Documentos obtidos pela Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Pandemia mostram que a Precisa Medicamentos, empresa que vendeu a vacina indiana Covaxin ao Ministério da Saúde, arrecadou pelo menos R$ 9,5 milhões vendendo o imunizante a 59 clínicas privadas no início do ano. As empresas pagaram “sinal” de 10% e ficaram sem dinheiro e sem vacina.
Algumas clínicas buscam ressarcimento, já que o prazo contratual para a entrega das doses, estipulado no final de abril, expirou. Procurada, a Precisa não comentou o caso até a publicação da reportagem, publicada pelo jornal O Globo.
Os negócios não foram adiante porque, além de a vacina não ter sido aprovada pela Anvisa, o Congresso não liberou clínicas privadas para vacinarem seus clientes contra Covid-19 até agora. O jornal ouviu donos de clínicas de vacinação, alguns dos quais pediram anonimato, sobre os contratos.
Empresas pagariam mais que o dobro que governo
A oferta de Covaxin para clínicas privadas foi feita entre o fim do ano passado e fevereiro deste ano, antes do contrato com o Ministério da Saúde, agora investigado pela CPI e pelo Ministério Público Federal (MPF). Em 25 de fevereiro, o governo comprou 20 milhões de doses de Covaxin por R$ 1,6 bilhão, contrato suspenso após descumprimento de seus prazos pela Precisa Medicamentos.
O menor preço oferecido pela Precisa às empresas privadas era de US$ 32,71 para quem comprasse mais de 100 mil doses. O valor é mais que o dobro dos US$ 15 pagos pelo ministério. Na época, havia a expectativa de que o Congresso aprovasse um projeto que previa a doação de 50% das vacinas adquiridas pelo setor privado para o SUS, o que duplicaria os valores, segundo fontes que participaram do negócio.
Na faixa mínima de doses oferecidas, de 2 mil até 7,2 mil doses, o valor praticado era de US$ 40,78. Por volta de 30 empresas optaram por essa modalidade, segundo documentos em mãos da CPI.
O contrato padrão, a que a reportagem teve acesso, previa que as clínicas deveriam pagar 10% de adiantamento e, depois, 20% do valor do contrato em dois dias úteis após a publicação do registro da vacina pela Anvisa. Os demais 70% viriam no momento da importação.
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Em comunicação com o Ministério da Saúde, a Precisa demonstrou preocupação em obter logo a aprovação da agência para importar a vacina. O funcionário do Ministério da Saúde Luis Ricardo Miranda relatou à CPI ter sido pressionado por superiores a enviar logo a documentação da Covaxin para a Anvisa, mesmo incompleta.
Precisa recebe pedidos de devolução
Os contratos previam a devolução do valor antecipado caso as vacinas não fossem entregues até 30 de abril. Uma empresária, que não quis se identificar, conta que após o fim de abril, a Precisa fez diversas reuniões prometendo entregar as doses adquiridas por sua clínica, pelas quais ela já havia desembolsado cerca de R$ 120 mil.
A clínica então “chegou num limite de espera” e pediu o dinheiro de volta. Segundo a empresária, a Precisa não respondeu a nenhum e-mail ou telefone até receber uma notificação da advogada da clínica. A empresa então concordou em devolver os 10% do “sinal”.
Nas contas bancárias da Precisa Medicamentos, enviadas à CPI, o Globo localizou apenas três devoluções de valores para clínicas privadas no período analisado, até junho, totalizando R$ 147 mil. As empresas receberam exatamente o mesmo valor que pagaram.
Ações na Justiça contra a Precisa
A Precisa foi processada por pelo menos duas clínicas que pediram seu dinheiro de volta no Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), a Clínica de Vacinas MDC e a Alliar. Nos dois casos, a empresa se recusou a devolver os valores como era determinado em contrato.
Findo o prazo de entrega, sem previsão de aprovação pela Anvisa, a MDC pediu de volta os R$ 66 mil que pagou antecipadamente. A Precisa disse que só devolveria 80% do valor, ficando o resto como uma multa a que dizia ter direito. A clínica entrou com uma ação judicial e conseguiu comprovar que o contrato não previa essa multa citada pela Precisa.
A Alliar, por sua vez, pagou R$ 1 milhão à Precisa e pediu o dinheiro de volta após a promulgação de uma lei que proibia expressamente a vacinação por entes privados antes da imunização de grupos prioritários no Programa Nacional de Imunização (PNI). O pedido, feito à Justiça estadual paulista em 13 de julho, ainda não foi apreciado.
Alguns donos de clínicas, por outro lado, relatam que tiveram uma boa experiência com a Precisa. Paula Távora, sócia da clínica Vacsim em Belo Horizonte, desembolsou R$ 1,2 milhão como adiantamento por doses da Covaxin e espera receber o dinheiro de volta.
“Nós fizemos o pedido de distrato da proposta, nós recuamos da nossa intenção. Eles assinaram o termo de distrato com muita coerência e correção. Estou lamentando muito o que estou ouvindo sobre a Precisa. O valor vai ser devolvido agora integral no dia 30 de julho. Eu não tive estresse nenhum com eles”, diz a médica ao Globo.
Esperança de importação
Bruno Renato Filho, da BRL Distribuidora de Vacinas, disse que não pediu de volta o R$ 1,7 milhão que repassou à Precisa em fevereiro porque acredita que ainda conseguirá importar a vacina após a autorização de uso emergencial da Anvisa. Ele fez a compra já pensando em revender as vacinas para clínicas e diz que segue achando ser um bom negócio.
“Foram 100 mil doses. Se uma (clínica) comprar as 100 mil doses, para mim está bom”, disse.
Associação de clínicas
Em diversas clínicas, o contato foi feito através da Associação Brasileira de Clínicas de Vacinas (ABCVAC). A associação firmou um contrato de parceria com a Precisa em 29 de janeiro de 2021 prevendo condições padronizadas para a compra. Na época, segundo apurou o Globo, a Precisa esperava vender 5 milhões de doses da Covaxin ao setor privado.
A associação, sem fins lucrativos, nega ter qualquer participação remunerada no negócio e diz em nota que “esse documento (o contrato de parceria com a Precisa) perdeu seu objeto com a impossibilidade de entrega de vacinas no prazo acordado”.
No início de janeiro, representantes da ABCVAC estavam com a Precisa em uma comitiva à Índia que visitou as instalações da Bharat, fabricante da vacina. A Embaixada do Brasil em Nova Déli registrou que Francisco Maximiano, presidente da Precisa, foi atendido pelos diplomatas como representantes da ABCVAC. A associação assume ter acompanhado a viagem, mas nega ter estado presente nessa reunião específica.
Com informações de O Globo