
Seis meses após o estado de emergência pela Covid-19 ser decretado e acumulando 90 mil mortos pela doença, o Ministério da Saúde ainda guarda 9,85 milhões de testes para detectar a presença do coronavírus em pacientes, segundo documentos internos da pasta divulgados nesta quarta-feira (30), pelo jornal Estadão.
De acordo com a reportagem, o número de testes parados é quase o dobro dos cerca de 5 milhões de unidades entregues até agora pelo governo federal aos Estados e municípios. O exame encalhado é do tipo PT-PCR, considerado um dos mais eficientes para diagnóstico da doença.
Falta insumos na Saúde
O principal motivo para os testes ficarem parados nas prateleiras do ministério é a falta de insumos usados nos laboratório para processar amostras de pacientes. Isso porque, segundo secretários de saúde locais, não adianta apenas enviar os exames, mas também distribuir reagentes específicos.
O governo federal comprou os lotes de exames, mas sem ter garantia de que haveria os insumos indispensáveis para usar os testes. Estes produtos não são entregues “com regularidade” pela pasta, afirmou o Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass).
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Questionado pelo jornal, o Ministério da Saúde disse que não recebeu alertas de Estados sobre falta de produtos para os exames. Relatórios internos da pasta, no entanto, já apontavam o problema. O ministério afirmou que teve dificuldades para encontrar todos os insumos no mercado internacional, mas que está estabilizando a distribuição conforme recebe importações de fornecedores, sem informar quantos reagentes foram entregues.
A escassez tem causado um efeito cascata nos estados, que ficam com seus locais de armazenamento lotados, com os testes recebidos à espera dos demais produtos.
“Falta só disposição”
“No primeiro momento não tínhamos testes porque estavam escassos. A Fiocruz começou a produzir, além de laboratórios privados. Aí começou a faltar tubo, material de extração, depois de magnificação”, afirmou o professor da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP) Gonzalo Vecina. “Agora está faltando só competência. Falta só disposição do Estado para distribuir, coletar e processar”, acrescenta o pesquisador, ex-presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
Dados apresentados na última sexta (24) pelo ministério mostram que o Brasil realizou 2,3 milhões de testes do tipo RT-PCR para a Covid-19, sendo 1,4 milhão na rede pública e 943 mil, na privada. No mesmo período, o país fez outros 2,9 milhões de testes rápidos, que localizam anticorpos para a doença, mas não são indicados para diagnóstico.
Falta de diagnósticos precisos
A falta de testagem se reflete no alto número de casos sem diagnóstico adequado. Até 18 de julho, o Brasil registrou 441.194 internações por Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG), sendo 213.280 para covid-19. Há ainda mais de 80 mil internações em investigação e 141,6 mil classificadas como síndrome “não especificada”.
Na opinião da presidente da Associação Brasileira de Saúde Coletiva, Gulnar Azevedo, os exames encalhados no ministério evidenciam a falta de integração entre governo federal, Estados e municípios.
De acordo com dados do ministério, a União já fechou contratos para receber 23,54 milhões de testes RT-PCR, por R$ 1,58 bilhão. A pasta ainda espera a entrega de 8,65 milhões de unidades para depois repassar a Estados e municípios. Sobre o estoque de kits parados, o Ministério da Saúde disse que os Estados “não possuem capacidade para armazenar uma grande quantidade de insumos de uma só vez”. E portanto, “os testes em estoque são distribuídos à medida que os Estados demandam”.
App no papel
Atas do COE revelam ainda orientações ao ministério para criar formas de rastrear quem teve contato com pacientes do vírus. Em 29 de maio, técnicos sugeriram criar um aplicativo para monitorar quem está contaminado e dez de seus contatos próximos. No mesmo encontro foi feito o alerta de que, sem distanciamento social, os efeitos da pandemia podem durar até dois anos.
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O aplicativo jamais saiu do papel. Em 4 junho, o centro de operações tratou da necessidade de realizar “inquérito de acompanhamento do perfil sorológico da população” e rastreamento de quem teve contato com infectados nas últimas 48 horas. A ideia também não prosperou e o ministério não confirma a continuidade do financiamento da Epicovid19-BR, principal pesquisa sobre a incidência do coronavírus na população brasileira, conduzido pela Universidade Federal de Pelotas (UFPel).
Distribuição ‘aos poucos’
Procurado para explicar o elevado estoque de exames, o Ministério da Saúde disse que os Estados “não possuem capacidade para armazenar uma grande quantidade de insumos de uma só vez”. “Portanto, por questões logísticas, os testes em estoque são distribuídos à medida que os estados demandam”, diz a pasta em nota.
O ministério disse ainda que a média diária de exames passou de 1.148 em março, mês da primeira morte pela covid-19 no país, para 15,5 mil em julho. Sem dar detalhes, a pasta também argumentou que está “finalizando” uma política para o rastreamento de contatos de pessoas infectadas.
Com informações do Estadão