por Domingos Leonelli em 01/02/2019.
As elites políticas brasileiras – de esquerda, de direita e de centro – bem como grande parte da elite empresarial, introjectaram profundamente uma visão de desenvolvimento econômico centrada na industrialização como o estágio mais avançado da economia. Isso era correto até os meados do século XX.
Ocorre que da década de 70 pra cá, aconteceu uma nova revolução tecnológica. E com ela o surgimento de um novo centro dinâmico na economia. Um novo protagonismo.
Embora convivendo no dia-a-dia com as novas ferramentas e com as várias manifestações de inovação tecnológica e da mudança cultural, essas elites não se aperceberam que essas inovações configuram, na realidade, um novo paradigma de desenvolvimento econômico.
E mesmo constatando o crescimento exponencial das indústrias criativas no mundo e também na America Latina e no Brasil, nossas elites parecem não ligar esse crescimento da Apple, do Google, da Microsoft, da Amazon, da Tecent, ao surgimento de novas cadeias globais de valor baseadas na produção de mercadorias intangíveis (informação, software, cultura, arte). Um novo fenômeno que atinge o conjunto da economia. E mais do que isso, que alterou o modo de produção, o trabalho e até as relações sociais.
Apropriamo-nos das aplicações da inovação, tanto na atividade econômica, como na vida social e até na política (veja as ultimas eleições no Brasil determinada pelo uso da internet) sem conseguirmos – ou sem querermos – enxergar a mudança mais profunda do modelo de desenvolvimento.
Só conseguimos pensar na tecnologia como instrumento para modernizar a indústria, a agricultura, os serviços bancários, a produção de novas formas de energia. As elites políticas e empresarias, parecem não se darem conta de que a inovação tecnológica e a produção cultural são mais que simples serviços. Costituem-se num novo e poderoso negocio, muito maior do que os negócios aos quais “servem”. Que é o negócio dos negócios, presente em quase todas as atividades econômicas, culturais e sociais, formando um novo sistema.
Esse novo modo de produção tem uma característica inédita na história econômica: não está baseado na produção de insumos finitos (carvão, grãos, aço, petróleo), mas utiliza como matéria prima a infinita capacidade de criar do ser humano e, futuramente, talvez, das maquinas. Inverte, portanto, toda a lógica de uma economia, antes baseada na escassez das matérias primas e agora baseada na abundancia da criatividade.
Embora já estejamos vivendo a sociedade do conhecimento e utilizando-nos dos seus avanços, nossas elites só conseguem operar politicamente com os fundamentos da velha industrialização, da indústria 2.0.
E no mundo empresarial falam na indústria 4.0, realizam importantes estudos como o Mapa das Indústrias Criativas realizado pela FIRJAN e os eventos de educação como a CNI, SENAI, mas seus associados continuam investindo e operando pesado na exportação de commodities e numa indústria manufatureira com muito pouco investimento em ciência e tecnologia para a própria modernização industrial.
Fique bem claro que estamos nos referindo as elites institucionais. Porque na vida real, as atividades da economia criativa desenvolvem-se a pleno vapor, com startups aceleradoras, investidores anjos, apoio de grandes empresas como a IBM, da Google, Samsung e outras. Coworkings se estabelecendo e desenvolvendo formas de trabalho nunca vistas.
No plano governamental a Economia Criativa foi objeto de um Plano Estratégico do Ministério da Cultura que se definiu como um plano interdisciplinar envolvendo vários ministérios, mas a fraqueza política e orçamentária do MINC impossibilitou a sua implantação. Dois fatores contribuíram para o insucesso: o primeiro foi ter dado um peso excessivo à cultura ao plano. E o segundo imaginar que um plano tão abrangente poderia ser liderado por um ministério singular, qualquer que fosse ele.
Alguns estados seguiram a linha do plano Nacional e abraçaram a Economia Criativa nas secretárias da cultura.
