
Seis anos depois do rompimento da barragem de Fundão, em Mariana (Minas Gerais), um emaranhado de 85 mil processos trava reparações sociais, econômicas e ambientais que deveriam ter sido feitas por causa da tragédia. Na cidade palco da tragédia, cerca de 500 integrantes do Movimento Sem Terra (MST), juntamente com o Levante Popular da Juventude e o Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM), ocuparam a entrada da Samarco, para denunciar a mineradora.
As ações são por indenizações a atingidos, realização de obras de infraestrutura em municípios afetados pela lama que desceu da barragem e de projetos para recuperação de cursos d’água e de florestas. Por falta de acordo entre as partes, tudo foi parar na Justiça.
O rompimento da barragem da Samarco – uma joint-venture entre outras duas mineradoras, a Vale e a BHP Billiton – aconteceu em 5 de novembro de 2015. Dezenove pessoas morreram na tragédia.
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Um distrito, o de Bento Rodrigues, foi destruído pela lama, que atingiu o rio Doce em todo o seu percurso de Minas até a foz, em Regência, localidade do município de Linhares, no Espírito Santo. O litoral do estado também foi afetado.
Entre os atingidos pela tragédia que lutam para tentar receber o que acredita ser justo está o ex-morador de Bento Rodrigues, Paulo César Mendes, 52, que trabalhava como produtor rural. Paulo recebeu uma indenização por danos morais, mas tenta na Justiça receber por horas paradas de um trator que usava para produzir.
“Era do meu pai, que morreu. Mas eu usava”, disse o ex-morador do distrito destruído pela lama. Por ainda não ter conseguido provar que o trator era seu, disse o ex-produtor rural, a ação está parada.
As conversas atuais entre as diversas partes têm intermediação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), autor do cálculo sobre o número de ações na justiça envolvendo a tragédia.
Coordenador da força-tarefa do Ministério Público Federal (MPF) em Minas Gerais que trata da reparação pela tragédia de Mariana, o procurador Carlos Bruno Ferreira da Silva afirmou que o grande número de ações na justiça foi o que levou a discussão para o CNJ.
Não há um prazo para que as negociações sobre a catástrofe ocorrida em Mariana sejam concluídas, mas Silva disse esperar um novo acerto ainda no primeiro semestre de 2022. Até o momento foram três rodadas de negociações, que começaram em setembro.
O pacto fechado depois da tragédia deixou nas mãos de uma fundação, a Renova – criada pelas mineradoras – a aplicação de recursos repassados pelas empresas para o andamento das reparações. A fundação afirma ter gasto até agora R$ 15,5 bilhões com indenizações, obras e projetos.
Os governos de Minas Gerais e do Espírito Santo, porém, dizem que não estão satisfeitos com o andamento das reparações e querem passar a ter maior autonomia para aplicação de recursos.
“Estamos numa mesa de repactuação perante o CNJ. Vamos tentar fazer uma remodelagem daquela pactuação inicial, porque se mostrou muito burocrática”, afirma o procurador-geral do Espírito Santo, Jasson Hibner Amaral.
Ele afirma que decisões que já tinham sido tomadas entre as partes dentro do processo de reparação foram levadas à Justiça pela Renova.
“Não estou fazendo uma crítica apenas à fundação, mas ela judicializou muitas questões (…). Então, ao invés de atingirmos o objetivo, que era restaurar a dignidade de atingidos, restaurar economicamente regiões atingidas, restaurar o meio ambiente, a questão virou uma espécie de guerra de pareceres”, avaliou.
Em Minas Gerais, a avaliação do governo é que a Renova fez muito pouco no processo de reparação. “As pessoas de Brumadinho, Mariana e outros municípios não foram devidamente indenizadas, ações ambientais estão muito atrasadas e os municípios não receberam praticamente nada”, apontou a secretária de Planejamento do estado, Luísa Barreto.
Segundo a Renova, os municípios mineiros e capixabas impactados pelo rompimento da barragem de Fundão têm a disposição R$ 370 milhões em recursos compensatórios para estrutura das redes de atenção à saúde e para assegurar a integralidade do cuidado e da assistência médica aos atingidos e à população em geral.
Além disso, diz a nota, parte dos recursos, cerca de R$ 150 milhões, foi depositada em juízo no dia 20 de setembro. “Os recursos de caráter compensatório, desembolsados antes e durante a pandemia causada pelo novo coronavírus, representam no médio e longo prazo investimentos em ações estruturantes na área de saúde para as comunidades atingidas”, disse o texto.
O ideal para o governo de Minas, conforme a secretária, é o fechamento de um novo acordo nos moldes do acertado com a Vale pela tragédia de Brumadinho, em que a distribuição dos recursos fica a cargo do estado. “É um modelo que permite uma reparação mais ágil”, disse Barreto.
No acordo feito para Mariana não há uma previsão do total de recursos a serem gastos na reparação. Já no de Brumadinho, há uma espécie de piso de R$ 37 bilhões para reparação -ele pode ser maior, mas não menor.
A Renova afirmou ainda que atendendo a um TTAC (Termo de Transação e de Ajustamento de Conduta) trabalha na execução de uma série de ações e medidas necessárias à reparação dos municípios atingidos pelo rompimento da barragem.
Sobre as 85 mil ações na Justiça envolvendo reparação pela tragédia de Mariana, a Renova afirmou que está previsto que qualquer situação que não possa ser resolvida pelas partes signatárias no acordo original ou que seja objeto de divergência de interpretação deverá ser encaminhada à Justiça.
A BHP por nota disse que sempre esteve presente em todas as tratativas que buscam acordos judiciais e extrajudiciais para dar celeridade ao processo de reparação. Afirmou ainda que tem participado ativamente das discussões de repactuação intermediadas pelo CNJ, “que buscam acelerar ações que garantam uma reparação justa e integral aos impactados”.
A Samarco, também por nota disse reafirmar seu compromisso com a reparação de danos e que, até o momento, foram indenizadas mais de 336 mil pessoas, “tendo sido destinados mais de R$ 15,57 bilhões para ações executadas pela Fundação Renova”. A Vale não retornou contato feito pela reportagem.
Protesto
Com o lema “O lucro não vale a vida”, o protesto também teve como objetivo criticar a impunidade frente aos crimes cometidos pela Vale, Samarco e BHP no estado, uma vez que já são seis anos do rompimento da barragem de Fundão, maior crime ambiental da história do Brasil, que matou 19 pessoas e condenou o Rio Doce à lama da nascente à foz.
Com informações da Folha Press e Revista Fórum