O Facebook está na mira da União Europeia (UE) e do Reino Unido. As investigações antitruste pretendem apurar como a big tech usa os dados de usuários para competir de maneira injusta com os anunciantes da plataforma. Esta é a primeira investigação em curso na Comissão Europeia nesse sentido e vai apurar se o Facebook utiliza os dados que reúne de seus anunciantes para competir contra eles em seus anúncios. O anúncio foi feito nesta sexta-feira (4).
Outro foco é verificar se a companhia atrela de forma irregular seu serviço de marketplace de anúncios de pequenos negócios a sua rede social. Os reguladores podem começar a levantar evidências formais de violações antitruste cometidas pelo Facebook, processo que pode resultar em notificações, advertências ou mesmo aplicação de multas severas para mudar a forma como a companhia opera.
As ações são separadas, mas ampliam a atuação europeia para tentar conter as big techs americanas. No cerne das investigações está como o Facebook utiliza seu vasto banco de dados, incluindo as informações vindas de perto de sete milhões de companhias que anunciam em seu marketplace.
Big techs na mira
As investigações da União Europeia e do Reino Unido têm como objetivo averiguar como as grandes companhias de tecnologia – as big techs – se valem seu tamanho e poder em determinada área para entrar em outras e expandir seus domínios. Por exemplo, a Amazon se posicionou como o maior varejista on-line para depois se tornar um importante player no setor streaming de vídeo – que por sinal acaba de comprar os estúdios MGM.
A Apple usou o iPhone e o iPad para operar um dos maiores serviços de pagamentos móveis do mundo com o Apple Pay, além de amarrar os desenvolvedores de apps à sua loja App Store. E o Google explorou seu domínio como mecanismo de busca em muitas áreas diferentes, especialmente para faturar mais na publicidade on-line, inclusive no YouTube.
Primeiro passo da União Europeia
O passo dado pela União Europeia nesta sexta-feira foi o primeiro para levar a investigação sobre a atuação do Facebook para além dos estágios preliminares. E vem na sequência de outros processos que têm na mira Google, Apple e Amazon. Anteriormente, a UE multou o Facebook por ter falhado em fornecer informações corretas sobre o processo de fusão na sequência da aquisição do WhatsApp.
O comércio on-line ganhou ainda mais importância durante a pandemia de Covid-19. Em abril, Mark Zuckerberg disse que mais de um bilhão de pessoas visitam e compram pelo serviço da companhia liderada por ele todo mês. “Na economia digital de hoje, dados não devem ser usados de forma a distorcer a concorrência”, afirmou Margreth Vestager, comissária europeia da concorrência.
Ela já aplicou mais de € 8 bilhões em multas ao Google e também está investigando a Amazon e a Apple. O regulador do Reino Unido também tem investigações sobre Google e Apple.
Compra e venda online na mira da União Europeia
O marketplace do Facebook foi lançado em 2016. É usado em 70 países para compra e venda de itens e está em observação pela União Europeia desde 2019. “Vamos olhar no detalhe o uso dos dados dá ao Facebook uma vantagem indevida, em particular no segmento de classificados on-line, em que as pessoas transacionam itens diariamente, e canal em que o Facebook também concorre com empresas das quais coleta dados”, disse Vestager.
A executiva da União Europeia também vai investigar se o Facebook conecta seu marketplace à rede social, o que daria uma vantagem no alcance de consumidores, além de ameaçar outros concorrentes de serviços de classificados on-line.
Reunido Unido quer saber mais
A investigação do Reino Unido é mais ampla e quer saber como o Facebook coleta os dados de anunciantes, o uso do log-in único de acesso a outros sites, além de como a companhia se beneficia tanto no marketplace quanto na plataforma de namoro.
“Pretendemos investigar exaustivamente o uso de dados do Facebook para avaliar se suas práticas de negócios estão dando a ele uma vantagem injusta nos setores de namoro on-line e de classificados”, informou o presidente-executivo da Autoridade de Concorrência e Mercados (CMA), Andrea Coscelli, em um comunicado.
Ele afirmou ainda que qualquer vantagem nesse sentido pode dificultar o sucesso de empresas concorrentes, incluindo novos e pequenos negócios, e pode reduzir as escolhas para o consumidor”. Governos de todo o mundo estão revisando e fortalecendo a regulação das atividades das gigantes de tecnologia, que se tornaram ainda mais poderosas durante a pandemia do novo coronavírus.
O Facebook disse que vai colaborar com as investigações da Europa e do Reino Unido “para provar que elas não têm mérito”.
