Seguindo a lógica bolsonarista, o ex-ministro da Cidadania de Jair Bolsonaro (sem partido), o deputado federal Osmar Terra (MDB-RS) mentiu reiteradas vezes em seu depoimento à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Pandemia, nesta terça-feira (22). Apontado como “padrinho” do “gabinete paralelo”, o parlamentar voltou a defender a imunidade de rebanho e disse que Bolsonaro não teve poder de decidir sobre a pandemia da covid-19 que já tirou mais de meio milhão de vidas no Brasil.
“Genocida? Nosso presidente não teve poder de decidir nada, não teve a caneta na mão”, afirmou Osmar Terra. O presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM) contestou. “Não tem mentira maior de dizer que o STF tirou poder do presidente. Isso é a maior mentira que existe”.
A fala de Terra foi uma referência à decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que assegurou a Estados e municípios a autonomia para tomar medidas contra a propagação da doença, mas que não eximiu a União de realizar ações e de buscar acordos com gestores locais. O tribunal atribuiu à União a mesma responsabilidade, o que é chamado de “competência concorrente”.
“Líder do negacionismo”
O distanciamento social é uma das maneiras de evitar a propagação do coronavírus, defendido pela comunidade médica e científica de todo o mundo. Mas Osmar Terra distorceu a eficácia da medida ao afirmar que o lockdown, decretado por prefeitos e governadores à revelia de Bolsonaro, provocou a morte de pessoas em função de infecções de famílias dentro de casa.
O relator da CPI, senador Renan Calheiros (MDB-AL) chamou Terra de “líder do negacionismo”.
Constatação do absurdo
Osmar Terra voltou a dizer que o fim da pandemia se dará com a imunidade de rebanho no país, apesar de todas as evidências científicas indicarem justamente o contrário. A vacinação, aliada às medidas sanitárias como uso de máscara e distanciamento social, é que poderão pôr fim à pandemia.
O deputado afirmou não tratar esta tese como uma proposta ou estratégia, mas como uma constatação – um resultado natural do curso de uma pandemia. Ele negou que tenha apresentado a proposta de “contaminar a população livremente”.
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“Eu não defendo a imunidade de rebanho. Ela é o resultado de todas as pandemias. Não é uma proposta”, disse mentindo novamente sobre a eficácia do método também contestado por especialistas em todo o mundo. Mesmo porque já foi comprovado que a reinfecção pela covid-19 pode ser tão letal quanto a primeira contaminação.
A aposta na imunidade de rebanho é uma das linhas de investigação da CPI, colocando o chefe do Planalto no centro da apuração.
Tragédia de Manaus
Renan Calheiros destacou que Terra errou ao apresentar dados sobre imunidade de rebanho em Manaus e ao declarar que a taxa de reinfecção é pequena. Análise conduzida por cientistas do Centro Brasil-Reino Unido para Descoberta, Diagnóstico, Genômica e Epidemiologia de Arbovírus (CADDE) sugere que até 31% dos indivíduos que tiveram covid-19 em Manaus (AM) após janeiro de 2021 – quando a cidade foi atingida pela segunda onda da doença – correspondem a casos de reinfecção pela nova variante P.1 do coronavírus.
A situação da pandemia na Suécia, citada por Osmar Terra como exemplo para defender a imunidade de rebanho, também foi contestada na CPI. O Parlamento da Suécia afastou o primeiro-ministro do país, Stefan Lofven, em uma decisão na segunda-feira, 21. “Se no Brasil tivesse um parlamentarismo, Bolsonaro estava retirado do poder há muito tempo”, afirmou o senador Otto Alencar (PSD-BA).
“Cúmplice das mortes”
Renan confrontou o parlamentar com declarações anteriores, quando Osmar Terra disse que a vacina só teria eficácia “depois da imunidade de rebanho”. Desta vez, no depoimento, Osmar Terra apontou a vacinação como eficaz para a imunização da população, sem deixar de lado a imunidade por infecção.
