
A cobrança de impostos diretos sobre patrimônio no Brasil abocanha uma fatia maior da renda das famílias mais pobres do que daquelas que estão nas camadas mais altas. É o que revela uma pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
Já o Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF) perde a sua estrutura progressiva na hora de tributar os chamados “superricos”. Não há uma definição de consenso sobre a partir de qual valor o patrimônio pode ser classificado como grande fortuna, mas estudos internacionais costumam chamar de “superricos” aqueles que possuem patrimônio acima de US$ 1 milhão (o equivalente a cerca de R$ 5,4 milhões).
Distorções do sistema tributário brasileiro
A análise compara o impacto de quatro tributos (IPTU, IPVA, IRPF e contribuição previdenciária) nas diferentes faixas de renda e apresenta sugestões para corrigir distorções e tornar o sistema tributário brasileiro mais progressivo. Ou seja: quanto mais a pessoa ganha, maior deve ser o peso do tributo pago.
O estudo, divulgado na semana passada e elaborado pelo pesquisador do Ipea Pedro Humberto de Carvalho Junior, traz também propostas “para o alimentar o debate da reforma tributária” e “redução da desigualdade via tributação”.
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Impostos como IPVA pesam mais para pobres
O impacto da tributação direta em cada faixa de renda foi calculado com base nos dados da Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF), realizada entre 2017 e 2018 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), abrangendo 57,9 mil domicílios.
Dos quatro tributos analisados, o mais regressivo – que pesa mais no bolso dos mais pobres do que dos mais ricos – é o IPVA (Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores). O IPTU e a contribuição previdenciária também passam a ter impacto menor nas faixas de maior renda.
Já o imposto de renda perde força no nível de progressividade a partir da faixa de rendimento domiciliar mensal acima de 36 salários mínimos, grupo que reúne o 1,2% mais rico do Brasil.
Ricos pagam menos impostos do que pobres
O estudo corrobora constatações de outros levantamentos que apontam que os mais ricos pagam, proporcionalmente, menos impostos do que os pobres e os menos ricos.
De acordo com a análise do Ipea, a progressividade do imposto de renda é progressiva só até certo ponto, passando a cair significativamente para os contribuintes do topo extremo de faixa de renda, que têm isenção sobre lucros e dividendos e, em razão disso, conseguem ter uma tributação sobre a renda menor do que a que incide sobre salários.
“A renda do capital geralmente sofre uma alíquota mais baixa que o imposto de renda sobre os salários e acabam os mais ricos tendo uma tributação efetiva menor. Os mais ricos são os top 1%, 0,5%”, afirmou o pesquisador ao G1.
Alíquota de IR é progressiva só até certo ponto
O pesquisador chama a atenção que o 1,2% mais rico do Brasil tem uma alíquota efetiva de 7,2% no IR, quando são consideradas todas as fontes de renda e isenções, mas que esse percentual cai para os super-ricos.
“Analisando-se mais os grandes números da Receita Federal para o ano de 2018, os 0,64% mais ricos (renda acima de 80 salários mínimos) sofreram uma alíquota efetiva de apenas 3,9%, nível similar aos declarantes com renda de cerca de 7 salários mínimos”, destaca o estudo.
Para Carvalho, o percentual é “muito baixo” quando comparado internacionalmente. “Nos Estados Unidos, os 1% mais ricos sofreram uma alíquota efetiva do imposto de renda de 26,8%”, observa.
Impostos para ricos é tema de debate em outros países
O impacto da pandemia de coronavírus na economia global e os sinais de aumento da desigualdade têm acelerado no mundo o debate sobre a revisão dos impostos como um caminho para os países responderem ao desafio da retomada da economia e de manutenção de medidas de apoio aos mais vulneráveis.
“Devido ao aumento da desigualdade de riqueza no mundo, a excessiva tributação sobre os salários e a maior facilidade dos contribuintes mais ricos em usar de planejamento agressivo, tem-se debatido no partido democrata americano e também no âmbito da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico [OCDE] a reintrodução de um imposto sobre a riqueza global do contribuinte”, afirma Carvalho.
O pesquisador explica que a tributação sobre grandes fortunas já é aplicada em países como Suíça, Noruega, Espanha, Bélgica, Holanda, Islândia, Argentina, Uruguai, Colômbia e Bolívia.
