Por oito votos a zero, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) formou maioria, nesta quarta-feira (17), pela constitucionalidade do Inquérito 4.781/DF, conhecido como Inquérito das Fake News.
Está em julgamento a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 572 na qual o partido Rede Sustentabilidade questiona as investigações. Segundo a legenda, a portaria de instauração do inquérito (GP/69/2019) não indicou ato que tenha sido praticado na sede ou nas dependências do STF, tampouco delimitou quem seriam os investigados e se estão sujeitos à jurisdição do Tribunal.
Prevaleceu, na maioria formada, o entendimento do relator do caso, ministro Edson Fachin, que julgou totalmente improcedente o pedido da ADPF para declarar a constitucionalidade da portaria GP 69/2019. Acompanharam-no os ministros Alexandre de Moraes, Roberto Barroso, Rosa Weber, Luiz Fux, Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes.
Por ocasião do início do julgamento, o Procurador-Geral da República, Augusto Aras reforçou a necessidade de participação do Ministério Público de maneira a se manifestar previamente sobre atos e diligências, sobretudo, os que exigem reserva de jurisdição – caso de medidas consideradas invasivas, como buscas e apreensões.
“O procurador-geral da República pede que a Corte estabeleça balizas para que o objeto se faça de forma delimitada e que medidas de ordem invasiva, aquelas da reserva de jurisdição, sejam permitidas previamente ao sistema acusatório e que o Ministério Público possa merecer a atenção do eminente relator”, afirmou naquela oportunidade.
Inquérito
Instaurado de ofício pelo presidente da Corte, Dias Toffoli, o inquérito busca apurar notícias falsas, denunciações caluniosas, ofensas e ameaças a ministros do STF. Como o procedimento foi aberto com base no artigo 43 do Regimento Interno do STF (RISTF) – que trata da apuração de crimes ocorridos nas dependências do Tribunal – não houve sorteio para se determinar o relator, mas sim a indicação, pelo próprio presidente, do ministro Alexandre de Moraes.
O PGR entende ser legítima a instauração de inquérito sob o ângulo de investigação administrativa preliminar, que dispensa, por norma regimental expressa, a distribuição. Contudo, surgindo elementos mínimos que apontem para a necessidade de abertura de inquérito propriamente dito, faz-se necessária a supervisão, já não mais da presidência do Tribunal nas suas atribuições de polícia administrativa, mas de órgão judicante, no caso, a PGR.
Inquérito necessário
De modo a compatibilizar o inquérito previsto no artigo 43 do RISTF com a Constituição Federal e as leis vigentes, o procurador-geral propõe a adoção de medidas de conformação procedimental. Em primeiro lugar, atesta ser preciso franquear ao MPF a constante participação no procedimento investigativo visando a proteção de direitos e garantias fundamentais dos investigados e a colheita de indícios e provas.
Augusto Aras também afirma que, ressalvadas as diligências em curso, há de ser reconhecido aos defensores o direito de ter acesso aos elementos de prova já produzidos pela polícia (conforme Súmula Vinculante 14). E, por fim, que as medidas investigativas, como quebra de sigilo, busca e apreensão, vedação de uso de redes sociais etc, caso não requeridas pelo Ministério Público, hão de ser submetidas previamente ao seu crivo.
Autodefesa
Primeira a votar no período da tarde, a ministra Rosa Weber observou que o sistema processual penal não confere às polícias judiciais a exclusividade da investigação criminal e que não há qualquer obstáculo legal à investigação administrativa no âmbito dos três Poderes.
Ela lembrou que, ao exercer a presidência do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), já havia registrado a preocupação com os efeitos “nefastos” das notícias falsas sobre o processo democrático no país, ao constatar que a desinformação divulgada em larga escala passou a influenciar diretamente as escolhas da sociedade nos mais variados temas.
“Vemo-nos às voltas com ataques sistemáticos que em absoluto se circunscrevem com críticas e divergências abarcadas no direito de livre expressão e manifestação assegurados constitucionalmente, traduzindo, antes, ameaças destrutivas às instituições e a seus membros com a intenção de desmoralizá-las”, afirmou.
Terrorismo
O ministro Luiz Fux afirmou que a legislação brasileira autoriza que juízes, ao verificar a existência de crime, iniciem investigações, especialmente em defesa da jurisdição.
Segundo ele, os fatos investigados no INQ 4781 (atos de abuso, de ofensa, de atentado à dignidade da Justiça, do Supremo e da democracia) são “gravíssimos” e se enquadram no Código Penal, na Lei de Segurança Nacional e na Lei de Organizações Criminosas.
Para Fux, os atos investigados são o germe inicial de uma instauração, no Brasil, de atos de terrorismo, com o objetivo de que os juízes, pelo temor, percam sua independência, e, por isso, precisam ser coibidos. “Temos de matar no nascedouro esses atos que estão sendo praticados contra o STF”, afirmou.
Defesa do sistema
Para a ministra Cármen Lúcia, o inquérito não trata do cerceamento de liberdade, mas da garantia de liberdades e direitos essenciais. Segundo ela, o STF não permite qualquer tipo de censura, mas não é possível considerar como protegidos pela liberdade de expressão atos que atentem contra a Constituição, incitem o ódio ou o cometimento de crimes.
Em seu entendimento, as ofensas investigadas atingem todo o Poder Judiciário. “Se um juiz do STF não tem garantia de sua incolumidade física e a de seus familiares, um juiz isolado no interior do país também não poderá se sentir seguro”, observou. “Democracia se guarda pela defesa do sistema”.
Contraditório e ampla defesa no inquérito
O ministro Ricardo Lewandowski também seguiu o relator pela constitucionalidade da Portaria GP 69/2019, que instaurou o INQ 4781, pois entende que o feito visa apurar ofensas que atingem não só os integrantes do Supremo, mas também seus familiares e servidores da instituição.
Em relação à possibilidade de investigação administrativa pelos Poderes da República, ele lembrou que o STF reconheceu essas atribuições quanto à polícia legislativa do Congresso Nacional, ao permitir, inclusive, a prisão, no caso de crimes cometidos em suas dependências.
O ministro ressaltou que não constatou qualquer irregularidade, pois não há impedimento à atuação do MP ou de acesso dos advogados ao conteúdo das investigações relativas a seus clientes. Salientou, ainda, que o direito ao contraditório e à ampla defesa só será exercido caso seja instaurada uma ação penal.
Violação ao direito da informação
O ministro Gilmar Mendes também entendeu não haver vícios na instauração do inquérito, pois os objetos e fatos da investigação foram devidamente delimitados.
Ele destacou a gravidade dos fatos e afirmou que o uso sistemático de robôs para divulgar notícias falsas e ameaças não é liberdade de expressão, mas um movimento orquestrado para afetar a credibilidade do STF. Na sua avaliação, a divulgação massiva de notícias inverídicas viola o direito da sociedade de ser devidamente informada.