A chance de um seguidor do presidente Jair Bolsonaro (PL) ser um robô é 15% maior que a de um internauta que segue o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. É o que afirma um estudo de pesquisadores da Universidade Federal do Pernambuco (UFPE) e da Universidade Católica do Pernambuco (Unicap). Os dados foram obtidos a partir de uma amostra aleatória de 40 mil perfis – 20 mil de cada um dos dois principais candidatos.
Os perfis artificiais costumam reunir algumas características em comum: publicam pouco, estão ativas há pouco tempo e deixam claro o posicionamento político que defendem por meio dos conteúdos que curtem e comentários que postam. O jornal O Globo analisou alguns dos perfis que, de acordo com os pesquisadores, têm alta chance de serem falsos.
O @LulaSil26913685, um dos seguidores de Lula, foi criado em julho deste ano, não tem nenhuma publicação. Nesse período, porém, curtiu diversos conteúdos postados por outros perfis declaradamente anti-bolsonaristas, como @desmentindobolsonaro. Deu “like” em uma publicação crítica ao discurso da primeira-dama Michelle Bolsonaro durante a convenção de PL, assim como num conteúdo que propagava a tese de que Bolsonaro não era a favor do Auxílio Brasil de R$ 600.
A reportagem identificou casos semelhantes entre os internautas que acompanham o presidente da República nas redes sociais. Um deles é BHBRASIL16. Também criado em julho deste ano, o perfil compartilhou mensagens favoráveis a Bolsonaro, como trechos de discursos do presidente e publicações do próprio chefe do Executivo. Embora não se possa ter certeza, tanto o perfil que segue Lula quanto o que segue Bolsonaro, o algoritmo identificou comportamento similar ao de robôs.
Outros que, segundo a pesquisa, têm alta probabilidade de serem automatizados são “Nicolly123aia” e “Cleusa73993330”, na rede de Lula, e “ykwin_xz” e “SilvioR35399779”, no Twitter de Bolsonaro.
A presença de robôs já foi uma discussão nas eleições de 2018, quando aliados do presidente Jair Bolsonaro foram acusados de impulsionar narrativas favoráveis aos presidentes nas redes sociais com o uso desse tipo de perfil automatizado. Em abril deste ano, o presidente ganhou 64 mil seguidores em dois dias e especialistas apontaram a utilização de robôs. O quantitativo, à época, superava em mais de 10 vezes a média mensal do presidente, que era de 4,3 mil novos usuários.
Uma análise do perfil feita pelo site Bot Sentinel, plataforma que identifica contas administradas por robôs, apontou que ao menos 61 mil perfis foram criados no dia anterior. No Twitter, Bolsonaro tem mais do que o dobro de seguidores de Lula: 8,5 milhões contra 3,9 milhões até a última quinta-feira (4).
Teste no Twitter revela ataques de robôs a Lula
O jornalista Ricardo Corrêa fez um teste no Twitter que revelou diversos bots (robôs) bolsonaristas atacando o post com ofensas, acusações, fake news e ódio ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Ricardo Correa escancarou o sistema de robôs no Twitter com uma postagem simples: “Fazendo um teste aqui, gente, já explico. Lula Pereira foi técnico da Ponte Preta. Lembram? Ele nunca foi candidato a nada. Nasceu em 6 de junho de 1956. A morte de Lula foi confirmada em 7 de fevereiro de 2021.”
Em seguida recebeu uma infinidade de comentários agressivos nessa publicação-teste. O teste que Ricardo realizou fez com que os robôs se voltassem contra eles mesmos. “Olha só: os robôs são contas automatizadas que reconhecem palavras e hashtags, e automaticamente, disparam comentários contra elas.”
Funciona assim: cada conta tem um nome e uma foto e são feitas para parecer com gente de verdade. Um sistema automático identifica algumas palavras e comentários são gerados por inteligência artificial e publicados na rede.
No caso do tweet de Ricardo, a palavra “Lula” chamou a atenção. Mas não é a mesma coisa que qualquer pessoa escrever. O jornalista Ricardo Corrêa tem perfil verificado. Isso quer dizer que muitos comentários em uma publicação sua são vistos por um número maior de pessoas.
E isso acaba desencadeando uma série de hates, também vindos de pessoas reais, que não se dão nem ao trabalho de ler a publicação antes de comentar.
O site Verdade na Rede afirmou que o teste do jornalista foi um sucesso para escancarar a máquina de automação. “Se Ricardo falasse sobre ‘Lula Molusco’, por exemplo, talvez toda essa descarga de ódio fosse em cima do amigo do Bob Esponja”, ironizou.
Publicações favoráveis a Bolsonaro são feitas por robôs
Um estudo de 2020, evidenciou que robôs foram responsáveis por mais da metade das publicações favoráveis ao presidente Jair Bolsonaro no Twitter. Conduzido pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FespSP), os dados mostram que robôs responderam por 55% dos 1,2 milhão de posts que usaram a expressão #BolsonaroDay para homenagear o presidente em 15 de março, dia de atos de rua pró-governo.
Por meio de ferramentas de ciência de dados, as professoras Rose Marie Santini, da UFRJ, e Isabela Kalil, da Fesp, identificaram a ação de 23,5 mil usuários não humanos a favor do presidente em um universo total de 66 mil usuários que publicaram a “hashtag” naquele dia. É um exército de “bots” – abreviação de ‘robots’ -, cultivados e programados para fazer bombar o assunto que for conveniente para quem os comanda, no exato momento escolhido para o ataque.
Robôs de Bolsonaro
Essa tropa soma-se 1,7 mil contas que publicaram sobre #BolsonaroDay e, horas depois, foram apagadas do Twitter. O comportamento, segundo as pesquisadoras, é típico de bots. Contudo, antes de sumir, o grupo foi responsável por 22 mil tuítes a favor de Bolsonaro.
As informações foram processadas no software com inteligência artificial “Gotcha“. O classificador de bots foi desenvolvido nos últimos dois anos pelo Laboratório de Microssociologia e Estudo de Redes (NetLab) da UFRJ, com apoio da startup Twist System. A parceria com o Núcleo de Etnografia Urbana (NEU) da Fesp consistiu em treinar, ao longo de um ano, o algoritmo para funcionar com base em um banco de dados de temas relacionados à política brasileira.
Os grupos são coordenados por Marie, no Rio, e Isabela, em São Paulo, e reúnem 12 pesquisadores.
“Te peguei!”
O “Gotcha”, referência ao termo em inglês para “te peguei”, tem funções semelhantes ao americano “Botometer”. A ferramenta da Universidade de Indiana é usada para identificar a participação de robôs em redes sociais para conteúdos em língua inglesa.
Em um processamento do “Botometer” que um estudo da Universidade de Oxford apontou que, em 2016, 18% do conteúdo das eleições americanas e 32% dos posts sobre Brexit vieram de bots. Esses momentos são referências internacionais da manipulação das redes por robôs – superados agora de longe pelos 55% de tuítes pró-Bolsonaro.
Com informações do O Globo