Juristas do grupo de trabalho da Câmara dos Deputados criado para aperfeiçoar a legislação de combate ao racismo estrutural estudam a possibilidade de mudanças no Orçamento para garantir recursos para a titulação de terras às comunidades quilombolas. O colegiado se reuniu virtualmente para discutir o tema nesta segunda-feira (12).
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Entraves para regularizar territórios quilombolas
Questões administrativas e falta de recursos foram apontados como os principais entraves para a regularização de territórios quilombolas, segundo o relator do grupo de juristas, Silvio Luiz de Almeida.
O combate ao racismo institucional é a ação afirmativa (política pública para corrigir desigualdades raciais)”, afirmou Almeida. “Temos que pensar na ação afirmativa no Orçamento para proteger essas comunidades.”
O procurador Paulo Soares, da Advocacia-Geral da União, declarou que a demora na titulação é resultado do “racismo financeiro e orçamentário”. “Boa parcela do nosso racismo estrutural está no Orçamento, que mata a população negra ao não destinar recursos para ela.”
Soares também cobrou que sejam estabelecidos parâmetros mais claros para medidas compensatórias. Segundo ele, “a insegurança jurídica é grande”.
Número baixo de titulação
Hoje, no Brasil, apenas 162 das 3.477 comunidades quilombolas (4,56%) já reconhecidas pela Fundação Palmares possuem a titularidade das terras, de acordo com o defensor público André Carneiro Leão, coordenador do Grupo de Trabalho de Comunidades Tradicionais da Defensoria Pública da União.
A questão pode ter uma dimensão ainda maior, pois a estimativa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) é de que existem mais de 5 mil comunidades. “A realidade é cruel. Existe uma demora no processo administrativo”, disse Leão.
O defensor também informou que estão em tramitação na Câmara duas propostas pode trazer “retrocessos graves” nessse processo de regularização. A primeira é a PEC 161/07, que condiciona a titulação de terra quilombola à aprovação de lei pelo Congresso Nacional. A segunda é o PL 1.003/15, que impede que haja titulação sem a indenização para desocupação de imóveis ocupados por terceiros.
Atualmente, são 1,8 mil processos de titulação dessas terras abertos no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). Segundo o coordenador-geral de Regularização de Territórios Quilombolas do Incra, Erico Goulart, a demora se deve principalmente à falta de servidores públicos e de recursos financeiros para desocupação.
“Não conseguimos avançar porque temos muitos imóveis pendentes de indenização”. Goulart afirma que os terceiros que ocupam as áreas nunca concordam com os valores de avaliação dos imóveis, por isso recorrem à Justiça, atrasando ainda mais o processo. “Essa insegurança aumenta o conflito social.”
Assassinatos de quilombolas
Durante a reunião, a representante da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas, Givânia Silva, afirmou que é preciso maior capacidade técnica e orçamentária por parte do Incra para acelerar os processos de titulação e evitar os assassinatos de membros da comunidade. “Mais de 30% desses assassinatos ocorrem durante o processo de regularização no Incra.”
Segundo Givânia, os recursos para regularizar os territórios quilombolas caíram de R$ 6,2 milhões, em 2010, para R$ 897,6 mil, em 2019. Em 2020, a verba foi ainda menor: R$ 233 mil. A dotação para indenizações também teve redução, passando de R$ 25,9 milhões, em 2010, para R$ 2,7 milhões, em 2020.
Representante da Articulação Nacional das Pescadoras, a pescadora e quilombola Eliete Paraguaçu disse que moradores das comunidades são ameaçados por empresas que devastam os manguezais e poluem as águas. Em sua fala na reunião, ela defendeu a importância dos quilombolas para a economia e a sociedade. “O que seria do Brasil sem as comunidades tradicionais? O que seria de Salvador sem a comunidade pesqueira?”, questionou.
Com informações da Agência Câmara