Indígenas, ativistas e relatores das Nações Unidas acusaram o governo de Jair Bolsonaro (sem partido) de usar a pandemia da covid-19 para “desmantelar a governança ambiental e indígena”. O que deixou os diferentes povos originários largados à própria sorte para se proteger do vírus.
As denúncias foram feitas nesta terça-feira (28), em um dia dedicado ao debate sobre a situação dos povos tradicionais e a pandemia da covid-19 no Conselho de Direitos Humanos da ONU. As informações são do jornalista Jamil Chade, do Uol.
O Conselho Indigenista Missionário (Cimi), alertou à comunidade internacional que a ideia de “construir melhor” era ainda “um sonho distante para os povos indígenas do Brasil”.
“Não há nenhum plano, nem mesmo uma visão no país sobre como melhor sair da pandemia, e o presidente da República continua projetando uma realidade paralela, como fez antes da Assembleia Geral da ONU este ano”, declarou o representante do grupo, Roberto Leibgott.
“Ao contrário de uma visão que veria os povos indígenas como agentes de mudança e emergindo da pandemia com uma realidade melhor para todos, as forças políticas predominantes no Brasil estão aproveitando a pandemia para desmantelar a forte governança ambiental e indígena, conseguida com sacrifícios após a redemocratização do país”, denunciou, em seu discurso.
Durante o pior momento da pandemia, povos indígenas e ONGs precisaram recorrer aos organismos internacionais para “deter as atrocidades em curso, em meio a uma série de omissões deliberadas e sabotagem do Plano de Contingência ordenado pelo Supremo Tribunal Federal”.
O representante da Cimi também destacou as marchas dos indígenas para Brasília, que levaram 15.000 indígenas de 117 povos diferentes.
“Os povos indígenas do Brasil foram grandes defensores da Constituição do Brasil, cuja democracia sofre hoje uma das maiores ameaças e que afetam seus direitos e sua própria existência de forma agravada”, declarou. “Infelizmente, hoje trazemos um exemplo de uma das piores práticas para enfrentar a pandemia: a do Brasil”, completou.
Ausência do Estado, diz relator da ONU
José Francisco Cali Tzay, relator da ONU sobre povos indígenas, também destacou nesta terça-feira como grupos tradicionais brasileiros se organizaram para garantir acesso à saúde diante da pandemia e conseguir criar barreiras para prevenir a infecção. Para ele, tais casos mostram a ausência do estado.
O governo brasileiro também tomou a palavra durante a reunião. Segundo o Itamaraty, os indígenas têm os mesmos direitos políticos que o restante da população e destacou como o governo envolveu tais grupos desde a eclosão da pandemia na elaboração do plano para lutar contra a covid-19.
De acordo com o governo, barreiras sanitárias foram estabelecidas, comitês de crise incluíram indígenas e 30% dos funcionários de saúde nessas regiões eram de povos tradicionais.
Bolsonaro desmentido
No dia 21 de setembro, em Nova Iorque, Bolsonaro afirmou que “14% do território nacional, ou seja, mais de 110 milhões de hectares, uma área equivalente a Alemanha e França juntas, é destinada às reservas indígenas”. “Nessas regiões, 600.000 índios vivem em liberdade e cada vez mais desejam utilizar suas terras para a agricultura e outras atividades”, declarou.
Para os grupos indígenas, porém, Bolsonaro omitiu graves violações de direitos humanos e um desmonte de medidas de proteção. Agora, diferentes vozes se alternam nas reuniões da ONU para alertar para uma série de violações do Estado brasileiro contra os povos indígenas relacionadas à pandemia da covid-19, à preservação ambiental e territorial, bem como de direitos humanos.
A meta é a de obter apoio internacional contra o presidente brasileiro e aliados para pressionar o Brasil a mudar de rota no que se refere ao debate sobre direitos humanos e grupos indígenas. Se as denúncias não geram uma ação imediata por parte da ONU, a ofensiva constrange ainda mais o governo, em condição de fragilidade no palco internacional.