O Ministério Público acionou o Tribunal de Contas da União (TCU) para barrar o pagamento dos supersalários pagos a militares ligados ao governo do presidente Jair Bolsonaro (PL).
Os militares com altos cargos na gestão federal receberam supersalários, que em alguns casos chegaram a R$ 1 milhão ou mais em um único mês. O trem da alegria começou a circular no auge da pandemia do novo coronavírus, que agravou a crise econômica e deixou milhares de trabalhadores e trabalhadoras desempregados, sem renda sequer de bicos por causa das restrições impostas para conter a disseminação da covid-19.
Para Ministério Público junto ao TCU, os pagamentos afrontam princípios da administração pública, mesmo que estejam respaldados legalmente.
“Ainda que fosse possível argumentar, de alguma maneira insondável, a compatibilidade dos pagamentos feitos com o princípio da legalidade, os pagamentos em questão permaneceriam incabíveis dada a total insensatez do período em que foi realizado (pandemia em que a população brasileira sofreu elevadas perdas econômicas), sendo completamente contrário às boas práticas administrativas, ao princípio da eficiência e ao interesse público”, escreveu o procurador Lucas Furtado, autor da representação.
Para o procurador, as remunerações representam “possível afronta aos princípios da moralidade e da economicidade”. O MP pede para o tribunal apurar os pagamentos e determinar ao comando do Exército “que se abstenha de realizar pagamentos em montantes exorbitantes até que o TCU conheça da matéria.”
A afronta a que o procurador se refere está no Portal da Transparência.
De acordo com os dados do portal, só o general Walter Braga Netto, candidato a vice-presidente na chapa encabeçada por Bolsonaro, recebeu R$ 926 mil entre março e junho de 2020 somados, sem abatimento do teto constitucional. O teto limita os salários a R$ 39,3 mil por mês no serviço público. Deste total, R$ 120 mil foi pago a título de férias. O salário bruto de Braga Netto como general da reserva do Exército é de R$ 31 mil.
O almirante de esquadra reformado da Marinha Bento Albuquerque, ex-ministro de Minas e Energia, recebeu R$ 1 milhão nos meses de maio e junho do mesmo ano. O salário dele é de R$ 35 mil.
O general reformado Luiz Eduardo Ramos, ministro da Secretaria-Geral da Presidência, recebeu R$ 731,9 mil entre julho e setembro de 2020. O salário normal dele é de R$ 35 mil.
Socialista denuncia supersalários
O deputado Elias Vaz (PSB-GO), vice-líder do PSB na Câmara, cobrou explicações do ministro da Defesa, general Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, sobre o pagamento de supersalários a militares em meio à pandemia da covid-19. Levantamento feito pelo parlamentar no Portal da Transparência revelou que, em alguns casos, foram pagos até R$ 1 milhão, além do salário mensal, a militares da ativa, inativos e pensionistas em 2020. O requerimento apresentado por Elias Vaz também é assinado pelo 1º vice-líder do PSB, Camilo Capiberibe (PSB-AP).
O grupo das Forças Armadas beneficiado inclui aliados de Bolsonaro, como o candidato a vice na chapa de reeleição, o ex-ministro da Defesa, Walter Braga Netto; o ex-ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque; e o atual ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência, Luiz Eduardo Ramos.
Enquanto a população era obrigada a lidar com todos os desafios impostos pela falta de ações do governo no combate à pandemia, só o general Walter Braga Netto recebeu R$ 926 mil entre março e junho de 2020. Nesse mesmo período, parlamentares do PSB, ao lado de outros partidos da oposição, defendiam no Congresso a aprovação do Auxílio Emergencial no valor de R$600,00 às famílias de baixa renda. Um valor três vezes maior do que o apresentado por Bolsonaro e sua equipe.
“É estarrecedor que, em um ano tão difícil para o nosso país como foi 2020, no auge da pandemia da covid-19, quando o governo limitou o pagamento de auxílio emergencial a quem estava passando fome, um grupo de privilegiados tenha recebido valores milionários além do salário. É um tapa na cara do povo brasileiro”, afirma Elias Vaz.
De acordo com o relatório produzido pelo deputado, o campeão entre os ministros militares de Bolsonaro foi o almirante Bento Albuquerque, que ocupou o Ministério de Minas e Energia entre janeiro de 2019 e maio de 2022. Nos meses de maio e junho de 2020, ele recebeu, além do salário, a soma de R$ 1.037.015,42, valor bruto.
No requerimento, Elias pede o detalhamento dos pagamentos extraordinários feitos em quatro frentes: remuneração básica bruta, férias, outras remunerações eventuais e verbas indenizatórias registradas no sistema de pessoal militar. As parcelas foram pagas de duas formas ao longo de 2020: pagamentos integrais em um único mês ou divididos em duas ou três parcelas.
Há casos de militares que chegaram a receber, além do salário normal, R$721 mil de remuneração básica bruta no mesmo mês e outros que receberam R$ 684 mil de férias no mês. Na categoria de “Outras Remunerações Eventuais”, os benefícios extras por militar chegam a R$ 710 mil em um único mês. Também há militares que receberam no mês até R$391 mil de “Verbas Indenizatórias Registradas em Sistemas de Pessoal Militar”.
“A nossa preocupação é que Bolsonaro esteja utilizando esses benefícios como instrumento de cooptação de alguns setores das Forças Armadas, representando uma ameaça à democracia. Estamos atentos a qualquer ação nesse sentido”, destaca Elias Vaz.
Entenda a mágica da benesses
O governo Bolsonaro aumentou os benefícios para militares que saem da ativa e vão para a reserva. A indenização paga quando eles são transferidos para a reserva, por exemplo, subiu de quatro para oito vezes o valor do soldo após a aprovação da reforma dos militares, em 2019. O gasto com os salários dos integrantes das Forças Armadas e pensionistas aumentou de R$ 75 bilhões em 2019 para R$ 86 bilhões.