Caravanas e peregrinações de fiéis para o Templo de Salomão, no Brasil, para Israel ou África do Sul e Moçambique. Essas eram algumas das alternativas utilizadas por pastores, suas esposas, obreiros e fiéis da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD), em Angola, para levar mais R$ 600 milhões para fora do país.
As informações são do jornalista Gilberto Nascimento, autor do livro “O reino: A história de Edir Macedo e uma radiografia da Igreja Universal” e foram publicadas pela RFI.
O jornalista acompanha o caso há anos e ouviu os bispos e pastores angolanos que prestaram depoimento à Justiça sobre a atuação da igreja brasileira em Angola e que revelaram como o dinheiro arrecadado no país era enviado ilegalmente para o exterior.
De acordo com o jornalista, mais de 300 pastores e bispos foram os responsáveis pelas denúncias. Eles compõem a ‘Reforma’, parte da Universal em Angola que rompeu com o comando brasileiro.
Esses religiosos afirmam que praticamente todo o dinheiro arrecadado saía do país em malas, forros de carros, portas e pneus. Seguiam por estradas da Namíbia até a África do Sul.
“Outra forma de evasão seria a organização de caravanas, de peregrinações de fiéis para o Templo de Salomão no Brasil ou para Israel e ainda para outros países da África, como a África do Sul e Moçambique. Eram grupos de 100, 200 e até 300 pessoas, principalmente pastores e suas esposas, e também obreiros e fiéis da igreja. Cada uma dessas pessoas costumava levar entre US$ 10 mil (R$ 57 mil) e US$ 15 mil (R$ 86 mil)”, explica, de acordo com o RFI.
Para chegar aos R$ 600 milhões (120 milhões de dólares) que foram movimentados, segundo a denúncia, esse sistema movimentava a cada três meses cerca de US$ 30 milhões.
“E muitos desses recursos ajudaram até a manter a TV Record Internacional; outros recursos eram investidos em outros países onde a igreja procurava crescer”, diz o autor.
Desde novembro, quatro líderes da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) em Angola são julgados acusados de lavagem de dinheiro e associação criminosa.
Também haveria desvio de dinheiro através da contratação de obras com empreiteiras portuguesas e pela compra de horários na TV Record África pela IURD.
Rota do dinheiro
Antes das denúncias em Angola, o ex-bispo Alfredo Paulo afirmou em delação que era o encarregado de receber o dinheiro que vinha da África do Sul em Portugal.
“Ele foi a primeira pessoa a relatar o envio de dinheiro da África para o Brasil e para a Europa. Ele dizia que o Edir Macedo costumava ir para Portugal, de Portugal pegava o seu próprio avião e ia até a África do Sul, e voltava com estes recursos”, relatou o jornalista.
O jornalista lembra que não é a primeira denúncia contra a Universal mundo afora nas últimas décadas. A igreja também já teve problemas na Argentina e no Chile por supostas transações financeiras ilícitas.
As denúncias em Angola, contudo, tiveram as maiores consequências. A Record teve sua emissora de televisão suspensa em Angola, e a IURD perdeu o controle sobre a instituição no país.
O movimento iniciado em Angola pode ter reflexo em outros países da África. “Há ensaios de uma rebelião de bispos também na África do Sul e em Moçambique. Existem grupos de bispos e pastores insatisfeitos com a ala brasileira da igreja”, conta Gilberto Nascimento.
Bolsonaro tentou ajudar igreja de Edir Macedo
Aliado de primeira hora de Jair Bolsonaro (PL), o líder da IURD, Edir Macedo, conseguiu pressionar o presidente brasileiro pelo seu apoio.
Além de enviar uma carta ao presidente angolano, João Lourenço, em que pedia a interseção em favor dos bispos brasileiros, Bolsonaro tentou indicar o ex-prefeito do Rio e pastor da IURD, Marcelo Crivella, embaixador da África do Sul.
A indicação foi ignorada por aquele país e Bolsonaro retirou o nome de Crivella.
Além disso, enviou o vice-presidente Hamilton Mourão foi enviado ao país na tentativa de botar panos quentes no final de julho.
A comitiva do vice gastou mais de R$ 1 milhão de dinheiro público.
“Essa questão da Igreja Universal aqui é uma questão que afeta o Governo e a sociedade brasileira pela penetração que essa igreja tem e pela participação política que ela possui [no Brasil], com um partido que é o Partido Republicano, que representa o pessoal da Igreja”, alegou Mourão à época.
Apesar disso, não teve sucesso. Parlamentares ligados à igreja não foram recebidos pelo governo angolano e o processo parece caminhar.
“Essas tentativas não surtiram muito efeito, mas mesmo assim o governo brasileiro não desistiu de manifestar o seu apoio [à igreja brasileira]”, afirma o jornalista.
A insistência em fazer as pazes da IURD em Angola tem motivo certo.
“É sabido que Angola era um dos países em que a igreja mais arrecadava, embora seja um país pobre”, destaca o jornalista.