O mês de abril é dedicado à Revolução da Moda pelo Fashion Revolution, um movimento global que atua para uma indústria da moda mais limpa, justa e transparente.
O Socialismo Criativo preparou uma série de matérias sobre a indústria da moda como uma expressão da economia criativa. Os textos são de Iara Vidal, representante do Fashion Revolution em Brasília e jornalista do portal, e serão publicados ao longo do mês de abril.
Siga a hashtag #FashionRevolution2021 e acompanhe os textos sobre o movimento.
Moda é dependente da Ásia
O mundo da moda é altamente dependente da Ásia e, ainda assim, há baixíssima representatividade dessas pessoas no universo fashion. Essa ausência de imagens asiáticas em propagandas de roupas e afins é uma das expressões dos preconceitos sofridos por essa parcela da população.
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A imagem das pessoas da Ásia é pasteurizada e carregada de estereótipos e preconceitos que foram reforçados com a chegada da pandemia da Covid-19. Aqui no Brasil, a pesquisadora Caroline Ricca Lee, do Núcleo de Estudos sobre Marcadores Sociais da Diferença da Universidade de São Paulo (Numas/USP), conversou com a repórter Bárbara Poerner, da Elle, e relatou que um grupo de asiáticos-brasileiros denunciou casos de injúria racial e até agressões.
”Essa situação é consequência da nomeação de um ‘vírus chinês’, termo preconceituoso, difundido como estratégia política, mas que acabou revelando um imaginário discriminatório enraizado em nossa cultura e sociedade. No final, a discriminação contra amarelos e o sentimento antiasiático não é algo que se inicia com a Covid-19.”
Caroline Ricca Lee, USP
Nos EUA, oito pessoas morreram depois de serem baleadas em casas de massagem em Atlanta (EUA) na noite do dia 16 de março. Seis das vítimas eram asiáticas e apenas um era homem.
Dois dias depois, congressistas estadunidenses alertaram o Comitê Judiciário da Câmara que o país chegou a um “ponto de crise” em meio a um aumento acentuado da discriminação e da violência que atinge a comunidade asiática. Eles argumentaram que o aumento de 150% nos ataques no último ano foi resultado direto do discurso anti-China que surgiu com a pandemia.
Meu nome não é “japa”
Na avaliação de Luiza Tamashiro, co-fundadora do RElab Criativo e asiática-indígena, o preconceito asiático sempre existiu só que de uma forma naturalizada e estereotipada no Brasil e no mundo. Ela cita que os clichês sobre mulheres com ascendência asiática são muitos: trabalhadora, inteligente, boa em exatas, dócil, submissa e exótica.
Para Luiza, o Brasil ainda tem muito o que aprender sobre as vivências de seus 1,5 milhão de cidadãos asiáticos-brasileiros, entre eles a comunidade japonesa, a maior fora do Japão.
“O coronavírus colocou o preconceito asiático em evidência, o governo brasileiro vem destilando seu preconceito, a crescente publicidade negativa da mídia com relação a China também ajudou a intensificar, mas o problema sempre existiu”.
Luiza Tamashiro
Luiza comenta que, no Brasil, asiáticas-brasileiras são vistas como “japa”, estrangeira, mas o silêncio tem sido rompido. Cada vez mais o tema tem ganhado evidência e os estigmas vêm sendo desconstruídos. Ela atua em movimentos relacionados à moda e ao design para romper esse padrões e difundir a proposta de moda antirracista.
“A ideia, é unir pretos, mulheres, indígenas, migrantes, LGBTQIA+, pessoas com deficiência e outros movimentos que buscam a erradicação da pobreza e da desigualdade em uma mesma pauta de democracia e liberdade para todos. Os sistemas de opressão são conectados, então, é essencial a criação de agendas comunitárias para lutas aliadas. Conhecimento e linguagem é poder!”
Luiza Tamashiro
Ásia é a força motor da moda do mundo
A Organização Internacional do Trabalho (OIT) aponta o continente asiático como o maior produtor de roupas do mundo. Existem vários fatores para explicar esse fenômeno – núcleos produtivos imensos e alta capacidade de escoamento de produtos –, mas um dos principais é o preço. Lá, empresas internacionais podem pagar menos e produzir mais. O que não significa que alguns países, como China, não invistam, cada vez mais, em tecnologia, novas fibras e otimização industrial.
A Ásia concentra 75% de toda a classe trabalhadora da indústria da moda, 80% composta de mulheres, e exporta 70% do vestuário global. Apenas a China, segunda maior economia do planeta, concentra alguns dos designers mais criativos, revolucionários e influentes das últimas décadas.
Em 2000, o mercado chinês era uma pequena fatia do total global, representava apenas 2% das vendas. Agora, é o território mais lucrativo que existe. De acordo com um estudo da Bain & Company, 35% de todas as compras de artigos de luxo (moda, relógios e jóias) em 2019 foram realizadas na China ou feitas por cidadãos chineses que viajam para o exterior: apenas 2% a menos do que os EUA e a Europa juntos.
Criatividade da moda asiática
Além de milhares de consumidoras, costureiras, modelistas e agricultoras, o continente asiático concentra renomados designer e estilistas – mas falta visibilidade. Como o estilista Kansai Yamamoto, que morreu em julho de 2020 e foi o primeiro estilista japonês a ganhar notoriedade fora do país. Ele antecede grandes nomes como Yohji Yamamoto, Issey Miyake e Rei Kawakubo e reforça a pluralidade do país natal.
