A Polícia Civil do Rio de Janeiro (PCRJ), sem apresentar provas, responsabiliza a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) pelo avanço do crime organizado na favela do Jacarezinho, zona norte da capital fluminense, em relatório de inteligência, segundo reportagem do Uol.
No relatório, a investigação relaciona a restrição das operações durante a pandemia — determinada pelo STF — ao fortalecimento do tráfico de drogas com base apenas em fotos de barricadas em vias públicas para justificar a ação policial que deixou ao menos 29 mortos.
O governo do Rio de Janeiro descumpriu a liminar deferida pelo ministro do STF Edson Fachin e referendada pelo plenário da Corte que proibiu operações policiais nas comunidades durante a pandemia da Covid-19, a partir da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 635, conhecida como “ADPF das Favelas”.
A operação policial feita pela Polícia Civil no Jacarezinho no dia 6 de maio, resultou na maior chacina da história da cidade do Rio de Janeiro e a segunda maior da história do estado.
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PSB é autor da “ADPF das Favelas”
A “ADPF das Favelas” foi ajuizada pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB) com a pretensão de que fossem reconhecidas e sanadas graves lesões a preceitos fundamentais constitucionais, decorrentes da política de segurança pública do Estado do Rio de Janeiro marcada pela “excessiva e crescente letalidade da atuação policial“.
Relatório do Jacarezinho sem provas concretas
“O avanço do crime organizado ficou mais evidenciado após a decisão do STF que proibiu a realização de operações policiais em comunidades do Rio de Janeiro durante a pandemia, salvo em situações absolutamente excepcionais”, cita um dos trechos do documento.
A polícia, no entanto, não apresenta provas concretas do tal avanço das facções. O relatório tem como base apenas fotos de barricadas em vias públicas, e usa o fato como justificativa para a realização da ação policial que matou 29 pessoas.
Esse tipo de procedimento (barricadas) sempre foi utilizado em favelas sob o domínio do tráfico de drogas para dificultar o acesso da polícia a seus territórios —antes mesmo da decisão do Supremo de restringir operações policiais. No relatório, também não consta a informação de quando as imagens foram produzidas —nelas, há somente a indicação das legendas “antes” e “depois” da decisão do STF.
“Inúmeras vias públicas foram bloqueadas por construções e barricadas, conforme figuras abaixo”, cita um dos trechos do relatório. “Observa-se que os moradores têm sido obrigados a parar os veículos automotores, desembarcar dos carros, retirar o trilho de trem e, após ultrapassar o obstáculo, colocar o trilho no local, tudo sob determinação do tráfico de drogas”, conclui.
24 armas apreendidas x 29 mortos e 3 presos
No documento, a Polícia Civil reforça a tese de que a ação foi “legítima” e inclui a lista dos mortos, apresentados como “elementos que atentaram contra o Estado” com base em fotos colhidas em redes sociais e fichas criminais.
Não há no relatório informações sobre a perícia no local —feita para determinar a dinâmica das ações que resultaram em morte— ou sobre apreensões das armas usadas pelos policiais civis que participaram da ação. Mais de 200 agentes integraram a operação.
O documento ainda inclui uma lista com 24 armas apreendidas —cinco fuzis, uma submetralhadora, duas espingardas e 16 pistolas.
Apenas 4 pessoas eram alvo de operação no Jacarezinho
Dos 29 mortos na Chacina do Jacarezinho, apenas quatro estavam entre os alvos da investigação da Polícia Civil, e outros três foram presos durante a operação, segundo o Uol, com base em relatório de inteligência da Polícia Civil e em informações fornecidas pela instituição.
Dos mortos, nove não eram alvo de processos na Justiça e os outros 14 não estavam sendo investigados.
Defensoria Pública teme coação de testemunhas
A operação é investigada pela PGR (Procuradoria-Geral da República), MP-RJ (Ministério Público do Rio de Janeiro) e pela própria Polícia Civil. Familiares e testemunhas da ação começam a depor esta semana para uso das informações em futuras apurações.
A Defensoria Pública teme que as testemunhas sejam coagidas em possíveis depoimentos colhidos pela própria Polícia Civil, que foi quem executou a operação, e modifiquem os relatos no futuro.
Uma das primeiras instituições a se manifestar sobre o episódio do Jacarezinho, a Defensoria Pública relatou indícios de execuções quando visitou a comunidade, logo após a ação policial. Disse ter encontrado um cenário que apontava, inclusive, para “desfazimento da cena do crime”.
Com informações do Uol, Brasil 247 e Correio Braziliense