O caso de São Paulo foi diferente. Provavelmente o primeiro Estado a formular um plano para a Economia Criativa, elaborado pela fundação Vanzolini com a consultoria de importantes especialistas como Lídia Goldenstein, Ana Carla Fonseca, Ricardo Mucci, Davi Nakano, Luis Eduardo Bertazi e Luiz Ojima Sakuda, com a supervisão do Instituto Pensar, para a secretaria de Desenvolvimento Econômico, Ciência, Tecnologia e Inovação, cujo titular era o vice-governador do estado, Márcio França. Desse plano foi implementado apenas uma das ações previstas: as Escolas de Técnicas de Economia Criativa, na prática alguns poucos centros de qualificação profissional em atividades gerais do design, da produção de idéias e gestão de negócios.
Mais uma vez confirmou-se que para ser tomado como eixo de desenvolvimento, um Plano Estratégico da Economia Criativa precisaria obedecer a liderança máxima, ou seja, ao chefe do poder executivo. Assim, se, Márcio França tivesse sido eleito governador de São Paulo nas eleições de 2018 talvez conseguisse reunir uma equipe competente para implementar o Plano Estratégico. Já o governador eleito, João Dória, transferiu a Economia Criativa para a Secretaria de Cultura, que inclusive vai chamar-se Secretaria da Cultura e Economia Criativa. Diga-se de passagem, que o estado de São Paulo é o maior centro de atividades da Economia Criativa do Brasil.
Dentre as ações positivas de governos estaduais brasileiros a mais importante é, sem sombra de dúvidas, o Porto Digital de Pernambuco, pela sua abrangência, pelo seu sucesso empresarial, e pelo seu grau de integração a cadeia de valor global.
Em outros estados e municípios esses incentivos pontuais têm revelado uma certa sensibilidade dos governantes para as áreas de inovação, ciência e tecnologia e cultura, a exemplo de Minas Gerais, Brasília – DF, Paraíba, Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro. Uma sensibilidade que, no entanto ainda não se transformou em visão estratégica.
No âmbito das universidades publicas e privadas observa-se a mesma falta de visão estratégica. Apesar do funcionamento do OBECs, Observatório da Economia Criativa. Somente na FGV e na Escola Superior de Marketing – ESPM – é que temos noticias de disciplinas ligadas ao tema.
A exceção mais relevante na área governamental são o BNDES e a Apex. O primeiro com linhas de financiamento para startups e um importante estudo sobre produção de games. A Apex com fortes estímulos às pequenas e médias empresas de tecnologia e cultura, lugar de destaque assegurado nas feiras e exposições internacionais.
Já na política propriamente dita, trata-se a Economia Criativa como uma mera extensão do gênero “alternativo” para a cultura, ou, simplesmente a confunde com economia solidária.
Pouquíssimas iniciativas parlamentares e excessivamente simplificadas, para não dizer simplórias, sobre Economia Criativa.
Nada de relevante ou substancial nos programas dos candidatos presidências de 2018 que preferiram desenvolver variações sobre a “reindustrialização do Brasil” e algumas platitudes sobre indústria 4.0.
O PSB e alguns membros da sua Direção Nacional conseguiram aprovar no ultimo congresso do partido uma resolução em que se adotou a Economia Criativa como Estratégia de Desenvolvimento. É caso único no Brasil.
Entretanto, a decisão de não apoiar nenhuma candidatura no primeiro turno das eleições de 2018, impediu que os socialistas negociassem a inclusão desse ponto nos programas de governo.
Concluindo este capitulo entendemos que são três os grandes obstáculos a mudança do padrão cultural da política.
O primeiro grande obstáculo é a ausência de um verdadeiro Projeto Nacional de Desenvolvimento, não confundir com programa eleitoral, que incorpore o novo paradigma que caracteriza o modo de produção na sociedade do conhecimento.
O segundo é o pequeno envolvimento dos principais atores da Economia Criativa (startups de ciência e tecnologia, Google, Facebook, Operadoras de turismo, produtores de Software, design) na política. A exceção para estes casos são os artistas, os intelectuais e os publicitários. A Economia Criativa não tem bancos, Odebrecht, OAS, JBS em ação. Ainda bem, podemos dizer. Mas de qualquer forma o que se constata e o distanciamento político.
E, finalmente, o terceiro obstáculo é a ausência de uma nova comunicação política que não apenas se utilize das ferramentas da internet, mas consiga que a política incorpore os novos conteúdos sociais, culturais e científicos da modernidade. Algo como um espelho mágico que reflita seu próprio futuro.
Domingos Leonelli