Há ainda o estilista indiano Manish Arora já vestiu desde Lady Gaga até Katy Perry. Ou ainda a jovem Angel Chen, que participou do Next in Fashion, reality show da Netflix, em 2020, e Minju Kim, coreana, que participou do mesmo programa e levou o prêmio para casa.
A marca eco friendly sul-coreana Danha ganhou popularidade ao vestir integrantes da banda BlackPink é mais um exemplo. Vale acompanhar a Ambush, marca idealizada pela coreana Yoon Ahn. Além do próprio negócio, ela é responsável pelas jóias masculinas da Dior.
No Brasil, Jum Nakao marcou a história da moda brasileira com o desfile A Costura do Invisível, em 2004. A coleção, inteiramente de papel, foi totalmente rasgada no final da apresentação. Atualmente, o país tem a designer nipo-brasileira Teodora Oshima, Paula Kim, da Lapo Sports, e as irmãs Thali e Gabi, que produzem conteúdos audiovisuais no Two Lost Kids. No campo da beleza e lifestyle, tem ainda Vitor Goto e Priscila Jinn.
#StopAsianHate
Nos EUA, a escalada de violência contra asiáticos deu mais força aos protestos da organização Stop AAPI Hate, associada à hashtag #StopAsianHate e que atua em resposta à escalada alarmante de xenofobia e intolerância resultante da pandemia da Covid-19.
A ação da comunidade Asiática-Americana e das Ilhas Pacíficas (AAPI)é resultado da aliança entre o Conselho de Planejamento e Política do Pacífico Asiático (A3PCON), o Departamento Chinês para Ação Afirmativa (CAA) e o Departamento de Estudos Asiático-Americanos da San Francisco State University.
A campanha foi lançada junto com a criação de um centro para receber denúncias de ódio da AAPI em março de 2020. O centro rastreia e responde a incidentes de ódio, violência, assédio, discriminação, rejeição e intimidação infantil contra asiático-americanos e habitantes das ilhas do Pacífico nos Estados Unidos.
Xenofobia na cultura pop, na arte e na moda
Os EUA podem ser o epicentro midiático do assunto, mas não é o único lugar em que a hashtag #StopAsianHate se aplica.
”O momento é crucial para avaliarmos como a cultura pop, a arte e a moda produzem imaginários de pessoas asiáticas como meros objetos à disposição dos prazeres alheios, reproduzindo dominação e violência. Essa é a maneira que, infelizmente, olhamos para essas pessoas há muito tempo”.
Caroline Ricca Lee, USP
Ricca Lee fundou em 2016 a Lótus Feminismo, a primeira coletiva feminista na luta por equidade de gênero que busca dar visibilidade às narrativas asiático-brasileiras.
A diversidade da Ásia
O continente asiático é o maior do mundo, concentra metade da população mundial e agrupa 50 países. Muitas vezes é visto de forma homogênea, mas falar de Ásia é falar de diversidade – seja ela social, religiosa, econômica, artística, tecnológica e cultural – de diversos grupos étnicos.
”O termo ‘asiático’ seria uma definição étnica para qualquer pessoa que seja nacional ou tenha ascendência de algum desses países. Por isso, o termo não se refere exclusivamente às vivências da raça amarela (como japoneses, chineses e coreanos), mas também de pessoas marrons (tais como indianos, iranianos e libaneses).”
Caroline Ricca Lee, USP
Estereótipos da moda
Os estereótipos de pessoas asiáticas ou de descendência asiática percorrem toda a indústria criativa, do cinema à música, passando pelas artes e até a moda. Na indústria fashion esses preconceitos são aflorados.
O professor de desenho no Instituto Europeo di Design de São Paulo (IED-SP) Gil Tokio, ilustrador e brasilerio descendente de japoneses, comenta sobre a dinâmica da xenofobia contra asiáticos no universo da moda.
”Existe tanto preconceito que motiva ódio e nojo, como também a ideia de ‘minoria modelo’. É uma dinâmica esquisita, de ser um exemplo, um molde, mas ser também o outro, o exótico, para ser então desprezado. Na moda, isso não é muito diferente”.
Gil Tokio, IED
Tokio lista dois estereótipos comuns relacionados à produção de moda asiática. Um deles é o de associar tudo de origem asiática (às vezes, especificamente chinesa) a produtos baratos ou de má qualidade. Essa ideia e imprecisa, afinal, como maior continente do planeta, a Ásia produtos de tudo um pouco. De peças com menor qualidade de acabamento e tecido até uma tecnologia avançada, fibras com menores impactos ambientais e qualidade impecável.
O outro estereótipo apontado por Tokio está relacionado à cadeia produtiva da moda na Ásia. Não é incomum ouvirmos que ‘só tem trabalho escravo na China’. Mas, é impossível fazer tal afirmação. Os absurdos do trabalho escravo ou análogo à escravidão, infelizmente, permeiam toda a indústria da moda, seja na China, em Bangladesh ou aqui no Brasil, em São Paulo (SP).
Com informações da Vogue, Poder 360 e GQ