A gestão de Jair Bolsonaro (PL) abriu a porteira para o uso de agrotóxicos. Foram mais de 1,5 mil liberações desde o início do seu mandato. Só em 2021, foram 560. Na Câmara dos Deputados, o PL do Veneno, aprovado em regime de urgência na noite desta quarta-feira (9), tramitava há 20 anos no Congresso e revoga a lei dos agrotóxicos, de 1989. Os socialistas votaram em peso contra a medida.
Alvo de críticas não apenas de ambientalistas, mas de organizações ligadas à saúde, o PL do Veneno é defendido pelo agronegócio como mecanismo de transparência e agilidade na aprovação de uso de novas substâncias. Para eles, é a “lei do alimento mais seguro”.
O projeto retira poderes da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). Isso porque, pela proposta aprovada pelos deputados, a palavra final será do Ministério da Agricultura, que comandaria também o processo de registro de novos agrotóxicos.
Um dos pontos mais preocupantes para os que são contra o projeto é a proibição apenas de caso de “risco inaceitável”.
O agrônomo Luiz Claudio Meirelles, pesquisador da Escola de Saúde Pública da Fiocruz e ex-gerente de toxicologia da Anvisa, afirmou ao podcast O Assunto, do g1, que a possível mudança é “um desastre”.
Hoje, Anvisa, Ibama e Mapa têm a responsabilidade compartilhada pela liberação.
O líder da Oposição, deputado Alessandro Molon (PSB-RJ), ressalta que o Brasil segue na contramão do mundo.
O líder da Minoria, deputado Marcelo Freixo (PSB-RJ) destaca os riscos à saúde.
O líder do PSB, deputado Bira do Pindaré (PSB-MA) defendeu mais investimentos na agricultura familiar.
A deputada Tabata Amaram (PSB-SP) destaca a retirada de poderes de órgãos fiscalizadores.
O deputado Camilo Capiberibe (PSB-AP) destacou o retrocesso do PL do Veneno.
O deputado Elias Vaz (PSB-GO) classificou a aprovação do PL do Veneno de “absurda”.
O deputado Gervásio Maia (PSB-PB) afirmou que o projeto é uma “aberração”.
O deputado rodrigo Agostinho (PSB-SP) classificou a aprovação pela Câmara de “insanidade”.
Já o deputado Tadeu Alencar (PSB-PE) afirma que tanto a saúde e como a economia correm “graves riscos”.
Registro temporário de agrotóxicos
Outro ponto preocupante é a possibilidade de registro temporário feito exclusivamente pelo Ministério da Agricultura para produtos que não foram analisados nos prazos previstos pelo PL do Veneno.
Para que isso ocorra, porém, é preciso que os agrotóxicos estejam registrados em culturas similares em pelo menos três países membros da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) que adotem o Código Internacional de Conduta sobre a Distribuição e Uso de Pesticidas da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO).
Atualmente, o tempo de análise de um produto pode durar até oito anos.
A possibilidade de reanálise de um produto liberado também ficará nas mãos do ministério e somente em caso de organizações internacionais alertarem para riscos.
Hoje, entidades da sociedade civil legalmente constituídas para defesa dos interesses difusos relacionados à proteção do consumidor, do meio ambiente e dos recursos naturais, partidos políticos e entidades de classe podem requerer o cancelamento do registro de um produto, o qual pode passar por uma reavaliação.
Segundo a Articulação Nacional de Agroecologia (ANA), foi assim que se chegou à proibição do paraquat, agrotóxico associado à doença de Parkinson, em 2020, determinada pela Anvisa.
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Centralização de decisões sobre agrotóxicos
O PL do Veneno também põe fim à possibilidade de estados e municípios aprovarem legislação suplementar sobre uso e armazenamento dos agrotóxicos, como é permitido atualmente.
“‘A Câmara dos Deputados está votando a Lei do Veneno em esquema de tratoraço. A título de suposta modernização, vão tirar poder do Ibama e da Anvisa e concentrar as decisões no Ministério da Agricultura. A título de modernização, sumiram com a vedação ao registro de produtos que causam câncer, constante na legislação atual. Falam em análise de risco nos processos administrativos como se fosse uma novidade e, em razão dela, geram retrocessos. A saúde dos brasileiros e o meio ambiente sofrerão as consequências dessa decisão irresponsável”, criticou ex-presidente do Ibama e especialista sênior em políticas públicas do Observatório do Clima, Suely Araújo.
Marina Lacôrte, porta-voz de Agricultura e Alimentação do Greenpeace Brasil disse que a tentativa de aprovação mostra quais são as prioridades do governo e da bancada ruralista.
“Lira vem promovendo a abertura da porteira, a passagem da boiada e o pisoteio total sobre nossas políticas públicas socioambientais! Destruiu o licenciamento, ampliou a destruição das florestas, as ameaças aos povos indígenas e chancelou o roubo de terras! Agora o veneno é a boiada da vez! É de tirar o chapéu para a nova dupla de exterminadores do futuro pós Ricardo Salles: Arthur Lira e Tereza Cristina.”, afirma Lacôrte.
Novos prazos
Além disso, o Pl do Veneno estabelece prazo de até 2 anos para a inclusão e a alteração de registros para o uso do produtor, pesquisa, exportação, importação e comercialização.
Caso os prazos não forem cumpridos, a responsabilização dos órgãos federais que descumprirem os prazos.
O PL do Veneno também autoriza a prescrição de produtos antes da incidência de pragas e a recomendação de mistura em tanque de agrotóxicos “quando necessário”. A responsabilidade será do engenheiro agrônomo.
Agrotóxico, não
Outro ponto é a mudança do nome ‘agrotóxico’ para ‘pesticida’. Os ruralistas alegam que a mudança na nomenclatura vai se adequar à que é utilizada ao redor do mundo.
O termo ‘agrotóxico’ foi adotado no país após o lançamento do “Pragas, agrotóxicos e a crise ambiente: Problemas e soluções”,, em 1977 pelo pesquisador e PhD em agronomia Adilson Paschoal, do Departamento de Entomologia e Acarologia da Esalq/USP.
Em entrevista ao g1, em 2019, ele disse que o nome oficial “cumpre todo o rigor exigido pela ciência e a exatidão terminológica requerida pelo nosso idioma”. E que o termo pesticida significa “o que mata a peste'”, e que “peste é doença, o vocábulo não pode ser usado com sentido geral, englobando pragas, patógenos e plantas invasoras”.