel da Precisa Medicamentos – representante ou distribuidora dos imunizantes indianos da Bharat Biotech.
O jornal Folha de S. Paulo teve acesso à íntegra do processo administrativo relacionado à contratação da Precisa e da Bharat Biotech, onde constam os pareceres jurídicos da AGU.
Rapidez inexplicável
O parecer elaborado após análise da minuta do contrato, que fez as dez recomendações, foi concluído às 14h09 de 24 de fevereiro deste ano. Às 19h38 do mesmo dia, pouco mais de cinco horas depois, o Ministério da Saúde enviou um ofício à representante da Precisa, Emanuela Medrades, convocando-a para a assinatura do contrato.
A convocação estabelecia que o prazo para essa assinatura era de três dias. O contrato entre Ministério da Saúde e Bharat Biotech, representada pela Precisa Medicamentos, foi assinado às 14h28 do dia 25, pouco mais de 24 horas após a conclusão do parecer jurídico.
Pelo contrato, o ministério deveria receber 20 milhões de doses até 6 de maio, o que não ocorreu. Cada dose contratada custa US$ 15 (R$ 80,70), o maior valor dentre os imunizantes contratados pela pasta. O dinheiro para a compra – R$ 1,61 bilhão – está empenhado desde 22 de fevereiro. Ou seja, o valor, embora não tenha sido pago, está reservado.
Recomendações ignoradas
Das dez recomendações feitas pela AGU, apenas três foram cumpridas antes da assinatura do contrato, como mostram os documentos analisados pela Folha. Outras três foram ignoradas. E, no caso de quatro delas, o ministério indica em documentos que buscou atender às sugestões, mesmo que apresentando apenas explicações genéricas.
Uma correção dizia respeito à inexistência de declaração de que as empresas não empregam adolescentes. Outra, sobre a falta de clareza quanto à atribuição da Precisa no processo. Documentos apresentados colocaram a empresa como representante da Bharat, com capacidade de assinar contratos. Foi assim que a Precisa apareceu no contrato, e não como distribuidora. Também houve alterações contratuais a partir de sugestões da área jurídica.
Qualidade das vacinas
Não aparecem no processo, porém, as medidas adotadas para garantir a qualidade das vacinas. Também não fica clara justificativa para a dispensa de pesquisa de preços e de atestado de “razoabilidade” dos valores praticados.
A respeito dos critérios usados para definir a quantidade de 20 milhões de doses, uma cobrança feita pela AGU, a pasta afirmou, no curso do processo: “Frente ao contexto de emergência de saúde pública de importância internacional por surto do novo coronavírus e considerando a escassez da vacina no mercado mundial, realizamos a aquisição do quantitativo total ofertado pela empresa”.
A Folha também questionou o Ministério da Saúde sobre o parecer jurídico e a assinatura do contrato sem atendimento às recomendações. A pasta disse que os questionamentos deveriam ser enviados à Secretaria Especial de Comunicação Social (Secom) do governo federal, e assim foi feito. Não houve resposta.
Com o escândalo, o governo disse que avalia anular o contrato, no momento em que avançam as investigações sobre possíveis irregularidades. A Precisa Medicamentos disse, em nota, que foi transparente e seguiu a legislação ao negociar a Covaxin. Ela nega ter existido qualquer vantagem ou favorecimento.
Centrão no comando da Saúde
Áreas estratégicas do Ministério da Saúde para a compra de vacinas estão nas mãos de políticos do Centrão, principal grupo de sustentação do presidente Jair Bolsonaro no Congresso, e de militares. O bloco informal de partidos de direita e centro-direita tem, entre seus líderes, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-PR), e o líder do governo Ricardo Barros (PP-PR), citado nominalmente por Bolsonaro, segundo Luis Miranda, como possível envolvido em irregularidades na compra da vacina indiana Covaxin.
