Cinco entidades LGBTs decidiram ir ao Supremo Tribunal Federal (STF) contra o ministro da Educação, Milton Ribeiro, para denunciá-lo pelo crime de racismo homotransfóbico. Ribeiro afirmou, nesta quinta-feira 24, que o “homossexualismo” (sic) de alguns adolescentes é resultado de “uma família desajustada”.
A ação é encabeçada pelo advogado Paulo Iotti, um dos responsáveis pelo processo no STF que, em junho de 2019, tornou crime a LGBTfobia.
“É uma fala simplesmente ofensiva à comunidade homossexual, ao dizer que seríamos pessoas fruto de ‘famílias desajustadas’, até porque pesquisas comprovam o contrário do que o Ministro disse que uma pesquisa provaria”, diz Paulo.
O advogado disse ainda que o processo vai incluir um pedido de impeachment contra o ministro.
“Essa fala obviamente gera crime de racismo homotransfóbico, como decidiu o STF, e dano moral coletivo, via ação civil. Faremos as duas coisas, junto com pedido de impeachment por ato manifestamente incompatível com a dignidade, a honra e o decoro do cargo, que obviamente não permite usar a máquina do Estado para difundir uma ideologia fundamentalista”, justificou o advogado.
A ação, que será apresentada na próxima segunda-feira 28 no STF, é assinada por ABGLT, ANTRA, ABRAFH, GADvS e Mães pela Diversidade.
Leia abaixo a nota de repúdio dos movimentos:
NOTA DE REPÚDIO ÀS ATITUDES LGBTIFÓBICAS DO MINISTRO DA EDUCAÇÃO EM ENTREVISTA AO ESTADO DE SÃO PAULO
A sociedade segue evoluindo com o passar dos anos, mas ao que podemos perceber nem todos parecem desejar seguir tal caminho. É o que se observa em algumas ações e atitudes manifestas pelo atual Ministro da Educação, Milton Ribeiro.
Em entrevista ao jornal Estadão, o ministro, que também é pastor evangélico, destilou aparente falta de conhecimento científico, amor ao próximo e empatia para as realidades presentes em nossa sociedade, expressando-se como alguém totalmente desprovido de sabedoria e entendimento real da diversidade sexual existente.
Durante a referida entrevista o ministro de uma das mais importantes pastas declarou que o “homossexualismo” (palavra utilizada pelo ministro diga-se de passagem), é causado pela existência de famílias desajustadas.
“Acho que o adolescente que muitas vezes opta por andar no caminho do homossexualismo tem um contexto familiar muito próximo, basta fazer uma pesquisa. São famílias desajustadas, algumas. Falta atenção do pai, falta atenção da mãe. Vejo menino de 12, 13 anos optando por ser gay, nunca esteve com uma mulher de fato, com um homem de fato e caminhar por aí. São questões de valores e princípios”
Além da fala do ministro ser uma associação esdrúxula, ofensiva e LGBTIfóbica, a mesma ainda se vale do uso de uma terminologia arcaica, já em desuso, que outrora era utilizada para fazer menção a uma definição que tratava a homossexualidade como uma doença, valendo-se do sufixo “ismo”, utilizado para caracterizar patologias, doutrinas e ideologias.
Vale salientar que sobre o fato citado supra, já se somam mais de 30 anos que a OMS, Organização Mundial de Saúde, retirou a homossexualidade da classificação estatística internacional de doenças e problemas relacionados à saúde (CID), demonstrando mais uma vez a ignorância do referido ministro.
A homossexualidade é sem sombra de dúvidas uma manifestação legítima da sexualidade humana presente na natureza, tanto em seres humanos quanto em animais, sendo de mesmo teor biológico que a heterossexualidade, não havendo estudo plausível que refute tal ideal, demonstrando o quão descabido é afirmar que se trata de uma escolha. Por isso o Ministro da Educação comete, no mínimo, um erro grave ao dizer que a “biologia diz que não é normal a questão de gênero”. Ora, não há nenhum estudo publicado em revista científica que sustente uma tal afirmação vinda da biologia! Ao contrário, o que a biologia mostra é que comportamentos sexuais entre animais do mesmo sexo são muito comuns em várias espécies.
O referido ministro vale-se de argumentos machistas e antiquados para justificar sua afirmativa, comparando o fato de um ser humano ser LGBTI+ ao fato de o mesmo não ter ainda conhecido uma mulher, sexualmente falando, definindo a sexualidade humana apenas ao fator sexual, limitando a mesma apenas à produção de um “coito”.
No que diz respeito a “basta fazer uma pesquisa”, já há diversas publicadas, inclusive várias envolvendo o Ministério da Educação, que comprovam, cientificamente, que o bullying LGBTIfóbico é um constante nos estabelecimentos educacionais do Brasil, o qual, pela Lei 13185/2015, deveria ser objeto de ações de enfrentamento por parte do Ministério da Educação.
