
Com o “Dia do Jornalista” sendo celebrado nesta quinta-feira (7), os profissionais de comunicação possuem pouco a comemorar na data. De acordo com um relatório divulgado em fevereiro pela Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), a violência contra jornalistas bateu novo recorde em 2021. Desta vez, foram registrados 430 casos de agressões a jornalistas e veículos, dois a mais em relação ao ano anterior.
E mais uma vez, o presidente da República, Jair Bolsonaro (PL), lidera as ocorrências.
Dos 430 episódios, Bolsonaro foi responsável por 147 (34,2% do total). São 129 casos de ataque à credibilidade da imprensa e 18 de agressões verbais. Depois dele, são citados dirigentes da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), com 142 ataques, e políticos e assessores, com 40. Assim, os três concentram 76% dos registros.
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Desde a ascensão ao poder, Bolsonaro tem feito ataques semanais a jornalistas e veículos de imprensa, o que se reflete diretamente nos números. Em 2020 o Brasil já havia registrado recorde com 428 casos registrados. Em 2019, foram registrados 208 ataques a veículos de comunicação e a jornalistas, um aumento de 54,07% em relação à 2018, antes de Bolsonaro assumir a presidência da República.
“A continuidade das violações à liberdade de imprensa no Brasil está claramente associada à ascensão de Jair Bolsonaro à Presidência da República”, diz a presidenta da Fenaj, Maria José Braga, no texto de apresentação do relatório. De 2018 para 2019, o número de casos já havia crescido 54%, para 208. Em 2020, o aumento foi de quase 106%. “Houve uma verdadeira explosão da violência contra jornalistas e contra a imprensa de um modo geral. E, em 2021, essa situação mantém-se praticamente inalterada, com jornalistas sendo atacados cotidianamente.”
Além de acusar a imprensa de praticar fake news, em todas as ocasiões em que suas mentiras, ações ou esquemas de corrupção de aliados foram revelados, Bolsonaro agrediu verbalmente os jornalistas, utilizando adjetivos como “canalha”, “quadrúpede”, “picaretas” e “idiota”, ou mandando “calar a boca” quando a pergunta lhe incomodou.
Agressões e censuras do presidente
De acordo com o documento, houve alta (64,7%) no número de casos de censura, que lideram a lista: de 85, em 2020, para 140. Representam 32,56% do total do ano passado. Em seguida, 131 casos de “descredibilização” da imprensa (30,46%). Com 58 registros (13,49%), agressões verbais e ataques virtuais.
A lista inclui ameaças e intimidações (33 casos), agressões físicas (26), cerceamento à liberdade de imprensa por meio de ações judiciais (15), violência contra a organização dos trabalhadores/sindical (oito), impedimento ao exercício profissional (7), ataques cibernéticos e atentados (4 casos cada), assassinato (um, de Eranildo Ribeiro da Cruz, o Chocolate, no Pará) e injúria racial/racismo (1).
“A má influência de Bolsonaro na questão da violência contra jornalistas pode ser percebida também no comportamento dos cidadãos comuns, que continuaram a figurar entre os agressores, divididos em três categorias: manifestantes bolsonaristas (pessoas presentes em manifestações de apoio ao presidente) e internautas/hackers (pessoas que cometeram agressões por meio de redes sociais, quase sempre associadas a reportagens/notícias com críticas ao governo)”, aponta ainda o relatório da Fenaj.
‘Predador da liberdade de imprensa’
O mandatário também passou a integrar, pela primeira vez, o relatório “predadores da liberdade de imprensa” do Repórteres Sem Fronteiras (RSF). A edição de 2021 é composta por 37 chefes de Estado ou de governo que “impõem uma repressão em massa da liberdade de imprensa no mundo”.
Além de “tiranos veteranos”, como Kim Jong-un, Bashar al-Assad e Vladimir Putin, a edição 2021 tem a particularidade de também citar pela primeira vez duas mulheres e um europeu. O último relatório da ONG internacional foi publicado em 2016.
Todos os 37 chefes de Estado ou de governo citados restringem a liberdade do exercício do jornalismo com a “criação de estruturas de censura, a detenção arbitrária de profissionais da mídia e a incitação à violência contra os jornalistas”, afirma a ONG internacional.
Há inclusive “predadores” que estão diretamente ligados a assassinatos de profissionais da mídia, como o príncipe herdeiro da Arábia Saudita, Mohammed bin Salman, envolvido na morte atroz do jornalista saudita Jamal Khashoggi.
Entre os citados, 16 representam países que integram a pior posição do relatório anual da RSF sobre a liberdade de imprensa e 19 vêm de países que figuram na lista vermelha, onde o exercício do jornalismo é considerado difícil (caso do Brasil).
Violência de gênero
Em março, a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) divulgou estudo sobre violência de gênero contra jornalistas, realizado com apoio do Global Media Defence Fund, da Unesco, em 2021. Segundo o levantamento, 127 mulheres jornalistas (cis e trans) e meios de comunicação foram alvos de 119 casos de violência de gênero.
O relatório da Abraji monitorou redes sociais como propagadoras de agressões a profissionais de imprensa. Quase 60% dos casos de discursos estigmatizantes foram iniciados por publicações de autoridades de Estado e outras figuras proeminentes no campo político brasileiro. A maioria das vítimas eram jornalistas que cobriam política.
Em 2020, Bolsonaro foi criticado por entidades e chegou a ser processado após preferir um comentário de cunho sexual a respeito da jornalista da Folha de S. Paulo Patrícia Campos Mello. Na ocasião, ele usou a palavra “furo” de forma pejorativa.
“Ela [Patrícia] queria um furo. Ela queria dar um furo a qualquer preço contra mim”, disse aos risos. No jargão jornalístico, “furo” é a informação publicada em primeira mão por um veículo ou profissional de imprensa.
Em outro episódio, o presidente disse a um jornalista que ele tem “uma cara de homossexual terrível”. A declaração foi dada depois que Bolsonaro foi questionado sobre o que faria se o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), seu filho mais velho, estivesse envolvido em algum esquema de corrupção.