Primeiros dois votos foram pela condenação do primeiro acusado, mas ministros discordam sobre crimes e pena
Por Luísa Martins, Valor — Brasília
O Supremo Tribunal Federal (STF) somou dois votos para condenar o primeiro réu por envolvimento nos atos golpistas de 8 de janeiro. Os ministros Alexandre de Moraes e Nunes Marques, entretanto, divergiram quanto aos crimes envolvidos e, consequentemente, quanto à pena a ser aplicada. O julgamento será retomado nesta quinta-feira.
Moraes propôs 17 anos, dos quais 15 anos e seis meses de prisão, em regime inicial fechado, mais um ano e seis meses de detenção, que permite o cumprimento em regime aberto. Já Marques, que absolveu o acusado da maior parte dos crimes, sugeriu apenas dois anos e seis meses, em regime inicial aberto.
Os ministros também discordaram quanto ao valor a ser pago a título de multa. O relator prevê, em seu voto, multa de R$ 44 mil, além de R$ 30 milhões a título de danos morais coletivos, a ser dividido entre todos os eventuais condenados. O revisor, por sua vez, recomendou só a multa, e em um valor de R$ 2,6 mil.
O acusado é Aécio Lúcio Costa Pereira, bolsonarista que foi preso em flagrante dentro do plenário do Senado Federal. A Polícia Federal (PF) encontrou em seu telefone celular uma série de conversas que incentivavam um golpe de Estado e a instauração de uma ditadura militar no país..
Na tribuna, o advogado Sebastião Coelho, desembargador aposentado que atualmente defende Pereira, alegou tratar-se de um “julgamento político”. Ele se exaltou e disse que os ministros do Supremo são “as pessoas mais odiadas do país”.
Mais cedo, a Corregedoria Nacional de Justiça havia aberto um procedimento disciplinar contra ele, por ter defendido os atos antidemocráticos quando ainda era membro do Poder Judiciário. O hoje advogado disse que “não vai se intimidar”.
Primeiro ministro a votar, Moraes manifestou-se para reconhecer a competência da Corte e negar o envio dos autos à primeira instância. Ele também afastou a possibilidade de se declarar suspeito de analisar as ações penais sobre o 8 de janeiro.
“Às vezes, o terraplanismo e o negacionismo obscuro de alguns fazem parecer que, no dia 8 de janeiro, tivemos um domingo no parque, em que as pessoas vieram, pagaram um tíquete e entraram na fila, como se fosse o Hopi Hari ou a Disney. Se a Corte é suspeita, ninguém julga, e quem sabe no próximo verão seja possível uma nova excursão à Praça dos Três Poderes para uma tentativa de golpe”, ironizou.
Depois, ao analisar o mérito, afirmou que os argumentos utilizados pela Procuradoria-Geral da República (PGR) na denúncia foram amplamente corroborados pelas provas dos autos. Pela primeira vez no julgamento de uma ação penal, o relator mostrou vídeos e imagens utilizadas para formar seu convencimento.
“São atos criminosos praticados por golpistas que pretendiam derrubar um governo democraticamente eleito em 2022, armados com pedaços de ferro, pedaços de pau, destruindo o patrimônio público. Não há nada de pacífico nesses atos. São atos criminosos, antidemocráticos e que estarreceram a sociedade brasileira”, destacou.
O relator disse, ainda, que o próprio réu confessou, em interrogatório na fase de instrução do processo, que fazia parte de um grupo chamado “Os Patriotas”, que organizou a vinda de Diadema (SP) para Brasília, com o intuito de protestar contra o resultado das eleições de 2022.
Moraes também deu razão à PGR ao afirmar que são crimes multitudinários, ou seja, de autoria coletiva. “Todos contribuíram para o resultado. Em um linchamento, por exemplo, não importa quem deu o golpe final que matou a pessoa, não é só ele o homicida”, comparou.
A condenação, para Moraes, deve ser pelos crimes de associação criminosa armada, abolição violenta do Estado Democrático de Direito, tentativa de golpe de Estado, dano qualificado por violência e grave ameaça e deterioração de patrimônio tombado.
Em seguida, Marques abriu divergência. O ministro entende que Pereira só deve ser condenado por dano qualificado e deterioração do patrimônio. Para ele, não há provas de que o denunciado de fato tenha incorrido em associação criminosa armada, golpe de Estado ou abolição violenta do Estado Democrático de Direito. Por isso, votou para absolvê-lo nesses pontos.
“A condenação exige juízo de certeza, calcada em prova inequívoca, para que se conclua a materialidade e a autoria delitivas”, disse o ministro, salientando não vislumbrar essas evidências nos autos. “Os expedientes de 8 de janeiro caracterizam crime impossível, ante a ineficácia absoluta dos meios para atingir o Estado Democrático de Direito.”
Marques também discordou do relator no sentido da competência do STF para processar o caso. De acordo com ele, como Pereira não tem foro privilegiado, as ações penais deveriam estar sendo julgadas na primeira instância. Contudo, ele já havia ficado vencido nesse aspecto em maio, na ocasião do recebimento da denúncia pelo plenário.
Depois de seu voto, a sessão foi suspensa, pois a presidente, ministra Rosa Weber, tinha uma série de eventos institucionais a partir das 18h. O julgamento será retomado nas sessões desta quinta-feira — uma reunião extraordinária foi convocada para o turno da manhã, com continuidade à tarde.
O primeiro a votar será o ministro Cristiano Zanin. Depois, manifestam-se André Mendonça, Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Luiz Fux, Dias Toffoli, Cármen Lúcia, Gilmar Mendes e, por fim, Rosa. Estão previstos, depois, os julgamentos de mais três réus.