Pesquisa nacional independente realizada referente ao ano letivo de 2015 sobre as experiências de estudantes LGBTI+ na faixa dos 13 aos 21 anos no ambiente escolar mostrou que é cenário caracterizado pela insegurança dos/das estudantes LGBTI+, com alta incidência de agressão verbal, física e violência: 60% se sentiam inseguros/as, 73% foram agredidos/as verbalmente e 36% foram agredidos/as fisicamente na escola no último ano por serem LGBTI+. Também não contaram com o devido apoio ou medidas para contornar essas situações, ou com um número adequado de profissionais de educação capacitados/as para dar conta dessas situações e revertê-las por meio de ações educativas https://bit.ly/33XUDsg
Salientando o quesito família, é mister esclarecer ao sr. Ministro que “desajustes” familiares estão presentes em milhões de famílias espalhadas pelo Brasil e pelo mundo, não sendo argumento plausível a quem quer que seja para defender tal absurdo, ademais vale aqui pontuar que se as conformações familiares fossem fator definitivo para produção de seres humanos com práticas consideradas como errôneas, seriam então as famílias chamadas pelos conservadores brasileiros de famílias tradicionais, as responsáveis por gerarem homens que agridem as esposas, esposas que assassinam os maridos, pais que espancam os filhos, homens que traem as esposas, homens que abandonam as esposas e filhos, líderes religiosos que cometem crimes, líderes religiosos que se valem da posição que ocupam para cometerem crimes?
Afirmações semelhantes à do Ministro beiram a uma desonestidade intelectual tamanha que causam um espanto grandioso, e a mais profunda repulsa possível em um ser humano, não sendo sequer possível minimizar a gravidade de tal expressão, que em nada promove a liberdade.
Ainda mais grave é perceber que a entrevista se deu no contexto em que o Sr. Milton Ribeiro fala enquanto Ministro de Estado da Educação, fazendo menções sobre o papel do MEC e não de sua atuação religiosa ou de qualquer outra vertente possível na qual o mesmo possa atuar, sendo uma flagrante violação dos direitos fundamentais do ser humano presentes na constituição federal brasileira, a começar pela Laicidade do Estado.
Na Idade Média, nós éramos queimados na fogueira. Evoluímos alguns centímetros, a julgar pela fala do ministro. Agora só somos “desajustados”
Há aqui neste fato narrado, possível crime de LGBTIfobia, afrontando gravemente a Declaração Universal dos Direitos Humanos e as leis da república, ofendendo a dignidade da pessoa humana, desrespeitando sem sombra de dúvidas a definição presente no texto da decisão da mais alta corte de justiça do País, o Supremo Tribunal Federal, STF, que definiu através da ADO. 26 e do MI. 4733 os crimes de LGBTIfobia como espécies de racismo, crimes estes inafiançáveis e imprescritíveis.
É inadmissível que a estrutura de governo do Estado Brasileiro seja aparelhada desta maneira, onde valores fundamentais sejam violados, onde tentem a todo tempo implantar ideologias nefastas à dignidade humana, onde a desconstrução dos princípios educacionais seja a pauta, onde a mistura de política, religião e militarismo seja a receita!
O país e o mundo vivem um momento grave, onde as atenções devem ser voltadas para as realidades que se fazem urgentes, mas ainda assim vemos o desinteresse dos mesmos para as realidades e necessidades do país.
Já é hora de se decretar um ponto final em tamanhas tentativas de retrocessos, é momento de se romper com as estruturas de retrógradas, é momento de se garantir o progresso, de se promover o respeito, a igualdade e a valorização do ser humano de forma integral, respeitando em suma sua individualidade.
Neste passo, as entidades que assinam o presente documento, manifestam seu total e veemente repúdio à fala do Ministro Milton Ribeiro, solicitando aos órgãos competentes que apurem a conduta do mesmo, e deem seguimento célere e imparcial às ações protocoladas a fim de que seja dada devida punição ao mesmo atrelada à gravidade do ocorrido.
24 de setembro de 2020
Associação Brasileira de Famílias Homotransafetivas
Diversidade 23
Instituto Semear Diversidade
Grupo Dignidade
Coletivo DiverCidadeSP
Centro Paranaense da Cidadania
Coletivo O Direito Achado na Rua
Instituto Brasileiro de Diversidade Sexual
Aliança Nacional LGBTI+
Comissão de Diversidade Sexual e Gênero da OAB / MG
Bancada Paulista Inclusiva
Espaço Paranaense de Diversidade LGBT
Programa Transformando Sucata em Cidadania
Grupo de Amigos Diabéticos em Ação
Associação LGBTI+ de Tucuruí-PA – ALGBTUC
GADVS – Grupo de Advogados pela Diversidade Sexual e de Gênero
Império Sagrado
(Assinaturas até as 17h15, do dia 24/09/2020)
Com informações da Carta Capital