De acordo com reportagem do jornal O Globo, o chefe do Departamento de Logística do Ministério da Saúde, no qual está lotado o irmão do deputado, foi indicado por Barros e pelo deputado Pedro Lupion (DEM-PR), filho do ex-deputado Abelardo Lupion, um dos articuladores políticos de Bolsonaro.
O orçamento do Departamento de Logística é bilionário, superior ao de ministérios, como o de Ciência, Tecnologia, Inovação e Comunicações, que tem R$ 12,3 bilhões para gastar este ano. Segundo O Globo, somente em compras destinadas ao combate da covid-19, o DLog já fechou contratos de R$ 15,7 bilhões.
Ricardo Barros nega indicações
O chefe do órgão é Roberto Ferreira Dias, que ocupou cargo na gestão da ex-governadora paranaense Cida Borghetti, esposa de Barros. O líder do governo nega responsabilidade na indicação de Dias, nomeado, de acordo com o deputado do Paraná, quando ele ainda não estava alinhado com Bolsonaro.
A versão de Barros, conforme a reportagem, é contestada por outras fontes, que sustentam que ele indicou o chefe do departamento. Dias foi apontado por Luis Ricardo como um dos chefes que o pressionaram para que ele agilizasse o envio da documentação da Covaxin à Anvisa, mesmo com inconsistências nos recibos e documentação incompleta.
O farmacêutico Arnaldo de Medeiros assumiu a secretaria de Vigilância e Saúde por indicação do PL, comandado pelo ex-deputado Valdemar Costa Neto, que cumpriu pena por participação no mensalão. O órgão deu parecer favorável à Covaxin, em negócio intermediado pela empresa brasileira Precisa Medicamentos, também alvo da investigação.
A diretora de saúde ambiental da Fundação Nacional de Saúde (Funasa), Deborah Roberto, é casada com o líder do PL, deputado Wellington Roberto (PB). Ele alega que a indicação foi técnica.
Ascensão de militares na Saúde
A gestão de Eduardo Pazuello foi marcada pela ascensão de militares a cargos decisórios. São militares dois dos citados por Luis Ricardo Miranda como superiores que o pressionaram a comprar a Covaxin: o tenente-coronel Alex Lial Marinho, então coordenador-geral de Logística de Insumos Estratégicos, e Marcelo Bento Pires, assessor do ministro naquele período.
“Pazuello foi pressionado a deixar o cargo por expoentes do Centrão, como o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e o presidente do PP, senador Ciro Nogueira, que criticavam sua atuação no combate à pandemia. Em um discurso de despedida, Pazuello afirmou a integrantes da pasta que pressões políticas pesaram para a sua saída. O novo ministro, Marcelo Queiroga, substituiu alguns aliados de Pazuello nas secretarias, mas manteve o secretário de Vigilância indicado pelo PL”, diz a reportagem.
De acordo com a reportagem, procurados, o Ministério da Saúde e o Planalto não responderam sobre acusação de pressão sobre o servidor para agilizar os processos da Covaxin.
Pazuello é constrangimento para o Exército
Já o comando do Exército anda muito insatisfeito com todas as denúncias que pesam sobre o general Eduardo Pazuello, ex-chefe da Saúde. Em conversas privadas, o comandante do Exército, Paulo Sérgio Nogueira, não esconde dos mais próximos: quer Pazuello peça para ir para reserva o quanto antes. Hoje, Pazuello é um constrangimento à corporação, de acordo com o colunista Lauro Jardim, do O Globo.
A denúncia feita pelos irmãos Miranda antecipou a convocação das manifestações contra Bolsonaro e será incluída no superpedido de impeachment que será apresentado pela oposição na próxima quarta-feira. Parlamentares da oposição e independentes dizem que o presidente pode ser afastado do cargo caso seja comprovado que ele deixou de mandar investigar a acusação feita pelo deputado e seu irmão, por prevaricação.
Com informações de O Globo, Folha de S. Paulo, Congresso em Foco, Fórum, Ig