O desmonte de importantes instituições promovido pelo governo de Jair Bolsonaro (sem partido) conseguiu tirar do sério até empresários madeireiros. Eles cobram a liberação das exportações ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). São 900 contêineres parados à espera de autorização para deixar o país, de acordo com documento obtido pelo Uol.
Na última semana, centenas de empresários se reuniram em frente ao porto de Vila do Conde, em Barcarena (PA), região metropolitana de Belém. O protesto foi uma cobrança dos empresários por mais agilidade na liberação das exportações pelo Ibama.
O documento foi enviado no último dia 18 por Washington Luis Rodrigues, chefe do Ibama no Pará, à presidência do órgão em Brasília.
Rodrigues alerta que “a situação exige solução imediata”, porque os manifestantes ameaçam bloquear não só o porto de Vila do Conde como a BR-163, que leva ao porto de Miritituba-PA, uma das principais vias de saída de grãos produzidos no país.
O protesto da semana passada foi encerrado após o Ibama do Pará montar, no dia 16, uma força-tarefa com 34 servidores da unidade, que ficarão exclusivamente dedicados a despachar as autorizações nas próximas semanas.
Em geral, a superintendência estadual tinha apenas quatro analistas ambientais voltados à atividade.
Mesmo essa mobilização, porém, pode ser insuficiente para zerar as pendências, já que a superintendência ainda recebe 720 pedidos por mês para além dos 900 já acumulados.
Empresários ameaçam bloquear BR-163
Representante dos madeireiros, o coordenador jurídico da Unifloresta (Associação da cadeia produtiva florestal da Amazônia), Murilo Araújo, confirma a possibilidade de bloqueio da BR-163 se as exportações não forem aceleradas. No protesto da semana passada, as faixas tinham dizeres como “Ibama inoperante”, “exportação parada é desemprego” e “90 dias sem faturar”.
“Nós precisamos da fiscalização do Ibama, para combater os criminosos que maculam os empresários que trabalham na legalidade. Mas essa situação está colocando em risco toda uma cadeia que emprega 90 mil pessoas”, afirma.
Atrasos começaram em gestão de Salles
O atraso na emissão das licenças começou no final de maio, quando o órgão foi alvo da Operação Akuanduba, da Polícia Federal. Autorizada pelo ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal), a ação da PF investiga o ex-ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles, que deixou o cargo um mês depois.
Segundo as investigações, madeireiros do Pará recorreram a Salles para que o Ibama deixasse de exigir a autorização de exportação, um documento usado pelo órgão desde 2011 para fiscalizar a saída da madeira extraída no país. No final de maio, Moraes determinou que essa autorização voltasse a ser cobrada oficialmente, o que não ocorria desde fevereiro de 2020.
Desde a ordem do STF, porém, o Ibama ainda não consolidou um método para dar vazão aos pedidos de exportação na velocidade necessária. O Uol pediu esclarecimentos ao órgão, tanto na sede em Brasília como na superintendência do Pará, mas não teve resposta até a publicação desta reportagem. O espaço está aberto para manifestação.
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Centrão em cena
O assunto chegou a Brasília na semana passada quando o senador Zequinha Marinho (PSC-PA), tradicional representante dos madeireiros, cobrou providências de Ciro Nogueira, ministro-chefe da Casa Civil.
“No atual momento em que o país busca soluções para transpor a crise econômica decorrente do novo coronavírus, é, no mínimo, irracional que o governo, representado pelo seu órgão ambiental, crie travas para o desenvolvimento do setor florestal”, disse o senador.
No mesmo dia em que Marinho e Nogueira se reuniram, o protesto dos empresários no Pará foi encerrado graças ao compromisso do Ibama de acelerar a análise dos processos, por meio da criação da força-tarefa.
Os 34 servidores terão a meta de liberar três pedidos por semana cada um.
‘Indefinição do sistema’ do Ibama
Segundo servidores do Ibama consultados pelo Uol, a paralisia na emissão das licenças foi causada por uma indefinição sobre qual sistema interno do órgão deveria ser usado.
Quando Alexandre de Moraes determinou que o Ibama voltasse a exigir as autorizações dos exportadores, entrou novamente em vigor a normativa de 2011 que prevê a cobrança do documento.
Outro regimento interno do órgão, de 2018, determina que essa autorização seja emitida por meio do Siscites, criado inicialmente para controlar a saída de espécies ameaçadas de extinção.
Em junho, um despacho da Procuradoria Federal Especializada junto ao Ibama, que fornece pareceres jurídicos ao órgão ambiental, confirmou que o Siscites deveria ser usado para a tramitação dos pedidos de exportação.
Esse despacho foi entregue a presidente em exercício do Ibama, Luis Carlos Hiromi Nagao, que ocupa o cargo desde que o titular, Eduardo Bim, foi afastado por ordem do STF.
Com base no parecer, Nagao determinou a todas as unidades estaduais do Ibama, no dia 6 de julho, que adotassem o Siscites e cadastrassem servidores para trafegar no sistema.
Duas semanas depois, no entanto, o superintendente do Ibama no Pará, Washington Rodrigues, informou que as análises continuavam ocorrendo no SEI (Sistema Eletrônico de Informações), que é impróprio para a demanda.
O impasse teria contribuído para paralisar a emissão das exportações.
Isso fez com que os servidores não fossem cadastrados no sistema, e o fluxo foi sendo paralisado. Sem gente e ainda por cima sem cadastro, não roda nada”, explicou ao Uol um servidor da unidade.
Ameniza, mas não resolve problema do Ibama
Segundo este funcionário, a criação da força-tarefa vai amenizar, mas não solucionar o problema.
“Com a meta estabelecida pela superintendência, vai levar umas três semanas só para zerar o passivo. Enquanto isso, continuam entrando novos pedidos de exportação”, explica o servidor.