Melhorias na cidade, infraestrutura, saúde, segurança e principalmente a busca por representatividade são questões que levaram 4 mulheres trans a buscar vaga de vereadora em Mato Grosso em meio a mais de 11 mil candidatos. A principal bandeira delas é mostrar que podem debater políticas públicas de forma igualitária.
De Rondonópolis, a candidata pelo Partido Comunista do Brasil (PCdoB) Adriana Liario diz ter buscado nos últimos anos ajuda dos vereadores da cidade para ajudar as mulheres trans do município que sofrem violência, porém, entende que a demanda só vai ser atendida realmente quando houver uma representante dentro do parlamento.
Segundo ela, a cidade é uma das mais violentas do Estado e só no último ano registrou mais de 800 boletins de ocorrência de agressão contra transexuais.
“Na época de eleição sempre aparece candidato na porta da nossa casa, faz foto conosco, falávamos sobre as demandas de violência e tudo mais e depois todos desaparecem. Procurei alguns partidos que tinha mais afinidade. Na eleição passada, que concorri a deputada federal, conquistei 1.400 votos. Então entendemos que há uma demanda que só vai ser atendida se tiver alguma pessoa na Câmara que entende o que passamos”.
Ela ressalta que é importante criar um Conselho Lésbicas, Gays Bissexuais, Transexuais, Queer, Intersexuais (LGBTQI+) na cidade, uma casa de acolhimento, lutar contra a violência e fazer com que a Secretaria de Direitos Humanos cuide de todas as pautas de forma igualitária.
“Ninguém resolve nossas pautas, muitos políticos não se envolvem por medo de virar chacota, principalmente se ele for favorável. Sou uma cidadã ativa e participativa que pago meus impostos. Não sou um peso morto e tenho meus direitos e quero garantir os direitos de quem é igual a mim”, esclarece a candidata.
Lorrayne Bettega, comerciante em Paranatinga, é candidata pelo Movimento Democrático Brasileiro (MDB) na cidade e revela ter enfrentado medo do preconceito para mostrar que o público LGBT é capaz e tem potencial par disputar uma eleição quanto qualquer outro candidato.
Conhecida na cidade por se envolver em ações sociais, ela afirma que sua candidatura foi muito bem acolhida pela população.
“Ninguém mais vê a Lorryane como a trans, e sim, como alguém que tem muito trabalho prestado, sou muito respeitada. Pago meus impostos e trabalho com muita dignidade. E eu percebi nos últimos anos que os políticos deixaram muito a desejar na nossa cidade em todas as áreas e eu resolvi entrar na disputa para fazer diferente, mudar minha cidade. Além disso, vou conseguir dar voz às mulheres trans, mostrar que podemos entrar e fazer um bom trabalho, sem corrupção, com uma política limpa. E deveria ter mais candidatas trans, quanto mais tiver mais igualdade teremos”, ressalta.
Em Diamantino (MT), o MDB aposta na candidatura de Andressa Lavínia. Ela é formada em Educação Física e em Artes, com especialização em Educação Inclusiva e é militante na área há 15 anos na prefeitura da cidade. Suas pautas passam pela assistência social, cultura e pela diversidade. Escute o áudio em que ela explica sua atuação.
Em Nobres, o Partido Progressista (PP) terá Celinha Martins na disputa. Ela acompanha o processo político há muito tempo e destaca ser preciso buscar espaço, independente de bandeira.
“Temos que entender que um vereador não trabalha apenas para um grupo mas pela cidade toda em si. É muito importante mostrar que todas são capazes de trabalhar e ajudar seu próximo, independente do seu gênero. Eu não tenho bandeira no meu santinho porque entendo que é preciso buscar seu espaço e quando anda com honestidade você entra e sai de qualquer lugar, independente de bandeira”.
Representatividade e novo momento
Este ano é a primeira vez que candidatos e candidatas aos cargos de prefeito e vereador em todo o país poderão ter o nome social na urna eletrônica. Isso permite que as pessoas que não se identificam com o gênero designado no seu nascimento possam concorrer a cargos eletivos utilizando o nome pelo qual a sua comunidade os conhece.
Em todo o país, 158 candidaturas com nomes sociais foram registradas. A predominância de candidaturas com o nome social está nos estados de São Paulo, com 24,2% dos registros, e Minas Gerais, com 12,7%.
Enquanto isso, Tocantins registrou apenas 1,3% das candidaturas. Todos os estados têm pelo menos uma candidatura trans. Em Mato Grosso, 4 fizeram o registro, mas uma desistiu.
Atuante como organizadora da Parada da Diversidade Sexual em Cuiabá e integrante da Associação de Travestis e Transexuais de Mato Grosso (ASTRAMT), Daniella Veyga, acredita que é de grande importância que haja o interesse por parte dessas “meninas” em concorrer ao pleito eleitoral para mostrar que conseguem debater políticas públicas de forma igualitária.
“Viramos uma chave em que antes éramos pessoas que vivíamos à mercê da marginalidade, vivíamos de políticas públicas de outras pessoas, mas a candidatura dessas mulheres mostram que somos sim pessoas politizadas e conseguimos debater melhorias na vida, tanto para pessoas trans quanto para outras pessoas, de forma igualitária”.
De acordo com ela é preciso ocupar esses espaços, uma vez que exercem seus compromissos.
“Somos cidadãs, se podemos pagar impostos e ajudar nosso Estado, de contrapartida precisamos de políticas públicas de qualidade. Educação, saúde, segurança e moradia. E estando nesse espaço político é possível lutar por tudo isso”.
Nome social das trans nas urnas
Desde 2018, uma decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) possibilita que candidatos e candidatas transgênero apareçam na urna eletrônica com o seu nome social.
Com a medida, nas eleições daquele ano, foram registradas 29 candidaturas com nome social em todo o país. Dessas, 15 conseguiram chegar à suplência de deputado federal ou estadual.
É importante frisar que, para ser inserido na urna eletrônica, o nome social já deverá constar no cadastro eleitoral e estar no título de eleitor do candidato ou candidata. Ou seja, para ser utilizado no pleito deste ano deve ter sido informado à Justiça Eleitoral até o dia 6 de maio passado.
Segundo as estatísticas do eleitorado para o pleito de 2020, divulgadas pelo TSE, 9.985 eleitores utilizarão o nome social no título eleitoral.
Regulamentada em abril por portaria do TSE 1/2018, a resolução preconiza o disposto no artigo 3º da Constituição Federal, que estabelece que “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade ou quaisquer outras formas de discriminação” constitui um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil.
O nome civil da pessoa que declarou o nome social deverá constar do e-Título em página adicional, de modo a evitar constrangimentos eventualmente decorrentes da exibição do documento para outras finalidades que não exijam a apresentação do nome civil.
No título eleitoral que contempla o modelo, o eleitor poderá assinar o nome social. No Requerimento de Alistamento Eleitoral, deverá ser colocada a mesma assinatura do documento de identidade oficial.