
Em memória pelos 30 anos da morte de Laudelina de Campos Melo, uma pioneira da luta pelos direitos das trabalhadoras domésticas do Brasil, foi protocolado projeto de lei (PL 1746/2021) que inscreve o nome dessa ativista no Livro de Heróis e Heroínas da Pátria, depositado no Panteão da Pátria e da Liberdade Tancredo Neves, em Brasília (DF).
A apresentação do projeto atendeu pedido feito à Bancada Feminina pela Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas (Fenatrad). Entre as dezenas de deputadas apoiaram a iniciativa está a socialista Lídice da Mata (PSB-BA), 2ª Procuradora-adjunta. A parlamentar socialista também foi a relatora da PEC das Domésticas no Senado.
Pioneira da luta de trabalhadoras domésticas
Foi a partir da atuação de Laudelina que a categoria de trabalhadores domésticos surgiu como movimento sindical em 1936, em Santos (SP). Em 2019, o Brasil registrou recorde no número de trabalhadores domésticos, mais de 6 milhões, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), sendo que, deste total, 4,5 milhões não têm carteira assinada, o que representa sete a cada dez profissionais.
A pandemia da Covid-19 deixou esses trabalhadores, sobretudo mulheres, ainda mais vulneráveis. A primeira morte registrada no país por coronavírus foi justamente de uma empregada doméstica, infectada pelos patrões que haviam contraído a doença em viagem para o exterior . Durante a pandemia, o Brasil registrou 1,7 milhão de postos de trabalho a menos nesse setor e 39% dos patrões dispensaram diaristas sem pagamento.
O projeto se justifica, segundo a Bancada Feminina, pela atuação de Laudelina no movimento sindical, que foi fundamental para a organização da categoria na busca de seus direitos, além do debate sobre o preconceito racial e sobre a discriminação contra as mulheres.
História de Laudelina
Laudelina de Campos Melo nasceu em Poços de Caldas (MG) em 12 de outubro de 1904, menos de 20 anos após a abolição da escravatura no Brasil, em 1888. Ela começou a trabalhar aos sete anos de idade e abandonou a escola para cuidar dos irmãos enquanto a mãe trabalhava.
Aos 16 anos, passou a atuar em organizações sociais do movimento negro e foi eleita presidenta do “Clube 13 de Maio”. A agremiação promovia atividades recreativas e políticas entre a comunidade negra da cidade. Aos 18, mudou-se para São Paulo e se casou.
Em 1924 foi morar em Santos e participou, junto com o marido, da agremiação “Saudade de Campinas”, grupo cultural negro da cidade. Em 1938, separada do marido e com dois filhos, assumiu protagonismo nos movimentos populares. Filiou-se ao Partido Comunista Brasileiro (PCB) em 1936, mesmo ano que fundou a primeira Associação de Trabalhadores Domésticos do país.
Na mesma época, na década de 1930, militou pela Frente Negra Brasileira (FNB), maior associação da história do movimento negro, que chegou a ter 30 mil filiados ao longo da década. A correlação entre escravidão, trabalho doméstico e pessoas negras era muito latente, pois há apenas quatro décadas a escravidão havia sido abolida no Brasil.
A Associação de Trabalhadores Domésticos foi fechada durante o Estado Novo e voltou a funcionar somente uma década depois, em 1946. Em 1955, Laudelina mudou-se para Campinas, ingressou no movimento negro da cidade e participou de atividades culturais. Criou até uma escola de música e de balé. Ela trabalhou como empregada doméstica até 1954, em Campinas, quando montou uma pensão e começou a vender salgados em campos de futebol da cidade.
Sua jornada na militância sindical e cultural
Com independência financeira, passou a se dedicar integralmente à militância sindical e cultural. Promoveu, em 1957, o Baile Pérola Negra, no Teatro Municipal de Campinas, para jovens negras debutantes. Criou o Sindicato/Associação das Domésticas de Campinas e atuava pela alfabetização e na conscientização, entendimento das leis trabalhistas e reivindicação dos direitos de classe, além de promover atividades solidárias entre as trabalhadoras domésticas.
A partir de 1962, foi convidada a participar da organização de diversas associações da categoria, em São Paulo e no Rio de Janeiro. Em 1964, quando o regime militar foi instalado no país, Laudelina passou a atuar no interior da igreja progressista, nas comunidades eclesiais de base. Com a paralisação das atividades da Associação de Campinas entre 1968 e 1979, ela continuou na defesa das domésticas e virou uma referência nacional na luta pelos direitos da categoria.
Em 1982, Laudelina ajudou a reestruturar a Associação em Campinas, que se transformou em sindicato após o fim do regime militar, em 20 de novembro de 1988. Laudelina morreu em 1991, aos 86 anos de idade, em Campinas, deixando sua casa para o sindicato de Campinas. Sua atuação foi essencial para a categoria e, por extensão, às mulheres negras, pois as trabalhadoras domésticas não tinham direito à sindicalização e nem eram protegidas pela legislação, além de formarem o maior contingente de domésticas no País.
Mesmo a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), que unificou em 1943 as leis trabalhistas existentes, não houve, num primeiro momento, grandes benefícios para os trabalhadores domésticos. Sua luta contribuiu para que a categoria garantisse o direito à carteira assinada e Previdência Social em 1972, mas ainda com sérias restrições aos trabalhadores domésticos.
Somente em 2013, com a aprovação da Lei Complementar número 150 conhecida como “PEC das Domésticas”, esses trabalhadores passariam a ter direito a benefícios semelhantes aos de outras categorias, como jornada de trabalho de 44 horas semanais, com limite de oito horas diárias, e pagamento de horas extras.
Homenagem do Google
Em 12 de outubro de 2020, mais de 80 anos depois do marco na atuação de Laudelina, o doodle do Google a homenageou no dia em que ela completaria 116 anos.
O Livro de Heróis e Heroínas da Pátria se destina ao registro perpétuo do nome de brasileiros ou grupos de brasileiros que tenham oferecido a vida à Pátria, para sua defesa e construção, com excepcional dedicação e heroísmo.
Apesar da participação das mulheres em todas as lutas libertárias no Brasil, até agora apenas Antônia Alves Feitosa (Jovita Feitosa), Ana Maria de Jesus Ribeiro (Anita Garibaldi), Anna Justina, Ferreira Néri (Ana Néri), Bárbara Pereira de Alencar, Clara Camarão, Dandara dos Palmares, Luiza Mahin, Maria Felipa de Oliveira, Maria Quitéria de Jesus Medeiros, Sóror Joana Angélica de Jesus e Zuleika Angel Jones (Zuzu Angel), tiveram seus nomes reconhecidos como heroínas da Pátria.
Com informações da Câmara dos Deputados