Por Daniel Vaz*
Socialismo e desenvolvimento sustentável. Como explicar que essas visões sobre o mundo estiveram relativamente desconectadas por tanto tempo? Apesar desse relativo distanciamento anterior, os desafios do século XXI estabeleceram uma aproximação mútua e necessária para o encontro de uma alternativa que ofereça um futuro próspero ao mundo e ao nosso país, algo que se reflete com muita clareza nos documentos produzidos como subsídio ao debate sobre o processo de Autorreforma do PSB.
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Todos nós fomos impactados recentemente pelas informações reunidas no relatório produzido por especialistas do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climática (IPCC), que apresentou um cenário sombrio sobre os impactos do aquecimento global e suas consequências, algumas delas inclusive já seriam consideradas irreversíveis” durante séculos ou milênios. Esse documento, somado a uma série de outros fatos, como os efeitos da “passagem da boiada” promovida pelo atual governo brasileiro, demonstram a urgência da adoção dos princípios do desenvolvimento sustentável e respeito ao meio ambiente, guiados pela visão de justiça social que o socialismo democrático propõe.
As bases da preocupação com o meio ambiente em nível global se estabelecem nos anos de 1970, a partir da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, realizada em Estocolmo (Suécia), no ano de 1972. Entre os anos de 1980 e 1990, os debates globais se intensificaram, aumentando a visibilidade do tema e da luta assumida por Chico Mendes, Cacique Raoni entre outros valorosos personagens. Em 1992, se realiza no Rio de Janeiro o evento que ficou conhecido como ECO-92, que estabeleceu as bases da Agenda 21 e do desenvolvimento sustentável como o conhecemos atualmente. Também no âmbito da ONU, são implantados os ODM – Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (entre 2000 e 2015) e os 17 ODS – Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, agenda composta por 169 metas a serem alcançadas até 2030, que se orientam por aspectos sociais, econômicos e ambientais.
As mobilizações sociais e os debates políticos mais consistentes ao redor dessas temáticas foram liderados historicamente por organizações não governamentais e movimentos ambientalistas espalhados pelo mundo. Recentemente, empresas e governos subnacionais passaram a considerar a sustentabilidade como um componente importante de suas iniciativas e projetos. A adoção de práticas nesse sentido se espalham pelo mundo, transformando em padrões de comportamento de cidadãos e instituições, que são influenciadas por múltiplas interpretações sobre o assunto, muitas delas utilizadas para oferecer uma nova roupagem para o capitalismo, com a intenção de suavizar suas contradições, em um momento histórico onde parcelas cada vez mais numerosas contestam o “estilo de vida” desse regime econômico e a irresponsabilidade perante suas nefastas consequências para as pessoas que não conseguem participar do que é chamado de mercado consumidor.
Vale a pena refletirmos sobre um fragmento importante do documento “Transformando Nosso Mundo: a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável” compromisso assumido em setembro de 2015 pelos 193 Estados-membros da ONU por ocasião do lançamento dos ODS:
“Bilhões de nossos cidadãos continuam a viver na pobreza e a eles é negada uma vida digna. Há crescentes desigualdades dentro dos países e entre os países. Há enormes disparidades de oportunidades, riqueza e poder. A desigualdade de gênero continua a ser um desafio chave. O desemprego, particularmente entre os jovens, é uma grande preocupação. Ameaças globais à saúde, desastres naturais mais frequentes e intensos, conflitos em ascensão, o extremismo violento, o terrorismo, as crises humanitárias relacionadas e o deslocamento forçado de pessoas ameaçam reverter grande parte do progresso alcançado na área de desenvolvimento nas últimas décadas. O esgotamento dos recursos naturais e os impactos negativos da degradação ambiental, incluindo desertificação, secas, degradação dos solos, escassez de água doce e perda de biodiversidade aumentam e agravam a lista de desafios que a humanidade enfrenta. A mudança do clima é um dos maiores desafios do nosso tempo e seus efeitos adversos comprometem a capacidade de todos os países em alcançar o desenvolvimento sustentável. A sobrevivência de muitas sociedades, bem como dos sistemas biológicos do planeta, está em risco”
O desenvolvimento sustentável significa um paradigma emergente em nível global. Sua implantação depende de decisões políticas corajosas, em um cenário de disputa de narrativas sobre caminhos para a evolução humana nessa quadra histórica, em um período de reconhecido esvaziamento dos dispositivos tradicionais da democracia representativa e a ascensão de meios não formais de participação social. Apesar de uma visão de senso comum, que leva à compreensão da natureza como sinônimo de meio ambiente, as preocupações da era contemporânea nesse setor também correspondem ao meio urbano, como as enchentes, a poluição ambiental, a contaminação dos rios decorrente da falta de tratamento dos esgotos, os aterros sanitários sobrecarregados de resíduos da atividade e consumo humano, a condição de vida nas favelas e regiões periféricas das metrópoles, entre outras mazelas sociais, que posicionam a questão ambiental além da defesa da natureza, e simbolizam a amplitude da agenda do desenvolvimento sustentável.
Nossa escola de pensamento vem sendo influenciada fortemente por esse raciocínio, gerando inclusive um conceito denominado “ecossocialismo”, que é pautado pela defesa do meio ambiente e a construção de uma sociedade socialista, inspirada nos valores de liberdade, igualdade e solidariedade, que se opõe à expansão ilimitada do modo de produção e de consumo capitalista. Os documentos relacionados com o processo de autorreforma do PSB aborda essa e outras ideias que relacionam o socialismo e o desenvolvimento sustentável, como economia verde e Amazônia 4.0, entre outras ideias que colaboram para o estabelecimento de um Projeto Nacional de Desenvolvimento para o Brasil.
O ítem 111 da Proposta de Teses para o Novo Programa do PSB indica que “a economia não deve ser um fim em si mesma, mas servir à vida das pessoas na busca permanente da redução das desigualdades, sem renunciar à busca da plena prosperidade econômica e à ideia do desenvolvimento sustentável. Em seguida, no ítem 112, afirma-se que “o socialismo democrático recusa o dogma liberal quando afirma que o funcionamento dos mercados produziria por si só o máximo bem-estar a que a sociedade poderia aspirar. A realidade indica justamente o contrário, pois a doutrina liberal tem falhado, recorrentemente, na conciliação da produção de riqueza com a diminuição da desigualdade”.
Diante do cenário atual do nosso país, de ameaças aos valores democráticos, desgoverno e falta de um projeto de desenvolvimento inclusivo e criativo que beneficie o seu povo em primeiro lugar, o PSB apresenta uma proposta antenada com os dilemas contemporâneos, que permite o diálogo em alto nível com setores da sociedade brasileira que concordam com essas ideias, algo fundamental para enfrentar esse desafio, algo que, por sua grandiosidade, vai além do nosso Partido.
* Publicitário e professor universitário, doutorando em Políticas Públicas na Universidade Federal do ABC (UFABC).