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Serviço de notícias do Google também é investigado
Enquanto isso, o órgão de defesa da concorrência da Alemanha afirmou nesta sexta-feira (4) que abriu uma investigação sobre o produto de notícias do Google, News Showcase. Os reguladores alemães alegam que apesar da cooperação com o Google pareça atraente para os editores de conteúdo, “é preciso assegurar que isso não leve a discriminação entre editores individuais”.
De sua parte, o Google disse que o Showcase é uma das muitas formas pelas quais a empresa apoia o jornalismo, construindo produtos e reunindo fundos com os quais todos os editores podem se beneficiar.
Esse é o segundo caso aberto contra o Google na Alemanha em poucos dias, após o órgão de defesa da competição iniciar investigação para determinar se a empresa está explorando seu domínio de mercado ao lidar com os dados dos usuários.
Queda de braço com as gigantes
Há mais de uma década o Google é alvo de queixas na Europa. Ainda em 2009 o site britânico de comparação de preços Foundem registrou reclamações na Comissão Europeia sobre o sistema de buscas da Google.
No ano seguinte, a União Europeia abriu investigação antitruste baseada nas alegações de que o Google abusou de sua posição dominante na pesquisa on-line, depois de receber várias reclamações de rivais e críticos da empresa.
Em abril de 2013, o Google ofereceu concessões relacionadas a buscas e a seu sistema de anúncios AdSense para resolver preocupações da União Europeia, mas sem admitir qualquer ação indevida.
Multas ao Google
Em 2015, a União Europeia apresentou suas primeiras acusações contra o Google, acusado de distorcer os resultados de pesquisa para favorecer seu serviço de compras. Margrethe Vestager também abre uma investigação sobre a conduta da empresa em relação ao seu sistema operacional móvel Android.
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Em 2018, a UE estabeleceu uma multa recorde, ao impor penalidade de € 4,34 bilhões ao Google após uma investigação de três anos. Um ano depois, a UE impõs uma multa de € 1,49 bilhão ao Google por práticas abusivas em publicidade on-line. A empresa recorreu. Em 2021, a gigante americana é alvo de uma investigação na Alemanha contra práticas anticoncorrência.
Práticas anticompetitivas e controle da Apple
Em abril, a União Europeia acusou a Apple de violar regras antitruste com sua política de pagamentos na loja de aplicativos App Store. A União Europeia acusou a Apple de práticas anticompetitivas e abuso do controle sobre a distribuição de aplicativos ao pressionar rivais a utilizarem sua loja virtual para venderem seus conteúdos.
Um mês antes, o órgão regulador da concorrência do Reino Unido abriu uma investigação sobre a Apple após queixas de que os termos e condições da fabricante do iPhone para desenvolvedores de aplicativos são injustos e anticompetitivos.
Em 2020, um grupo liderado pelo ativista de privacidade Max Schrems abriu um processo junto às autoridades de proteção de dados da Alemanha e da Espanha sobre a ferramenta de rastreamento on-line da Apple. A Alegação é que ela violava a lei europeia ao permitir que iPhones armazenassem dados de usuários sem seu consentimento. Foi a primeira ação importante contra a empresa americana relacionada às regras de privacidade da União Europeia.
Amazon é suspeita de competição desleal
A gigante do comércio eletrônico Amazon passou a ser alvo de duas investigações da União Europeia, em 2020, sobre o tratamento que dá a vendedores terceirizados. A avaliação é que Amazon recolhe dados de terceiros que vendem seus produtos no site e usa essas informações para competir contra eles, por exemplo lançando produtos similares a preços mais baixos.
No fim do ano passado, o bloco afirmou que a empresa de Jeff Bezos violou as leis de concorrência. A Amazon teria usado injustamente seu tamanho e acesso a dados para prejudicar comerciantes menores que dependem dela para alcançar os clientes.
A União Europeia também investiga a gigante para saber se o “carrinho de compras”, importante ferramenta no site da empresa que torna mais fácil para os consumidores clicarem rapidamente para fazer uma compra. O oobjetivo é saber se há tratamento preferencial para a compra de seus próprios produtos e de outros vendedores que pagam para usar os serviços de logística da companhia.
Legislação contra aquisições
Este ano, a legislação proposta na União Europeia para regular mais fortemente as gigantes de tecnologia deve ser reforçada para permitir que os reguladores examinem as aquisições de rivais iniciantes, afirmaram autoridades de Alemanha, França e Holanda no final de maio.
Os reguladores devem usar a proposta de Digital Markets Act (DMA), ou lei de mercados digitais, para resolver este problema. A DMA tem como objetivo combater a concorrência desleal na indústria, e também propõe uma lei de serviços digitais. O objetivo é forçar as empresas de tecnologia a assumirem mais responsabilidade por tolerarem comportamentos ilegais em suas plataformas, sob pena de multas pesadas, e até desmembramento de seus negócios.
Com informações de O Globo