PSB e a imposto sobre grandes fortunas
“Nós, da Oposição, defendemos uma Reforma Tributária justa, sustentável e solidária. Simplificação não é suficiente. Precisamos de um sistema mais progressivo, que tribute mais os super-ricos e menos os mais pobres”, explica o líder da oposição da Câmara, deputado Alessandro Molon.
A crise imposta pelo coronavírus acelerou o debate sobre a revisão dos impostos como alternativa para o combate à desigualdade, fazendo com que até mesmo o Fundo Monetário Internacional (FMI) passasse a defender o aumento da taxação dos mais ricos e o fim de subsídios.
Nos Estados Unidos, o presidente Joe Biden passou a defender o aumento dos impostos sobre ganhos de capital para que o governo consiga arcar com estímulos econômicos para reerguer a economia.
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A análise do Ipea é mais um reforço à importância de projetos de Lei apresentados pela bancada do PSB que visam combater os privilégios de grandes contribuintes, tributando fortunas e cobrando impostos sobre lucros e dividendos. As propostas são de autoria do deputado federal e líder do PSB na Câmara, Danilo Cabral (PSB-PE), e subscritas pela bancada socialista.
O PL 1.981/19 propõe a cobrança de Imposto de Renda Pessoa Física sobre a distribuição de lucros e dividendos, que estão isentos desde 1995, por medida do governo de Fernando Henrique Cardoso. Já o Projeto de Lei Complementar nº 9/19 institui o Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF), previsto na Constituição Federal em 1988, mas nunca regulamentado em lei.
Propostas do Ipea
Para o pesquisador, a correção de distorções e injustiças no sistema tributário brasileiro passa pelo fim da isenção sobre lucros e dividendos, a instituição de alíquotas adicionais e pela criação de um imposto sobre grandes fortunas, que poderia ser cobrado em conjunto com a declaração anual de ajuste do IR.
Carvalho estima um potencial de arrecadação de R$ 43 bilhões por ano, o equivalente de 0,5% do PIB, com a instituição de um imposto para tributar fortunas acima de R$ 20 milhões em alíquotas pequenas (entre 2% e 2,5%). Segundo ele, uma proposta neste sentido atingiria um universo de apenas 30 mil contribuintes, oferecendo uma arrecadação próxima a gerada hoje no país com o IPTU ou com o IPVA.
Já uma tributação de lucros e dividendos com alíquota de 15% resultaria, segundo o pesquisador, em uma arrecadação extra da ordem de R$ 40 bilhões.
Sugestões para o IR, IPVA, IPTU e Previdência
Imposto de Renda
- aplicação de alíquotas e faixas maiores para acentuar a progressividade, além da ampliação da faixa de contribuintes isentos;
- fim da isenção para lucros e dividendos e do tratamento favorável para outras rendas de capital;
- limitação da dedução de despesas médicas a um valor fixo (conforme ocorre com a dedução para gasto com educação), de acordo com a faixa etária do contribuinte;
- instituição do Imposto sobre Grandes Fortunas, a ser cobrado juntamente com a Declaração Anual do Imposto de Renda, com alíquotas progressivas entre 2% e 2,5% no que exceder o patrimônio líquido global de, por exemplo, R$ 20 milhões.
IPTU
- uso mais intenso de alíquotas progressivas;
- permissão legal para as prefeituras atualizarem os valores venais do imóveis através de decreto municipal;
- previsão legal que estipule um período máximo entre as atualizações das plantas genéricas de valores), de forma que os valores venais dos imóveis mais valorizados estejam mais próximos ;do mercado, afetando os contribuintes mais ricos.
IPVA
- permissão legal para aplicação de alíquotas progressivas;
- concessão, pelos governos estaduais, de isenção para motocicletas de até determinado valor;
- permissão legal para tributação de embarcações e aeronaves.
Contribuição previdenciária
- maior progressividade das alíquotas, de forma a aumentar a tributação para rendas superiores ao teto previdenciário do INSS;
- criação de uma outra contribuição social para financiar o déficit da Previdência, desvinculada de qualquer contrapartida em benefício previdenciário, e com alíquotas progressivas sobre todos os tipos e valores de rendimentos.
Com informações do G1 e PSB Nacional