Ailton Krenak não acredita na concepção de que todas as pessoas são iguais e todos fazemos parte de uma humanidade abstrata.
Para o intelectual, as múltiplas formas de violência que os povos originários enfrentam desde o início da colonização são uma prova de que o clube dos humanos com os mesmos direitos definitivamente não é para todos.
Os yanomamis —que vivem hoje uma crise profunda depois de quatro anos de avanço do garimpo ilegal e de recusa do governo Bolsonaro em manter políticas de saúde e garantir a integridade da terra indígena— são vistos como parte de uma sub-humanidade, ele diz.
Se não houver uma ação intensa do governo para isolar essas áreas [de garimpo], criando uma espécie de Tchernóbil, com uma zona fantasma, onde não pode ter gente, os yanomamis podem continuar sendo contaminados por mercúrio. Isso é uma imagem terrível. Ou seja, mesmo depois que a gente tirar os garimpeiros —se conseguirmos tirar todos esses miseráveis de dentro daquele território—, se ele fosse isolado imaginariamente, ainda ia restar uma bomba-relógio lá dentro, a contaminação por mercúrio nos cursos d’água. – Ailton Krenak, escritor e líder indígena
Neste episódio, ele critica a ignorância de boa parte dos brasileiros em relação à Amazônia e seus povos originários e afirma que, mesmo entre os que se importam com o que acontece no bioma, os indígenas tendem a despertar menos preocupação que o desmatamento e seus vínculos com o aquecimento global.
Roraima saltou da condição de um território longínquo para a condição de um estado, e seu primeiro governador foi o ex-presidente da Funai Romero Jucá, nomeado por José Sarney. Se a gente olhar a genealogia da colonização dessa região da Amazônia, vamos entender por que os yanomamis devem morrer. Um estado que nasce e é estruturado para ser governado pelo ex-presidente da Funai só pode estar dando uma carta anunciando o fim daquele povo indígena que sempre foi hostilizado pela política indigenista do Estado brasileiro. Não é um fenômeno isolado: o povo yanomami foi posto de lado na política indigenista. – Ailton Krenak, escritor e líder indígena
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O escritor, um dos mais importantes líderes indígenas da história do país e autor do best-seller “Ideias para Adiar o Fim do Mundo” e de “A Vida Não É Útil”, lançou no fim de 2022 “Futuro Ancestral” (Companhia das Letras). O novo livro propõe que o futuro, visto como ilusão criada pelos brancos e ocidentais, depende hoje de uma reconexão com as memórias da Terra e com o legado dos nossos antepassados.
Em meio à possibilidade de extinção e de fim do mundo, ele defende ser preciso abraçar a ideia de que a vida é selvagem e não cabe em um planejamento urbano que separa a cidade dos ecossistemas vivos nem em uma educação que formata as crianças para competir no mercado de trabalho. Em sua síntese, precisamos de menos molde e mais invenção para enfrentar as crises do presente.
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O podcast entrevista, a cada duas semanas, autores de livros de não ficção e intelectuais para discutir suas obras e seus temas de pesquisa.
Já participaram do Ilustríssima Conversa Gabriela Lotta e Pedro Abramovay, que discutiram os papéis de burocratas e políticos em uma democracia, Felipe Loureiro, que analisou as relações entre EUA e Rússia depois do início da Guerra da Ucrânia, Denise Ferreira da Silva, para quem a violência racial é um pilar da modernidade, Letícia Cesarino, antropóloga que expõe como algoritmos favorecem o populismo, Roberto Moura, que relançou clássico sobre a história negra do Rio, Celso Rocha de Barros, que falou sobre a história e os desafios futuros do PT, Christian Lynch, autor de livro sobre Bolsonaro e o populismo, Juliana Dal Piva, repórter que vem investigando suspeitas de corrupção da família Bolsonaro, Viviane Gouvêa, que discutiu a história da violência estatal contra grupos marginalizados, Esther Solano, socióloga que discutiu o que pensam as mulheres bolsonaristas moderadas, entre outros convidados.