O rap indígena de Kaê Guajajara denuncia as condições de abandono do “maior grupo de risco há mais de 500 anos”, os povos indígenas, em meio ao avanço da covid-19.
Assim como a rima cantada, a celebração neste Dia do Índio (19 de abril) contrasta com a escassa assistência dos governos à população indígena brasileira, vulnerável à pandemia.
Isso porque o Brasil já contabiliza 3 mortes de indígenas por covid-19 e 27 casos confirmados de contaminação pelo vírus, segundo boletim epidemiológico divulgado na sexta (17) pela Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), do Ministério da Saúde.
O maior número de casos de contaminação se concentra em Manaus, capital do estado do Amazonas. O governo do estado, que já anunciou o colapso do sistema de saúde, prepara containers frigoríficos para os corpos.
À deriva
Vítimas frequentes de doenças levadas por invasores, como garimpeiros e madeireiros, os povos originários enfrentam o desabastecimento de alimentos pela limitação do acesso a cidades próximas às aldeias.
A medida foi adotada pelas próprias lideranças indígenas para evitar deslocamentos e impedir o contágio. Entretanto, prevendo um “horizonte sombrio”, os indígenas cobram dos órgãos federais um plano de contingenciamento efetivo.
E, enquanto o governo central não define um planejamento de ações, os indígenas têm feito mobilizações.
Além de pressionarem os governos estaduais e municipais, atuam por meios das associações elaborando as próprias propostas de enfrentamento ao vírus e remetendo às autoridades.
O ISA (Instituto Sócio Ambiental), que monitora a situação desses povos, informou que na semana passada a Justiça Federal do Amazonas intimou a Fundação Nacional do Índio (Funai) e o Ministério Público Federal (MPF) a se manifestarem sobre a expulsão de missionários estrangeiros ou não das terras do Vale do Javari.
Paralelo à isso, em nível federal, também atuam junto aos poderes Executivo, em fóruns de interlocução com a SESAI, e Legislativo Federal, por meio da Frente Parlamentar Mista em Defesa dos Direitos dos Povos Indígenas, coordenada pela deputada Joênia Wapichana (Rede-RR). Nesse momento crítico, os indígenas também buscam o apoio das ONGs.
Ouça o podcast ‘Copiô, Parente’ sobre reunião da Frente Parlamentar Mista em Defesa dos Direitos dos Povos.
Coalizão indígena
A fim de ampliar a coalizão para proteger indígenas do covid-19, lideranças do segmento agem por meio da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) , conquistando a adesão à causa de entidades como a Associação Brasileira de Saúde Pública (Abrasco), Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP-Fiocuz), Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e do Projeto Xingú.
Nos ofícios enviados aos estados, indígenas requerem, por exemplo, que sejam incluídos nos planos emergenciais para atendimentos dos pacientes graves dos Estados e Municípios. Outra reivindicação é para provimento de testes rápidos para COVID-19 e fornecimento para todos os Distritos Sanitários Especiais Indígenas – DSEIs.
Em vídeo gravado para o Socialismo Criativo, a assessora da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB), Valéria Paye, traçou u panorama das ações de enfrentamento à pandemia do novo coronavírus realizadas nas comunidades indígenas.
Assista:
Risco histórico e cuidados
Assim, a luta histórica das etnias por autonomia territorial, identitária e exercício pleno de sua cultura é atravessada pela batalha contra a dizimação dos povos indígenas e suas referências originárias.
Em nota pública eles afirmam que, assim como outras doenças levadas por invasores, “o coronavírus é mais uma dessas ameaças, mais uma praga produzida pela acumulação capitalista”. E reivindicam a garantia de proteção de seus territórios, independentemente da fase de regularização em que se encontram.
Para as aldeias, as indígenas elaboraram documento com recomendações sobre os cuidados a serem tomados na distribuição de alimentos nas aldeias, incluindo as principais medidas de limpeza, como a higienização das mãos, evitar pôr as mãos nos olhos, boca e nariz, para evitar que o vírus se espalhe.
Diversidade indígena
Por fim, de forma inequívoca, para muitos indígenas o Dia do Índio não dá conta de realçar o caráter originário e diverso desses povos expropriados, compostos por 305 etnias diferentes que falam 274 línguas indígenas pertencentes à elas.
A visão folclórica desses povos, reforçada pelo nome dado à data, é avaliada por muitos de seus integrantes como um modo de apagamento deles da agenda pública, suas garantias de direitos e políticas específicas.
O Censo 2010 mostrou que o Brasil tem 896 mil pessoas que se declaravam ou se consideravam indígenas, 572 mil, ou 63,8%, viviam na área rural e 517 mil, ou 57,7%, moravam em Terras Indígenas oficialmente reconhecidas.