Omar Aziz também criticou as declarações. Para ele, quem incentivou remédio sem eficácia, foi contra isolamento e apostou na imunidade de rebanho é “cúmplice das mortes”.
Terra afirmou que foi convidado a participar da CPI “por ter uma opinião, uma posição”, criticou as medidas de restrição adotadas por governadores e prefeitos, apesar da orientação de autoridades sanitárias. “As pessoas ficaram em casa e fecharam suas lojinhas enquanto os serviços essenciais estão funcionando… Não tem isolamento. A aglomeração em ambiente fechado é o grande local de contágio, mas isso acontece em todas as casas. Se o isolamento funcionasse, não morria ninguém em asilo.”
Gabinete paralelo
Osmar Terra negou a existência de um “gabinete paralelo” de aconselhamento ao presidente da República sobre a condução da pandemia, um grupo de pessoas com poder de influência sobre Bolsonaro que teria ajudado a definir estratégias e atitudes contestadas para o combate ao vírus no país, como a defesa de medicamentos sem eficácia para a covid-19 e a disseminação de teses como a da imunidade de rebanho e a do isolamento vertical, em que apenas os grupos considerados de risco permaneceriam em isolamento.
Terra não respondeu se conversou com o presidente a respeito da imunidade de rebanho, também citada por Bolsonaro em falas públicas, e afirmou que “isolamento vertical” foi um termo cunhado pelo próprio Bolsonaro.
Ele disse que se encontrava com o presidente, por vezes reservadamente, cerca de uma vez por mês. “O presidente fala o que ele quer falar. Eu não tenho poder sobre o presidente. Isso não existe. Ele ouve todo mundo. O presidente pode fazer isso. Isso não significa que tem gabinete paralelo, não tem. É uma falácia”, se esquivou.
CPI tem provas do gabinete paralelo
A CPI já reuniu provas da existência de um gabinete paralelo, com a participação de Osmar Terra, para subsidiar Bolsonaro em posturas na contramão da ciência. O deputado é chamado por senadores como “ministro paralelo” e negou que tenha recebido convite ou buscado ocupar a chefia do Ministério da Saúde.
Uma reunião em setembro do ano passado, com a presença de Terra, articulou a formação de um “gabinete das sombras” para subsidiar as decisões do presidente. O vídeo do encontro foi exibido por Renan na CPI. O deputado se sentou ao lado de Bolsonaro na ocasião.
Ele afirmou que não tem relações profundas de articulação com os participantes da reunião, como os médicos Paolo Zanotto e Nise Yamaguchi. O parlamentar alegou ainda ter tido reuniões pontuais com o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello e com o atual chefe da pasta, Marcelo Queiroga, mas negou ter conhecimento ou interferência nas políticas adotadas pelo ministério.
Previsões ‘furadas’
Osmar Terra também se antecipou ao comentar as previsões “furadas” feitas por ele no ano passado, quando disse, por exemplo, que a pandemia duraria 14 semanas e seria menos grave do que a H1N1. Ele criticou, por outro lado, o que chamou de “estudos apocalípticos” sobre o número de óbitos.
“As previsões que eu fiz não foram baseadas num estudo matemático apocalíptico como do Imperial College, mas aos fatos que existiam na época. Em fevereiro e março, os fatos concretos eram a epidemia da China. Ela começou, subiu, desceu e terminou. Tem 4 mil mortos na China até hoje. Isso nos levou à ideia de que não seria tão grave.”
O relator da CPI, senador Renan Calheiros, questionou Terra sobre as previsões erradas acerca da pandemia do coronavírus. “‘Nenhum dos seus prognósticos se realizou. A pandemia se concretizou num cenário compatível com as previsões mais sombrias.” Terra não respondeu objetivamente: “Falei de acordo com a minha experiência. A melhor forma de salvar vidas é como aconteceu com todas as outras pandemias”, disse.
Contra o extermínio
O líder da Minoria, deputado Marcelo Freixo (PSB-RJ), defendeu que é necessário tirar Bolsonaro da presidência para acabar com “extermínio”.
Com informações do Estadão